Eleven

1. I can remember...


- Como você conseguiu?

A pergunta veio cheia de uma dor de cabeça que você não estava esperando às três da manhã, na porta do seu apartamento no meio da cidade de New York. Só que, estranhamente, a pessoa que te dirigia a pergunta não estava com a mão em seu pescoço, como de costume, nem gritando ou te distribuindo socos em todos os ossos da cara.

Pelo contrário.

Jesse Lacey, aquele ser humano atarracado de cachos claros e olhos de um azul indistinguível, estava quase pensativo quando te perguntou isso. E você, que tinha sido acordado de uma maneira nada agradável – Jesse nunca foi uma pessoa com um bom senso admirável –, estava tentando processar o que o outro te perguntava.

- Eu juro que dessa vez não fui eu. – foi tudo que você conseguiu dizer, e era verdade. Dessa vez você não havia se metido na vida de ninguém. Aliás, fazia meses que você nem entrava em contato com o mundinho VIP que era a vida de Jesse, John e os meninos do Manchester Orchestra... E Kevin.

Sua vida estava tão boa, tão calma... Tudo estava indo tão bem, não precisava se deliciar com o prazer de tirar Jesse do sério. Então o que diabos ele estava fazendo ali?

- Óbvio que não fez, Adam. Eu conseguiria reverter se você tivesse feito algo. – ele respondeu, olhando o nada.

Ah, a delicadeza!

Mas, ainda assim, mantinha um ar melancólico nada próprio dele.

- Então está falando do que, Jesse? Porque eu estava dormindo, sabe? É meio essencial pra quem, de fato, faz alguma coisa da vida. – você soltou, seguido de um bocejo. Fazia alguns anos que não conversava tanto com Jesse sem que saíssem se xingando, usando palavras fortes e de baixo calão. Aliás, ainda não havia entendido porquê ele estava parado na sua porta, de madrugada, vestindo apenas uma camiseta, um moletom e jeans, sendo que estava frio o bastante pra que ele estivesse com pelo menos mais uma jaqueta grossa. Sendo, também, que vocês se odiavam e, por fim, sendo que você não havia feito absolutamente nada que o trouxesse até ali.

- Não é como se minha vida fosse super parada, Adam. – e, sem pedir licença, ele adentrou o apartamento, indo se sentar no sofá macio. Você não sabia se arrastava a coisinha pequena pra fora, ou se fechava a porta e ia ver o que ele tinha.

Não estava com cheiro de bebida, nem parecia drogado, então, provavelmente, ele estava passando por alguma coisa relacionada à...

Você fechou a porta e foi se sentar ao lado dele, que fitava a janela como se algo interessante estivesse ali. Não que, de fato, algo relacionado a ele te interessasse, mas é que o cúmulo de toda a situação te intrigava, te fazia precisar saber o quê de tão grave aconteceu. Lá no fundo da sua mente, você imaginava que havia cerveja e uma briga no meio, mas isso era uma constante na vida amorosa daqueles dois, então podia ser algo mais grave.

Bem mais grave.

- Não foi o que eu quis dizer. Mas enfim... – você bocejou novamente - ... O que aconteceu agora? Decidiu que minha importância no mundo é quase zero e veio me matar? Porque eu vou te dizer uma coisa, pra algumas pessoas, a minha existência é essencial. Então se você quiser me fazer o favor de não tentar me agredir dentro da minha própria casa, eu ficarei de fato agradecido e... – ele te olhava com o começo de um sorriso nos lábios, tão intensamente que algo te dizia que ele havia enlouquecido e estava ali pra te jogar do décimo oitavo andar.

Ops.

- Você continua igual. – ele disse simplesmente, levantando-se e caminhando até a janela, com você no encalço. Afinal, se ele pensava que ia se jogar da sua janela pra que você levasse a culpa pelo homicídio-barra-suicídio, estava muito, muito enganado.

Se você fosse matá-lo um dia, ia querer sangue, muito, muito sangue. E tortura.

Não seria simples assim, oras.

- Você está estranho. Não que você já tenha sido um exemplo de normalidade... Okay, talvez aos sete, oito anos. Mas depois que você cresceu - em idade -, não. Mas o nível de esquisitisse hoje está ultrapassando os limites da minha paciência. O que diabos acoteceu? – você gesticulou, tendo uma vontade absurda de segurar aqueles ombros caídos e o sacudir pra ver se ele acordava. Mas ele somente suspirou, ergueu os olhos azuis e te encarou por algum tempo, antes de voltar a olhar para fora da janela.

- Como você conseguiu conviver com o término com o John? Digo, como você sobreviveu a ele? – a voz do mais baixo saiu deveras fraca, um tanto como se ele tivesse corrido quinze milhas e não tivesse conseguido se recuperar, ainda. Você suspirou, bocejando e voltou ao sofá.

Por que sempre John?

Fazia anos, realmente anos, que você conhecia os dois, e que sabia – mesmo quando era você quem namorava o tão disputado rapaz – que os dois acabariam juntos. Era ridículo pensar em semelhanças e coisas que eles gostavam, seria patético e negligente dizer que eles não pertenciam um ao outro. Mas, não! John sempre achava um meio de complicar a vida de todo mundo, inclusive a dele, sem necessidade. E você sabia o quanto ele amava Jesse. Afinal ele te deixou para ficar com ele, e, poxa vida, tinha que amar muito pra fazer uma troca dessas.

- O tempo se encarrega de arrumar as coisas que o John quebra. Mas eu duvido que vocês tenham terminado pra valer. – soltou com um leve sorriso, se perguntando se era isso que ele queria ouvir.

- Já faz três semanas, e ele me colocou pra fora de casa. – ele disse, virando-se devagar para te olhar. – E eu nem fiz nada.

E Jesse, de repente, pareceu tão indefeso e desesperado que, se você não soubesse que era aquele idiota que estava na sua frente, o abraçaria. Mas sabia. Então achou que era melhor continuar mantendo a distância segura. E, por Deus, a coisa parecia séria.

O John que você conhecia ignoraria qualquer tipo de falha que Jesse pudesse ter, e acabaria engolindo sapos, e ficaria quieto nas horas mais complicadas, tudo para não o perder, e... E agora ele havia colocado Jesse para fora de casa.

Eles haviam realmente terminado.

E isso te colocava na situação mais desesperadora do mundo, afinal, tudo que você sabia, tudo que você conhecia, a sua vida, as pessoas da sua vida, seus hábitos, os lugares que freqüentava, as ruas pelas quais passava, tudo, absolutamente tudo foi construído em cima do que existia entre os dois, de como você não podia fazer parte disso, de como eles não permitiam a sua presença nos mesmos lugares que eles, de como interferir nisso causava tragédia na vida de quase todo mundo que você conhecia. Saber que eles terminaram desmoronava o frágil castelo de cartas que eram as suas concepções.

Jesse se jogou ao seu lado no sofá, te fazendo acordar dos seus devaneios, e, pela primeira vez na noite, você não soube o que dizer quando cruzou o olhar com o dele.

- Ele disse que precisava de um tempo, e eu perguntei o que estava acontecendo, porque ele havia acabado de chegar em casa, e bem, ele me disse que eu precisava ir embora e esquecer esses anos todos. Adam, eu não sei como lidar com isso! – ele começou. – É estúpido pensar em que alguns dias sem me atender no telefone, sem me dar notícias, sem responder meus e-mails e mensagens no celular eu vou acordar e esquecer que, durante seis anos, nós estivemos juntos. Seis anos, Adam! Seis anos é uma vida!

- Eu sei. – você respondeu. – Isso não faz o menor sentido, Jesse.

- Eu sei. – ele disse. – Os meninos tentaram falar com ele, mas parece que ele quer apagar tudo que tenha qualquer ligação comigo. Igual ele fez com você.

Ah, sim. John havia feito isso quando vocês terminaram. Ele te privou de todo e qualquer contato com qualquer pessoa que ele achasse que poderia interferir no término. E aí ele construiu isso com Jesse, essa coisa concreta, impenetrável, esse relacionamento que servia de base para qualquer pessoa, um exemplo pra qualquer casal.

Brigavam, claro que brigavam, mas nada que não pudesse ser resolvido em horas de conversas e abraços. E você, no começo de tudo, achava que seria impossível que eles ficassem assim por muito tempo, mas como Jesse havia acabado de dizer... Foram seis anos. De certa forma, saber que Jesse estava passando pelo que você passou te fazia ceder um pouco e perceber que não o odiava por completo. Odiava os hábitos, a arrogância, mas assim, desarmado, sentado no seu sofá, mexendo na droga do enfeite da mesa de centro que você odiava que mexessem... Ele nem era tão repugnante.

Você tomou o enfeite da mão dele, e, com um sorriso delicado, colocou-o de volta no lugar.

- Mas você tem certeza que não fez nada? Digo, eu tinha certeza que você e o Kevin... – você começou, mas ele te interrompeu, erguendo uma das mãos.

- O Kevin é meu amigo, e só. E amigo do John, e o John sabe que não, não poderia ter acontecido nada, nunca. – suspirou. – E se ele achasse que aconteceu, ele teria me dito que achava que aconteceu.

Você ficou quieto, observando enquanto ele olhava o celular, aparentemente em busca de qualquer vestígio de arrependimento de John. Mas três semanas? Se há três semanas John não se importava com o que poderia ter acontecido a Jesse, então ele realmente não o queria mais.

E ele estava ali, sentado no seu sofá, mostrando, como um reflexo do passado, o lixo que você virou quando John te disse que não dava mais. Era você ali, acabado, orgulhoso, lutando contra lágrimas que tentavam vir, recusando-se a chorar na frente da pessoa que você mais odiava.

Era Jesse, refletindo o que você foi.

- E dói. Eu não imaginava que doesse tanto, que a sensação de perdê-lo fosse tão ruim, que me deixasse tão sem chão. – ele disse, te olhando. – Demorou pra passar?

Você mordeu o lábio inferior, pensando.

- Demorou. – você respondeu, sincero.

- E como passou? Quando? – ele perguntou, tentando não demonstrar o desespero estampado nele.

- Quando o Matt surgiu. – você respondeu, sem conseguir evitar olhar a foto de vocês na estante. – Quando eu percebi que eu não precisava do John, porque havia o Matt, e o Matt cuidava de mim. E ele não é nada parecido com o John, porquê talvez aquilo de que só se cura a dor de um amor quando se encontra outro seja verdade. Atualmente, Jesse, eu não consigo imaginar a minha vida sem ele. – você disse, sem querer expressar que, talvez, ele um dia fosse encontrar alguém também.

Ele assentiu, levantando-se do sofá, olhando o relógio, e depois te olhando.

- Preciso que isso passe de outro jeito. Eu nunca vou conseguir amar outra pessoa, Adam. Eu não conseguiria conviver com o fantasma do John. – ele disse, encolhendo ainda mais os ombros.

- O fantasma pode ser exorcizado, se você se esforçar. – foi a última coisa que você disse enquanto ele saía.

E você não saiu do sofá, porque havia perdido o sono.

Ficou esperando até que os raios alaranjados começaram a despontar entre os arranha-céus da cidade de New York, adentrando fracos a sua sala, te fazendo desviar a cabeça dos pensamentos sobre Long Island para entender que aquele seria um dia ensolarado no meio do outono gelado. E você só conseguiu parar de analisar a situação de Jesse, John e você quando chaves giraram na maçaneta da porta, e, sem surpresa, os fios escuros de Matt surgiram.

Aquele sorriso que te deixava seguro nunca pareceu tão propício, e os braços dele ao seu redor nunca foram tão acolhedores. E, por um momento, tudo pareceu de volta no lugar, até que...

- Addie, encontrei o Fred ontem, no mercado. – ele começou, pensativo. – Ele me disse que o Will contou que o Nolan vai casar. Ele não estava com o Lacey?

E então, de repente, tudo que você conseguia se perguntar era se, por acaso, Jesse sabia disso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.