— Seu bilhete senhor – anunciou a voz “eletrônica” da mulher da bancada.
Martin acabara de completar seu check-in.
— A avião decolará em alguns minutos.
— Obrigado – ele responde segurando com o maior encantamento a passagem do próximo voo para a Inglaterra.
— Tenha uma ótima viagem!
Ele se dirige rapidamente aos portões da sala de embarque internacional. Ele mal consegue esconder a emoção, em alguns minutos ele estaria realizando o seu maior sonho. Ele iria ver de perto os museus, manuscritos e ir a lugares históricos relacionados ao autor Lewis Carroll que escreveu a obra “Alice no País das Maravilhas”.
Aquela história e seu autor são sua maior paixão, ele sempre foi fascinado por tudo relacionado à obra. E agora ele teria as honras de começar sua carreira de historiador literário na própria faculdade em que Carroll estudou e lecionou: Oxford. Tudo graças à milagrosa bolsa adquirida.
Seus cabelos loiros param de balançar ao vento enquanto ele passa pelo detector de metais. Tudo certo, Martin poderá embarcar.
Uma última vistoria de seus documentos e passaporte e o guarda confirma a sua entrada na aeronave.
“Realmente, aqui está sobre-lotado de gringos ambulantes.” Pensou olhando para os lados enquanto se acomodava no lugar. “Alguma hora terei de começar a treinar meu inglês com alguém”
O sono embalava-o suavemente sincronizado com o balanço do avião. Martin teve um sonho estranho, sonhou com vários tons de cores vermelhas, que iam devagar a sua direção até que por fim ele terminava segurando a carta da Rainha de Copas na mão direita.
— Senhor? – pergunta a voz eletrônica novamente – O comandante já avisou sobre o desembarque.
— O-oh me desculpe. – disse despregando os olhos – tive um sonho tão estranho.

*

Martin acabara de passar pelo último degrau que o ligava ao avião, ele simplesmente respira fundo e olha ao seu redor.
Parecia um mundo novo, as cores, as pessoas, até mesmo o cheiro o inspirava. Tudo agora parecia lhe fazer referência à história, cultura e tempo. Era simplesmente encantador.
“Então.” Refletiu “Finalmente, a cidade de Oxford.”
O desembarque das malas havia sido rápido. Agora ele estava perdido, seus ouvidos não escutavam apenas o inglês, mas línguas de vários lugares do mundo.
Viu um grupo de pessoas saindo, por sorte percebeu pelos seus casacos que eram de Oxford. Antes de qualquer coisa colocou-se atrás delas. Como iria perguntar? Como iria reagir? Em plenos os seus 19 anos seria a primeira vez em que falava em inglês com alguém.
Ele encosta no ombro de um dos jovens de casaco e tenta falar.
— Hm... y-you ca-can please, hm... – ele havia travado. Todos do grupo haviam parado e estavam olhando fixamente para ele.
A feição do mesmo em que ele havia tocado mudou completamente após ouvir isso, ele soltou uma longa gargalhada.
“Meu inglês é tão ruim assim?” raciocinou deixando escapar a vermelhidão no rosto.
— Desculpe – disse o rapaz quase sem fôlego. – Não resisti, pode falar somos brasileiros também.
— A-ah, eu sou Martin. Eu também estou em Oxford, estou procurando ajuda.
— Vêm com a gente, nossos instrutores estão lá fora. Meu nome é Lucas.
— Eu não esperava encontrar brasileiros aqui. – disse ele já puxando as malas atrás do grupo.
— Haha. – Lucas ri – brasileiros estão em todo lugar menos no Brasil.
Eles seguiram pelos corredores enormes do aeroporto, até que por fim no térreo encontram dois homens, ambos bem vestidos, um bem velho de idade e outro mais novo. Segurando a placa da Universidade de Oxford.
— Ali estão eles! – exclamou o instrutor mais novo. – Venham! Venham!
Correram até eles como se fossem água no deserto. Logo se formou uma aglomeração de estudantes em volta de ambos. Todos afobados e empolgados.
— Calma! Calma, crianças! – brincou o mesmo sorrindo da situação – Sou o coordenador de classe Hector, vocês podem falar comigo e tirar dúvidas enquanto não estiverem acostumados com o inglês.
Todos agora se viram para o outro instrutor o mais velho, com uma aparência de ser um homem rígido.
— Esse é o senhor Gardnet, um dos principais historiadores da literatura britânica e um dos governantes da Universidade. – explica Hector.
Todos agora se tornam as pessoas mais educadas do mundo, formaram fila para cumprimentá-lo todos de boca aberta se impressionando em estar perto de uma pessoa tão importante.
— Olá, é um grande prazer conhecer o senhor. – Martin o cumprimenta em inglês estendendo a mão ainda um pouco envergonhado.
Quando ele percebe, Gardnet não havia estendido a mão para ele. Estava parado olhando-o profundamente, analisando-o dos pés a cabeça.
— Desculpe, mas, há algo de errado senhor? –Questionou de uma forma que não parecesse rude, pois estava achando a atitude indelicada.
Mas o homem continua sem dizer nada, apenas o olha novamente e solta um sorriso enigmático e entra na van, seguido pelos alunos. O garoto continua parado tentando raciocinar o que aconteceu.
— Ei! Você aí! – chama Lucas – Vamos!
— Estou indo.
— Antes de irmos direto para universidade, nada mais justo do que dar um gostinho a vocês da cidade, não é? – falou o instrutor Hector enquanto assumia o volante.
Todos concordaram e estavam animados. Martin principalmente, mas tentou ao máximo não extravasar isso.
Por onde passavam, o instrutor falava o que era e um pouco da sua história. Passaram por debaixo da Ponte dos Suspiros (Brige of Sighs), pelo Teartro Sheldonian (Sheldonian Theatre), Museu de História Natural e História Científica e O Lago de Meadow (Port Meadow).
— Agora vem a nossa última parada antes da Universidade. – Fala – A Catedral Cristã de Oxford.
Ao ouvir estas palavras, Martin não consegue esconder a empolgação e corre até a janela para não perder nada. Logo o lugar aparece, é lindo e ele está maravilhado como uma criança com os olhos num brinquedo da vitrine.
Christ Chuch era a igreja que Lewis Carroll frequentava durante sua vida e ainda por cima serviu de inspiração para várias referencias no livro de Alice.
Mas logo sua atenção foi outra, seus olhos voltaram-se para uma garota (aparentemente da sua mesma idade), de cabelos ruivos, segurando uma pilha de livros na mão, também analisando com o mesmo encanto que ele a entrada do local.
— Ai está criançada. – brincou Hector novamente – Lá está a Universidade de Oxford.
Todos na van correram até sua janela mais próxima para ter a primeira visão do que os guardava daqui em diante. Agora só se ouvia suspiros e sussurros de admiração.
A van parou, os alunos desceram. Vieram homens e pegaram suas malas para levas aos quartos de cada um nos dormitórios.
— Bom pessoal, é agora que eu me despeço. Foi bom ter esse primeiro “toque”, os passarei para Garndet, ele levara vocês à outros instrutores que irão lhes mostrar a universidade. – explicou pela última vez.
Eles dão um adeus coletivo a ele e seguem ao rumo do campus. As pessoas que encontram se apresentam como Senhora Louis, Mary e o Senhor Taylor. Todos são professores importantíssimos do local, eles explicam aos novatos que iram se separar em grupos a partir dali, um para conhecer o campus e outro grupo para o interior, as salas de aula, refeitórios e a biblioteca.
Martin saiu com a sorte grande, ele estava louco para ver as bibliotecas, certamente repletas das obras de Carroll, seus livros matemáticos, teorias literárias e suas famosas críticas filosóficas e religiosas.
O senhor Gardnet foi o guia deles pelos corredores salas, laboratórios, alas de pesquisa e administração e refeitórios. Até que por fim chegou o mais esperado.
— Esta é a biblioteca oficial da universidade, é uma das mais consagradas do mundo, não só por guardar obras e objetos raríssimos da literatura europeia mais como de todo o mundo. – explicou em inglês.
Logo os deixaram livres para andar nos corredores gigantescos e infinitos do local. Era tudo inspirador para Martin, a idade daqueles milhões de exemplares, guardando segredos indecifráveis, havia conhecimento em cada canto daquele lugar (mesmo pelo cheiro exalante de mofo e poeira).
Pilhas e pilhas desordenadas de livros pareciam chama-lo, em completo transe o garoto anda lentamente se transferindo para a parte escura do lugar. Ele topa numa grande porta de mogno onde residia um grande cadeado com fechadura. Seus olhos se viram para o topo do portal.
“Obras Raras” o mesmo lê a frase escrita em letras gravadas em uma placa de metal.
— Eu posso lhe ajudar? – diz uma doce voz por trás dele.
Martin não conseguiu disfarçar o pequeno susto. Virou-se meio sem jeito. Era uma moça de aparência jovem, cabelos loiros claros com algumas mechas mais escuras (assim como os dele), bem vestida, sorrindo.
— Sim, eu estou procurando pelos livros de Lewis Carroll – afirmou tentando ao máximo não deixar transparecer o sotaque.
— Eu sou Lacie DilliLamed, sou a bibliotecária daqui. – acrescentou em britânico - Esta é a sessão de obras raras, o manuscrito de “Alice no País das Maravilhas” está guardado ai dentro.
— Verdade!? – Martin já começara a dar pulos de emoção. - Eu queria muito vê-lo, você pode me mostrar?
— Desculpe, eu tenho as chaves, mas não tenho permissão para abrir o local. – lamentou –Você gosta de Lewis Carroll?
Eles ficaram um tempo conversando. Martin explicou que a história de Alice é praticamente o motivo de ele estar lá e também quer ser um estudioso da literatura. Eles foram interrompidos pelo o senhor Gardnet que chamou Lacie. Ambos ficaram sussurrando por um tempo até que anunciaram que chegara a hora de irmos aos novos dormitórios.

*

Martin vagava pelos corredores a procura do número do quarto. Quando encontrou a porta, estava entre aberta.
“Acho que tenho um colega de quarto.” Pensou.
O garoto entra e se depara com Lucas arrumando suas coisas.
— Graças a Deus! – diz ele aliviado – Ainda bem que saí com alguém que fala minha língua.
— Eu tive praticamente a mesma reação. – Lucas deixa escapar uma risada.
Martin vai na direção da sua cama, ao lado dela estão suas malas. Ele vai abrindo as menores e vai organizando as coisas por cima da cama. Até que por fim quando ele abre a primeira, um pequeno envelope cai de dentro dela e sai voando até parar perto da estante.
— O quê é isso? – diz se dirigindo e para pegar o objeto – Isso não estava lá antes, você mexeu na minha mala?
— Hm, não. Os empregados que trazem nossas malas para o quarto talvez alguns deles que colocou isso aí.
No envelope havia escrito em letras de forma:
“Abra-me.”
Martin abriu o envelope sem o menor cuidado. E logo analisa o pedaço de papel.
— É uma carta de baralho!
— Porque alguém colocaria uma carta na sua mala?
— Não sei. Mas é a carta da Rainha de Copas.