Em Chamas

Capítulo 3 - Quero ver quem você realmente é


-Oi - falei, sentando-me numa carteira ao lado dela.

-Oi - ela resmungou, sendo incapaz de esconder a fúria que sentia.

Ficamos em silêncio por um instane. Ela, furiosa; e eu, encarando-a calmamente. Analisei os contornos de seu rosto e cada detalhe que havia ali, e percebi que, além de interessante, ela era bonita também. De longe, assustadora e irritante; de perto, linda e insegura.

Foi assim que começou a loucura dentro de mim.

-Dividimos o trabalho em dois e cada um faz a sua parte, pode ser?! - Samanta falou, tão depressa que cada palavra era atirada em mim e quase me perfurava.

Era aqui que eu impedia as balas:

-Mas pode surgir dúvidas entre um exercício e outro e também se cada um só fizer a sua parte, nem tem como discutir se a resposta está certa ou não. E esse trabalho é importante né... - joguei a ela meu melhor sorriso - Vamos fazer juntos mesmo.

Vi uma fagulha de desespero, angústia e ódio atingir a face dela. Antes que Samanta discordasse, continuei:

-Podemos ir na praça que tem aqui perto depois da aula e lá mesmo fazer os exercícios. Com todas aquelas árvores, tem sombra por todos os lados. Além de ser super tranquilo lá. O que me diz?

-Não - a garota fechou a cara, desta vez tão séria que meu sorriso se tornou inútil - Não tenho tempo pra isso. Cada um faz o trabalho todo então, depois conferimos as respostas.

Se ela fosse um garoto, eu já teria dado um soco naquela sua face arrogante.

-Esse não é o sentido do trabalho - eu transformaria aquele desaforo em palavras também - O trabalho é em duplas. Duplas. Ou fazemos juntos ou ficamos com zero.

Vi ela, surpresa, me fuzilar com os olhos. Aposto que aquilo era uma das últimas coisas que ela imaginaria ouvir de um estudante dali.

Samanta respirou fundo.

-T-tudo bem... - as palavras custaram a sair de sua boca. Mas saíram - Vamos hoje de tarde então, pra acabar com isso de uma vez.

Abri um sorriso de triunfo.

-Que horas na praça? - a garota perguntou.

-Pode ser às duas horas, nas mesas perto da pista de caminhada?

-Ok.

E nosso primeiro diálogo se encerrou ali.

Nunca fiquei tão ansioso aguardando um horário. Não, ansioso não era a palavra. Era algo muito mais fascinante que isso.

Assim que terminei o almoço, peguei o livro, a folha de exercícios e segui para a praça. Eu queria já estar ali quando ela chegasse, ver a cara que Samanta faria quando me visse ali, já esperando por ela. Seria irresistivelmente tentador.

Ela chegou pouco antes das duas, carregando um livro numa das mãos e ainda vestida com o uniforme do colégio. Ela sentou-se no banco à minha frente sem nem sequer me olhar.

-Oi... - ela disse, na mesma voz seca de sempre.

Eu revirei os olhos, divertido.

-Bora começar os exercícios, né?! - pisquei para ela, assim que seus olhos encontraram os meus.

Pelo olhar de Samanta, se ela tivesse uma faca nas mãos, concerteza teria me matado ali.

Para deixá-la pelo menos um pouco feliz - se é que esse sentimento existe no mundo dela - cada um fez os exercícios sozinho e depois conferimos as respostas. Os que não bateram, refazemos juntos até chegar no resultado.

Eu estava gostando daquele momento, daquela calmaria disfarçada de fúria. Tanto pelo trabalho como pela Samanta... havia algo naquela garota que eu queria, que eu tinha, que descobrir - e esse trabalho de física foi a luz no fim do meu túnel.

-Terminaaamos - falei, espreguiçando-me.

Lancei um olhar na direção de Samanta e parei para encará-la. Ela recolhia as folhas de rascunho que usávamos e devolvia os lápis e borrachas para dentro de sua mochila.

-O que foi? - Samanta parou de repente - Por que tá me encarando?

Eu pisquei, abrindo a boca sem proferir palavra alguma.

“Só estava te olhando, não posso?”,pensei comigo mesmo, mas sem jamais ousar dizer isso em voz alta.

-Eu já vou então - ela falou abruptamente, percebendo que não ia conseguir tirar nenhuma resposta de mim.

Num instante estávamos em paz fazendo os exercícios e no outro eu já me levantava às pressas para não deixar que a garota fosse embora assim.

-Espere! - falei.

Ela girou o pescoço, me fitando com o canto dos olhos.

Corri até onde a apressadinha estava.

-Já que acabamos o trabalho e com esse tempo super quente, vamos tomar sorvete na sorveteria ali da esquina. O sorvete de lá é irresistível.

Abri um sorriso descontraído depois de terminar de falar. Muitas vezes, um sorriso é sua melhor arma.

Ela semicerrou os olhos, pensativa.

Samanta não havia dito não logo de cara. Já era um começo.

-Não, obrigada... Tenho que ir mesmo.

Mais uma vez, ela me deu as costas e começou a se afastar.

-Por que? - gritei a ela, cerrando os punhos.

Samanta parou de repente, percebendo a seriedade exasperada na minha voz.

-Por que o quê?! - foi tudo que ela disse, contrariada já.

Dei um passo silencioso.

Quando uma verdade precisa ser dita, não esconda nenhuma palavra, pois senão esse será o fim do jogo - o fim do seu jogo.

-Se recusa a deixar que qualquer um se aproxime de você.

Mais um passo.

-Desconta toda a sua raiva no primeiro que vê.

E mais um.

Desta vez, eu estava há centímetros dela. Se eu estendensse os braços, tocaria seus cabelos.

Respirei fundo e andei até me posicionar à sua frente. Samanta não recuou quando aproximei meu rosto do dela. Como se fingisse que eu não estava ali, ela simplesmente encarava com fúria o chão a seus pés.

Mesmo sem medir as consequências, eu sabia o que tinha que fazer.

-Tire sua máscara. Eu quero ver quem você realmente é.

E foi então que a beijei.