Em Chamas

Capítulo 18 – A Samanta que nunca mais iria voltar


Contar sua própria história em terceira pessoa, como se a garota ali fosse alguém de um conto de fadas macabro que não deveria existir. Samanta nunca se perdoou depois daquilo, fechando seu coração para qualquer um que tentava se aproximar. Tudo estava explicado agora.

Não era por ela não querer se aproximar de alguém novamente, ela só estava com medo de cometer o mesmo erro e perder mais uma vez aquele que entrara em sua vida. Não pensou nela, escondendo seus sentimentos de si mesma. Não querendo machucar ninguém outra vez, ela preferiu se afastar de todos, sendo apenas aquela que observa tudo.

Era como se Samanta não quisesse mais existir.

Samanta, não faz isso com você, por favor.

Eu não era capaz de deixar tudo terminar assim. Pelo menos aquele e-mail eu tinha que responder. Aquele último laço... eu iria estendê-lo mais um pouco.

Eu sei que você não se perdoou até hoje, mas isso não é desculpa! Pense em você mesma, no que realmente quer. Olha, não importa que você tenha se mudado ou dito que nunca mais vai voltar, eu continuo aqui, então, quando precisar desabafar ou quiser contar com alguém, fale comigo, por favor.

Eu estarei aqui, esperando por você.

Os dias lentamente foram passando, transformando-se em semanas; e as semanas, pouco a pouco viraram meses. Samanta nunca mais me respondeu.

Talvez eu já esperasse por isso, talvez a fagulha de esperança que eu ainda tinha enquanto respondia àquelas palavras fosse a última que restou após o fim. Mas mesmo sendo a última, não deixei que ela se apagasse. Eu ainda tinha uma ideia em mente, um plano de certo modo tão audacioso que eu só saberia se daria certo quando eu chegasse ao seu desfecho final. Quando comecei a pô-lo em prática? Poucos dias depois de enviar este meu e-mail de resposta.

Na manhã em que disse aos meus pais que eu havia conseguido um emprego – é, só os avisei quando consegui mesmo – eles foram contra, dizendo arduamente que eu precisava estudar se quisesse entrar numa faculdade no ano seguinte.

-Eu quero ir para a UFRJ – comecei, pegando-os de surpresa – E eu sei que vocês não têm como me mandar para lá, mesmo que fosse só para fazer as provas. Esse dinheiro eu vou usar no meu futuro, não com qualquer besteira que têm por aí.

-Mas, Diego... – minha mãe começou, silenciando por um momento.

-Eu preciso desse emprego, mãe. Eu vou conseguir estudar, prometo a vocês.

A permissão foi concedida num aceno mudo, uma afirmação que tirou um peso da minha consciência.

Nós vamos nos encontrar de novo, Samanta. Espere por mim.

A padaria na qual precisavam de um caixa ficava há poucas ruas de distância de onde eu morava. Trabalhando seis horas por dia, seis vezes por semana, era um pulo da minha casa ao trabalho. O começo eu sabia que seria o pior – a demora até me acostumar com essa rotina corrida de escola/trabalho/estudo em casa quase me derrubou nas primeiras semanas. Por mais que não sobrasse tempo para mais nada, era isso o que eu precisava fazer.

Ainda estávamos no meio de julho quando completei 4 meses de trabalho. Todo o dinheiro que eu ganhava ia direto à minha poupança. Nunca toquei em um centavo sequer durante todo esse tempo.

Chegando as férias, enquanto alguns de meus amigos já quiseram tentar a sorte em exames em faculdades do país inteiro, eu fiquei em casa, revendo o que eu já havia aprendido e estudando o que ainda tinha dúvida. Num certo dia, imprimi algumas provas antigas da UFRJ e levei uma delas à praça perto da escola – na praça na qual eu e Samanta estivemos aquela vez.

Havia uma razão por eu ter escolhido fazer o simulado naquele lugar, pois na minha mente, ainda tinha um restinho da Samanta envolvendo todo o verde dali. Caminhei até o banco em que fizemos juntos o trabalho de física. Sentei no mesmo lugar de antes. Olhei para frente, para a mesma direção na qual ela veio naquele dia. Era como se fosse fevereiro outra vez. Fechei os olhos por um único instante, revivendo as minhas memórias. Quando os abri novamente, por um segundo eu podia jurar que a tinha visto ali, sentada bem à frente, um sorriso divertido habitando seu rosto. Mas a ilusão durou pouco. Com a mesma rapidez com que veio, ela desapareceu, uma parte minha sendo levada para sempre também.