Pela primeira vez conversamos civilizadamente, bem, não foi realmente uma conversa longa, e sim apenas uma proposta de trégua, mas foi o suficiente para duas pessoas que vivem brigando o tempo inteiro.

Depois que saí do trailer, fui direto para a Prefeitura. Tinha que organizar a agenda da próxima semana, e atualizar as planilhas de gastos do meu pai.

O dia foi bem corrido, e quando vi, meu expediente tinha acabado. Estava passando pela praça, indo pra casa quando encontrei Carlla sentada em um dos bancos. Ela falava distraidamente no celular, e quando me viu, deu lugar no banco para que me sentasse ao seu lado. Não faço a mínima ideia de quem falava ao telefone com ela, e tive que esperar uns dez minutos até que ela terminasse a ligação.

– Com pressa muchacha? Ele não está no trailer. - Ela disse.

– Quem não está no trailer? Eu estou indo pra casa. - A principio eu não havia entendido o que ela quis dizer, e somente depois de me olhar com as sobrancelhas arqueadas foi que me toquei. Como sou burra em não perceber as piadinhas da Carlla!

– Já to sacando qual a de vocês, não precisam esconder as coisas de mim, viu.

– Carlla eu não sei do que você está falando. Eu não estou escondendo absolutamente nada, só fiquei preocupada, nada mais que isso.

– Tudo bem, não está aqui quem falou, mas depois não venha reclamar nos meus ouvidos.

– Foi realmente pra isso que me chamou aqui?

– Na verdade não. Eu estou indo pra Califórnia por uns dias. Meu pai teve uma piora e eu vou pra ficar com a minha mãe. Já contratamos uma pessoa pra ficar com ele enquanto eu estiver fora. Só vim mesmo lhe avisar, na verdade estava indo em direção a Prefeitura, mas então a Lucca me ligou. - Explicou ela calmamente, mas sem notar o entusiasmo na própria voz.

– Lucca? - Perguntei com um jeito bem irônico, porém ela deu de ombros, e eu continuei no assunto que realmente importava. - Mas o estado dele é grave? - Ela negou dizendo que deveria ser uma piora comum nesses casos, mas preferia ficar ao lado da família nessas horas.

Nos despedimos ali, e mesmo preocupada com o pai, Carlla ainda soltou uma de suas piadinhas. Disse que não arrumasse nenhuma outra companhia feminina enquanto estivesse fora, senão eu iria arrumar um problema sério, e pelo visto ela realmente não estava brincando.

Como não tinha mais ninguém com quem rir, ou conversar, fui para casa. Procurei por Johnny em todos os lugares possíveis, mas não o encontrei, por fim fui para o meu quarto e lá estava ele, por que não havia pensado nisso antes?

– Acho que meu quarto virou seu esconderijo.

– Na verdade está mais para biblioteca. - Ele disse, fazendo uma careta.

Ele me mostrou um livro que havia pegado em meio aos meus e estava lendo.

– Hay quando é que os demônios vão aparecer nesse livro? - Ele perguntou curioso. Mostrou-me a capa, e não tive outra opção a não ser rir. - Do que está rindo, posso saber?

– Não é porque o título do livro é "Anjos e Demônios", que eles vão de fato aparecer.

– Suspeitei desde o princípio! Mas por mais que não tenha demônios e matança e sangue, até que é legalzinho. - Ele disse, fazendo uma careta.

– E Alanis? Não vai estar com ela em plena sexta-feira?

– Ah não, a irmã dela acabou de chegar na cidade, e como não se viam há tempos, devem estar matando a saudade.

– Então hoje você é todo meu, irmãozinho! Estava mesmo precisando passar um tempo com meu irmão preferido.

– Não me enrola, eu sou seu único irmão.

– Homem sim, mas infelizmente temos uma mala sem alça de brinde. - Provavelmente ele achou muita graça no que eu disse, porque começou a rir sem parar. Johnny levantou-se da cama e disse que não demoraria a voltar, e realmente não demorou. Ele voltou com uma bandeja cheia de suco e biscoitos, e alguns DVD's. Enquanto ele colocava o primeiro filme, eu ajeitava a cama de modo que coubesse nós dois. Deixei o livro que ele estava lendo em cima da criado mudo, e sentei-me com um travesseiro em cima das pernas. Abusado, Johnny deitou-se no mesmo travesseiro, e ainda pediu que eu fizesse carinho em seus cabelos.

– Por favor, Hay.

– Eu queria saber o porque cada um me chama por um apelido diferente.

– Por que seu nome é feio demais. - Ele gargalhou, mas parou ao levar um tapa no braço.

– Estou falando sério. Você me chama de Hay, a Carlla de muchacha e o Mike de NI.

– Eu acho engraçado ele te chamando de NI. O Mike é muito maneiro, e se não fosse pela Alanis eu pediria uns conselhos pra ele. O cara manda muito bem com a mulherada. - Ele disse distraidamente, e ainda bem que estava de costas pra mim, assim não precisaria ver a minha cara de idiota.

– E como você sabe disso? - Perguntei, tentando não parecer interessada.

– Bem, eu já vi. No ano passado houve um festival em todas as cidades do Kansas, e havia uma equipe inteira de mulheres, e advinha só quem foi o mais sortudo? Pois é, ele mesmo. Eu não faço ideia de como ele conseguiu, mas ele ficou com todas elas.

– Já conheço a fama de mulherengo. Foi a primeira coisa que a Carlla me disse: "O Mike é legal, mas não é um cara namorável." - Eu disse, imitando a voz doce que ela tem.

– Concordo totalmente. A garota que conseguir fisgá-lo só tem duas alternativas: ou ela vai ser dada como heroína por fazer ele tomar jeito, ou vai levar muitos chifres.

Se eu estava pensando em contar ao Johnny sobre o que havia acontecido desde o Kansas City, agora eu estava decidida a não contar.

Na metade do segundo filme, o celular de Johnny tocou. Era Alanis.

– Ela está nos convidando pra ir no Taylor's conhecer a irmã dela. - Ele disse, abafando o auto falante do aparelho com uma das mãos. Eu dei de ombros, e então ele confirmou com ela que iríamos.

Johnny praticamente saiu correndo em direção ao quarto dele para tomar um banho e se arrumar, e enquanto ele fazia isso, eu arrumava a bagunça que tinha ficado na minha cama. Tomei um banho rápido depois disso, coloquei um vestido florido simples e esperei meu irmão aparecer novamente. Assim que ele veio, nós descemos as escadas e fomos em direção em direção ao Taylor's.

Chegamos e elas já estavam a nossa espera. Johnny deu um abraço tão forte, que tirou Alanis do chão.

– Estava com saudades! - Ele disse, dando-lhe um beijo casto nos lábios. Ela sorriu e respondeu a mesma coisa.

– Bom, essa é minha irmã Isa. - Alanis disse. Estendemos a mão em cumprimento e sua irmã retribuiu. - E esses são Johnny, meu namorado, e Haley, a irmã dele.

– Prazer em conhece-los. Alanis fala muito de você, Johnny. - Ele abriu o maior sorriso que conseguiu.

Fomos para uma das mesas que estava desocupada e começamos a conversar. Bom, na verdade somente Isa e eu conversamos. Alanis e Johnny estavam mais interessados em matar as saudades.

Por uma incrível coincidência, descobri que seria ela a cuidar do avô da Carlla, e apesar de ser por pouco tempo, Isa tinha a intenção de morar em Ellsworth.

Nossa conversa fluía muito bem, até que, para minha surpresa, Isa desviou toda a atenção para a porta de entrada.

– Nossa, se esse lugar tiver uns caras gatos que nem esses, eu não saio daqui nunca mais! Olha só o de camisa xadrez vermelha. - Olhei mais na curiosidade de saber quem era, e quando vi, algo dentro de mim se manifestou. Eu não sabia quem era o outro cara, mas o de camisa xadrez vermelha era o Mike. Ela havia se encantado pelo Mike!