Em Busca do País das Maravilhas
Capítulo 9 - Jogo de croquê da Rainha
A luz da lua facilita o trabalho de Martin em recolher as migalhas do cereal que se espalharam pela escrivaninha.
Ele da às últimas mordidas na barra e estica a mão até a cama de Lucas onde residia a lixeira. Ao folhear as páginas amarelas dos livros da biblioteca a carta de baralho que ele usava como marca-página caiu em seu colo.
Ele a pega na ponta dos dedos com toda a cautela possível para evitar marcas de gordura da barra de cereal. Enquanto a coloca em contraste da luz lunar pode perceber a superfície plástica que usou para decodificar a mensagem no manuscrito. No mesmo instante tudo voltou a sua cabeça, ele se lembrava de cada detalhe, desde o início do ano letivo.
Seus dedos buscam pela maçaneta da gaveta, um brilho dourado reluz assim que ele a abre. Martin retira de dentro o gelado objeto cilíndrico que encontrara na torre do sino da igreja. Era muito curioso, havia oito anéis em torno dele, cada continha símbolos diferentes. Ele já havia passando a camada plástica da carta da rainha centenas de vezes naquele lugar, porém nada foi revelado.
- Descobriu alguma coisa? – Lucas acabara de sair do banho. Martin grunhiu em sinal de negação.
- Mas tem alguma coisa curiosa, vem aqui.
Lucas apressou o passo até a mesa. Martin colocou o objeto em foco nos olhos dele.
- Os símbolos desenhados em quatro anéis são os naipes das cartas de baralho, copas, paus, espadas e nos outros quarto é curioso... – Ele força a visão nos outros desenhos – parecem ser uma rosa, um escudo com uma espada, uma coroa prateada e outra coroa dourada.
- Eu já vi isso em algum lugar. – Lucas passou os dedos frios pelo o cilindro – Naquele desenho da Alice não tinhas umas cartas de baralho pintando umas rosas?
Martin bateu com a mão testa boquiaberto.
- Sim, você tem razão. Deve com certeza significar alguma coisa!
Lucas estufou o peito.
- Eu me pergunto se...? – Martin tocou em um dos anéis dourados e o empurrou, o anel girou lentamente em torno do cilindro. – Eu sabia! Isso aqui é um tipo de quebra-cabeça!
- Devo ligar para as meninas?
O olhar de Martin já dizia tudo.
*
- Realmente, parece ser um quebra-cabeça – refletiu Nicole enquanto girava os anéis em torno do cilindro dourado.
- Mas vocês pelo menos tem alguma ideia do que é para ser resolvido? – Sabrina tirava alguns biscoitos da bolsa o os comia um por um delicadamente.
- Sim. Na história os soldados da rainha são cartas de baralho e em uma parte algumas cartas aparecem pintando algumas rosas brancas de vermelho. Estão vendo isso – falou enquanto apontava para o desenho da rosa – com certeza tem alguma relação.
- Espere Martin! – Nicole interrompeu – Você se lembra qual era o naipe das cartas que pintavam as rosas?
- Não Nicole, mas posso descobrir agora. – falou e em seguida correu para vascular a estante.
Após tirar muitos livros do lugar, Martin voltou como o seu famoso volume único de Alice em torno dos braços. Ele abriu espaço na escrivaninha e começou a folhear o livro com Nicole. Por fim pararam em um dos últimos capítulos do livro: “Jogo de croque da Rainha.”. Tinha uma ilustração na primeira página era exatamente das cartas pintando as rosas, eram cartas do naipe de espadas.
- Como eu imaginei! – exclamou Nicole enquanto apanhava com os dedos gelados o quebra-cabeça curioso – Nós temos que responder qual é a função de cada naipe no reino da Rainha de Copas!
Dito isso Nicole começou a girar o anel que continha os desenhos até o naipe de espadas entrar em contato com o desenho da rosa. Quando isso foi concretizado, um pequeno estalo pode ser escutado do objeto.
- Viram?! As cartas de naipe de espadas eram os jardineiros da rainha, por isso a rosa. Agora só precisamos descobrir a função dos outros para completarmos o enigma.
- Vocês dois já estão se esquecendo? – Lucas parecia realmente indignado, Nicole e Martin olharam para ele automaticamente. – A passagem secreta na biblioteca! Ainda temos a chave não temos? Porque não voltamos lá? Com certeza há mais coisas escondidas.
- Sim, mas... – Martin olhava pra baixo.
Sabrina revirou a bolsa e ingeriu mais um biscoito.
- “Mas...”?
- Não se preocupe com isso Martin – Nicole sorriu – eu vou pesquisar. Cuido disso para você.
***
O sol da manhã atinge o rosto de Martin pela pequena fresta da janela. A claridade faz sua visão ficar turva. Ele vira para o lado oposto e cobre sua face com o seu velho e surrado cobertor do Pato Donald.
Ele sente seus dedos do pé gelados quando eles se tocam. Sua mão apanha o celular embaixo do travesseiro. 7 da manhã. Ele dá um sorriso incrivelmente feliz quando se lembra de que hoje ele não teria aulas no período matutino.
Quando seus olhos se abrem novamente, ele se levanta e se espreguiça. Toma um banho rápido e veste uma camiseta velha com um casaco e um cachecol.
Ele desce as escadas do dormitório com o cabelo ainda molhado. A cada degrau seu passo ecoava, estava tudo muito silencioso e calmo naquela manhã.
Enquanto atravessava o campus, passando entre os pequenos arbustos deu tempo de perceber os primeiros sinais da ida do verão.
Ele andava calmo e distraído pelas ruas de pedra, pela primeira vez ele sentia vontade de conhecer melhor as redondezas do lugar. Por fim chegou a uma cafeteria, o aroma tentador de bolos e pães saíam pelas longas chaminés e havia uma singela xícara entalhada na placa de madeira do local.
Ao empurrar a porta um sino que residia pendurado por cima dela soou. Uma das mulheres que estava no balcão fazendo anotações o recebeu com um olhar pelo canto dos olhos. Martin procurou por um lugar perto da janela e se acomodou. Ele tirou o quebra-cabeça do bolso e começou a girar o seus anéis. Em seguida começou a passar as folhas do cardápio com força no intuito do que a garçonete notasse sua presença e viesse até ele.
Como de esperado, a mulher do balcão foi até os fundos e em seguida voltou outra mais velha, aparentando 50 anos ou mais, de avental com o cabelo amarado e coberto por uma touca.
- Deseja algo senhor?
- Um chá de maça... – seus olhos entraram em contato com os bolos que estavam no balcão – e um muffin de baunilha, por favor.
A senhora anotou o pedido no mesmo rito da fala de Martin num caderno e voltou para os fundos do restabelecimento.
Não havia mais ninguém naquela lanchonete além de Martin e um estranho rapaz sentado a algumas mesas a frente dele. Mesmo de costas Martin sentiu que ele era familiar. As vestimentas desleixadas e o cabelo definido.
- Aqui está senhor. Precisa de mais alguma coisa?
Martin recebeu o prato das mãos da garçonete, mas a sua atenção ainda se concentrava na silhueta intrigante.
- Senhor?
- Ah sim, desculpe-me. Não obrigado.
Martin começou a beliscar o muffin e dar pequenos goles no chá, até que por fim se levantou num pulo e foi até a direção do homem. E quando tocou o seu ombro ele se virou, as lembranças do primeiro dia em Oxford vieram à tona na cabeça de Martin.
Era Hector, o instrutor que o levou até a universidade acompanhado de Gardnet.
- Instrutor?
- Ah! Olá senhor Roque. – ele realmente não parecia muito surpreso ou apenas não se importava.
- Não ando vendo você muito em Oxford. Você trabalha em outras universidades?
- Não. Eu apenas estou me concentrando em outras atividades. Eu estarei de volta a Oxford em novembro, pois estou trabalhando no baile de fim de ano. – ele mantinha uma expressão nervosa e preocupada.
- Puxa, que legal.
- Já tem um par?
- Bem... Eu não sei.
- Não sabe se vai ou não sabe com quem ir?
Foi quando os olhos de Martin vasculharam a mesa e encontraram um livro de Alice no País das Maravilhas.
- O senhor também cultua a literatura de Alice?
- O quê?! Isso? Não, é só um hobbie. – ele disse enquanto rapidamente guardava o livro no fundo da pasta. – Porque quer saber isso?
- Nada.
- Não, tem algum motivo. – Hector se levantara e estava olhando no fundo dos olhos de Martin. Em seguida sua expressão ficou trêmula e abalada como se ele tivesse visto algo muito assustador e de fato havia visto algo, o quebra-cabeça na mão de Martin.
- Nada. Eu preciso ir embora agora. Estou atrasado.
- Mas Hector, nem tocou no seu café da manhã – Martin bloqueava a sua passagem.
- Senhor Roque, com licença.
- D-Desculpe. – ele saiu da frente e Hector simplesmente correu para rua.
Martin voltou e se sentou e comeu o muffin, mas deixou o chá pela metade. Repetiu a mesma façanha com as folhas do cardápio e pagou a garçonete com trocados.
Ele empurrou a porta de madeira (que emitiu o mesmo som do sininho) e olhou para o céu com uma mistura de roxo com azul.
Os cheiros dos bolos que saíam das chaminés não eram mais tão apetitosos.
***
“Eu descobri.” Foram as palavras que ele encontrou quando abriu a caixa de mensagens do celular, seguido por um “Vamos todos nos encontrar na biblioteca às 18 horas. PS: Leve o quebra-cabeça (dããã)”.
Os corredores vitoriano-góticos do caminho até a biblioteca já começaram a ficar monótonos, ele provavelmente deve ter cumprimentado um ou dois professores no caminho.
Quando atravessou o grande portal foi recebido pela presença de Lacie que agitava o braço do final de um dos corredores. Martin retribuiu o gesto e seguiu na direção da mesa que ele e seus amigos geralmente se encontravam.
- O que descobriu?
- Você trouxe o quebra-cabeça? – Nicole segurava uma pasta transparente com alguns poucos papéis dentro.
Martin enfiou a mão no fundo bolso da calça jeans e tateou até encontrar o objeto metálico. Ele o estendeu a frente da amiga que o apanhou com força.
- De acordo com a pesquisa que eu fiz, eu posso estar certa – ela disse olhando para todos – mas não garanto nada. – ela esticou a mão para todos verem o acontecimento – Isso é uma das várias outras críticas que Carroll fez ao governo inglês na época. Ele usou o jogo de cartas de baralho para mostrar a importância de cada integrante na corte. – Ela fechou os olhos e respirou fundo. - As cartas de naipe de espadas eram os jardineiros, por isso o desenho da rosa – ela disse enquanto girava os anéis do quebra-cabeça que correspondiam às informações. – As do naipe de paus são os soldados, por isso o escudo com a espada – mais dois anéis girados – as de ouro, cortesãos que embora fizessem parte real na corte não tinham grande influência, por esse motivo o símbolo da coroa prateada – os estalos de mais anéis se ouviram – e por fim, as cartas de copas que representavam os 10 infantes reais, ou seja, a coroa de ouro.
Quando o último anel girou o cilindro voou das mãos de Nicole e começou a girar e quicar repulsivamente na mesa. Aquela cena causou um gesto engraçado de todos, fazendo-os se afastarem da mesa, crendo que o objeto iria explodir a qualquer momento.
Todos cobriram o rosto com as mãos. O quebra-cabeça estourou em incontáveis pedacinhos por todos os lados que voltavam ao chão quando os cacos se batiam nas estantes.
Martin tirou os braços da face, Lucas estava apontando para a mesa. Agora havia um delicado pergaminho enrolado no local.
- O que vocês acham que é? – ele continuava apontando.
- Eu que não vou ficar raciocinando. – Nicole já estava de volta na mesa abrindo o papel.
Todos se aproximaram. Era uma partitura velha com letras apagadas e estava rasgada ao meio.
- É a partitura de piano. – Sabrina afirmou e todos olharam para ela, afinal ela não transmitia a aparência de ser uma pessoa muito culta.
- Como foi que descobriu isso?! Jogou aquelas suas pedrinhas coloridas de novo?! – Lucas fez uma brincadeira, mas Sabrina através do olhar deixou bem claro de que não gostou.
- Meus pais sempre trabalharam muito com instrumentos. Embora que eu nunca tenha sido muito interessada por eles, aprendi muito nova a tocar piano.
- Então temos que tocar um piano? – Martin perguntou já sabendo a resposta.
- Sim, mas não é um piano qualquer. – Nicole disse aquilo com tanta afirmação no tom que todos olharam para ela.
- Nicole... Você sabe que piano é esse?
- A passagem secreta na sala de obras raras, lá é um lugar muito estranho, com um altar e várias coisas em potes de vidros. Tinham caixotes e coisas por debaixo de panos, eu acho que vi um piano lá.
- Eu sabia que teríamos que voltar lá alguma hora – Martin parecia determinado.
- Todos nós sabíamos, afinal ainda não descobrimos para que fim tem aquele lugar curioso. – Nicole fez careta.
- Mas, sem a outra parte da partitura a Sabrina não pode tocar o piano. – Lucas se virou para Sabrina – Não é, Salem?
- É verdade. Mas devemos olhar lá primeiro, talvez tenha alguma coisa por lá. A Nicole me disse que isso já aconteceu com vocês antes.
- Ok. Lucas, você ainda está com a cópia da chave? – Lucas assentiu a Martin – Certo. Amanhã à noite. Todos?
- Por Alice.
Todos já se dirigiam de volta a suas salas, pois o sinal estava para bater. Foi quando Martin percebeu a ausência de Nicole ao seu lado, ela andava lentamente, de aparência preocupada, olhando para os lados.
- Nicole... Tudo bem?
- Martin, você acha que a música da partitura...?
- É a da “tartaruga falsa”? – ele interrompeu completando-a – Com certeza.
“Tartaruga Falsa” é uma canção tema que um dos personagens do livro canta.
- É, parece que os enigmas surgem na ordem dos capítulos da história original. Você percebeu isso?
- Sim, há muito tempo estou a perceber isso. Estamos vivendo a própria história numa releitura alternativa.
- Você acha também que o final disso vai ser igual ao do livro?
- O que quer dizer com isso?
- E se no final, tudo não passar de um mero “sonho”?
Martin respirou fundo e observou os raios de sol que transpassavam as janelas mais altas da biblioteca, ele se virou e continuou andando porque o sinal tocara.
Não tinha necessidade de responder aquilo, eles logo iriam descobrir.
Pois estavam nos últimos capítulos do livro.
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