Eles por ela e ela por gatos

Um jogo de imitação


– Está melhor?

Ela perguntou calma, sentando-se ao meu lado.

– Não sei direito te responder. Te encontrar me deixou meio confusa. Sabe.

Eu não sabia o que dizer. Não estava tonta, nem nada. Era só estranho demais entrar em estado de meditação e acordar dentro de você mesma, com uma menina que você nunca viu na vida, te amparando. Sarah parecia saber muito mais do que eu. Seu sorriso e olhar que pairava sobre mim dizia que ela sabia muitas coisas. Eu conhecia aquele olhar. A nostalgia era nítida. Ela me conhecia. Mas algo me dizia para não perguntar da onde.

Não ainda.

– Mais cedo ou mais tarde, você viria até mim. – ela continuou. – Já estou preparada para te dar as respostas. Creio que deva ter sido muito aflitivo esse tempo todo corroída pelas mentiras e verdades contadas por outros. – ela agora, olhava para seu próprio pé. – Sebastian sempre se sentiu assim. E Serafim também.

Ao final, a jovem olhou para mim. Ela sabia o que aquele nome representava para os meus ouvidos.

– Justo ele? Sebastian eu entendo. Viveu daquela forma muito tempo. Acusado de um crime injusto. Mas Serafim? Como pode ter tanta certeza? – as palavras simplesmente sairam, atropeladas e desajeitadas pelo nervosismo.

– Diga-me, Amélia. Por qual crime o gato negro foi sentenciado?

– Traição. É o que todos dizem.

– Se não acredita neles, Amélia, gostaria de saber a verdade?

Nossos olhos se encontraram mais uma vez. Os meus ardiam por respostas. Uma maré de conturbação e ansiedade. Os dela, calmos, como o mar a luz do luar. Cheios de um nada perturbante. Não dava pra sentir o que ela sentia. Era quase que como uma menina que não pudesse sentir. Meu silêncio ficou no ar por tempo indeterminado.

– Mas é claro que eu gostaria de saber a verdade. – respondi após esse tempo. – É por isso que eu estou aqui.

Com um sorriso fraco, Sarah concordou comigo e levantou. Acompanhei a visão esguia. De certo modo, parecíamos versões diferentes da mesma pessoa. Algumas vezes sentia que estava olhando para um espelho. E em outros momentos era como estar com uma estranha que já me conhecia. Estendendo sua mão pálida para mim, ela continuou a conversa.

– Venha. Eu vou lhe contar uma história.

Assim que me levantei, senti uma ventania contra o rosto. Fechei os olhos e me cobri. Sarah não se moveu, apenas tocou minhas costas de leve, com a ponta dos dedos. Olhei para ela, que me encorajava a olhar ao redor, e então, olhei. O cenário mórbido, totalmente escuro era agora uma cidade antiga. Carros iam e vinham na rua de paralelepípedo. E diversas pessoas passavam por nós. Acabei me assustando, mas as pessoas pareciam nem se importar com a minha presença. Era como se não me vissem. O sol queimava no céu, o cheiro de pão e fumaça era vívido. Mas as pessoas não muito.

– Não se preocupe com eles. São apenas memória. Venha por aqui, foi aqui que tudo começou.

– Aqui era para estar a casa da minha avó. – disse confusa, a olhando.

– Daqui a alguns anos, irão construir. Mas você esta certa. Aqui, dentro deste parque conheci Sebastian. – ela começou, abrindo os portões a nossa frente, e me convidando a entrar. – Era um dia de descanso. Não teria aulas de costura naquele dia, então resolvi vir andar um pouco. Eu sempre gostei do sol. Sempre convidativo e quentinho. Não é mesmo? – ela riu. – Ali, perto daquela arvore, eu achei um gato preto, de pelagem lisa e brilhante. Ele estava machucado e parecia perdido. Triste pelo acontecimento, eu o ajudei. Cuidei de seus ferimentos e ia leva- lo para casa, mas quando voltei com a cesta para pegar o animal ferido, ele já tinha tomado seu rumo.

– Sebastian. – balbuciei curiosa, enquanto a cena toda ia se montando a minha frente.

– Sim. Naquele dia eu não sabia qual seria o meu destino e o mundo extraordinário que conheceria. Era apenas uma menina sonhadora, curiosa e que gostava de gatos. Tanto que, no outro dia, voltei na esperança de encontrar aquele gato. Eu não conseguia me esquecer daqueles olhos. Mel marcantes.

– É como olhar para um animal e sentir que ele não é exatamente aquilo que se mostra a você. – comentei baixinho, apontando para os meus olhos. – Foi assim quando conheci Serafim.

Sarah concordou comigo. Senti um aperto no peito por lembrar disso. Era como ela disse. Quando conheci Serafim, mal sabia o que me esperava. Acompanhei Sarah por mais alguns passos. Tudo ficou escuro e de repente me vi em uma clareira. Ao fundo, Sarah e Sebastian estavam sentados, de mãos dadas. Fomos nos aproximando até ficar bem perto. Como estava de frente para Sebastian, puder ver aquele brilho apaixonado nos olhos. Era a mesma forma com que, as vezes, ele olhava para mim. Mas comigo era diferente, era como se ele visse ela, em mim.

– Depois de algum tempo, Sebastian me apresentou ao seu incrível mundo. Ele pedia segredo, e era claro que eu não contaria. Aquele mundo era coisa demais para nossa cabeça. Paradise existia e eu não podia acreditar. Estava apaixonada por um ser de outro mundo.

– Isso dói. – falei baixo.

– Foi difícil conquistar meu espaço entre eles. Phie, Willian, Serafim. Todos eles foram me aceitando aos poucos. Quanto mais eu ia e vinha, mais eles tinham a certeza de que seu segredo estava seguro comigo. Passávamos muito tempo juntos. O tempo do nosso mundo e do mundo deles é extremamente diferente. Poderia passar dias e dias ali, e quando retornasse para casa, seria o final de apenas um dia. – ela riu, movimentando as mãos e apagando a imagem como um quadro de fumaça, levando Sebastian embora e trazendo outra memória. – Aqui, foi um dia muito bonito. Fui pedida em casamento. Serafim estava animado porque receberia uma irmã, ele dizia.

A cena tomou mais do que forma dessa vez. Sarah ficou em silêncio e nos aproximamos dos presentes. Ouvindo.

– Então é isso? Meu irmãozão vai se casar?!

Aquele menininho pequeno, com orelhas pontudas e brancas era Serafim. Sua voz infantil ecoou, enquanto pulava entre Sebastian e Sarah. Os dois o receberam com um forte abraço. Senti uma dor crescer no peito, e as lágrimas escorrerem raivosas pelos meus olhos. O que, de tão ruim, poderia ter acontecido para que aquela cena, ali, na minha frente, se tornasse apenas uma memória?

Vendo minha aflição, ela estendeu sua mão e apertou fortemente a minha. Aquele gesto fez um frio percorrer meu corpo. Algo gélido, aflito passou pela minha corrente sanguínea. Era uma cena tão forte para mim, quanto para ela. Seus olhos brilhavam em conformidade. E em meu peito ardia a curiosidade para finalmente entender tudo isso.

– Não era necessário te mostrar tudo isso. – ela desabafou, abaixando o rosto e estendendo a mão, apagando a cena a frente. – Mas eu queria compartilhar. Achei que contar um pouco da minha história seria aceitável.

– Eu entendo. Com toda essa pressa no últimos dias, e mentiras e tudo mais. Parar um tempo e ficar com alguém que quer me contar a verdade é um privilégio, Sarah. – terminei, apertando a mão dela de volta. – Isso me ajudou a entender muita coisa, e não ter mais medo dos meus sentimentos. – com a voz tremula, parei por um momento, e depois terminei o que precisava falar a muito tempo. – Eu amo Serafim. Eu sinto a falta dele. Aquele idiota pode mentir para mim, me irritar, provocar e cuspir meus defeitos na minha cara. Mas quando ele não está lá, tudo parece tão escuro e frio. Triste. Agora sim, agora eu entendo o porque Sebastian vive com aqueles olhos no passado. Ele sente a sua falta. Ele te procura em todos os lugares. E mesmo sabendo que você não vai voltar, ele espera. Eu me sinto do mesmo jeito.

Desabafar tudo aquilo era ótimo. Parecia que toda a adrenalina de contar a verdade estava me fazendo ter mais e mais força para continuar. A imagem de Serafim me veio a cabeça. Seu sorriso infantil e brincalhão. Naquele momento, sua imagem apareceu ali, naquele breu. Uma nova imagem se formava e dessa vez não era Sarah quem estava produzindo. Era a minha memória. E era assim que aquele gato branco implicante era na minha memória. Sorridente, alegre, vívido. Aquele era o meu Serafim.

– Alguém que sorri assim ao seu lado, é realmente feliz. – Sarah disse fascinada, tocando a imagem feita de fumaça. – Ele é assim agora?

– Sim. Depois de um tempo ele ficou assim. Esse sorriso é o que mais me deu esperanças. Mas o vi poucas vezes. – admiti.

– Quero que Sebastian sorria assim novamente. Ele merece.

– Ele irá. – respondi amorosa.

– Agora, venha. Vamos fazer um jogo.

– Um jogo?

Ao dizer aquilo, Sarah sumiu. Virou fumaça igual as lembranças que ela controlava. Olhei em volta, e nada além do escuro me rodeava. A fumaça contornou meu corpo, e novamente mais um cenário foi apresentado. Eu estava em um corredor, em frente a uma porta. Minhas mãos eram diferentes ao toque. A roupa havia mudado e meus cabelos estavam de outra forma. E então, uma voz ecoou na minha cabeça.

“Sim. Um jogo de imitação. Você irá me representar nessa parte final. A onde tudo o que você vive fará sentido. E sentirá que a causa do meu amor, não é perdida. Ele é inocente.”

Ao dizer aquilo, abri a porta. Senti que seria o correto a se fazer. Era como uma peça. Eu sabia as falas pré decoradas. Até o sorriso e a empolgação estavam presentes. Entrei em um quarto de paredes cor pastel, duas camas no centro e móveis brancos. Uma menina estava sentada em uma das camas. Costurava alguma peça de roupa. Por fora, gritei seu nome, por dentro, travei.

– Célia!

Corri, e a abracei. Recebendo um abraço murcho e sem vontade de volta. Nesse momento, a voz de Sarah voltou a narrar.

“Esta, era a minha irmã gêmea. Célia. Ela nunca gostou muito de mim. Hoje percebo isso, mas na época era muito ingênua para entender que apesar de gêmeas, nunca fomos a mesma pessoa. Amélia, vê os olhos dela? Sente o abraço frio? Eu inventava em minha mente maluca o quentinho que sentimos quando abraçamos alguém. Nunca teve isso. Célia sempre foi diferente daquilo que eu via. Eu apenas imaginava uma irmã perfeita.”

A voz de Sarah parou novamente, e a cena correu. Eu falava, e falava, e Célia apenas continuava a tricotar. Fingindo não estar prestando muita atenção. Respondia aqueles habituais “legal”, “interessante”, que falamos quando não ligamos muito para o que a outra pessoa diz. Estava na cara que ela achava aquilo entediante. Eu podia ver nos olhos dela. Mas minha boca não parava de cuspir palavras alegres.

“Eu sempre fui de falar asneiras. Coisas que minha irmã não queria ouvir. Tentada a chamar sua atenção, abri minha boca. Quebrei meu voto de silêncio e foi ai que o fim começou.”

Pude ouvir as palavras que denunciavam Paradise saindo pela minha boca. E mesmo querendo colocar as mãos na boca e tampar, aquilo não era o passado a ser concertado. Já tinha acontecido e eu estava apenas fazendo parte da lembrança.

“Ela soltou o que tinha em mãos e me olhou. Pela primeira vez, Célia me olhou nos olhos e sorriu. Para mim, era o trunfo. Era minha irmã, uma traição jamais viria dela. Foi o que eu pensei. Olhando a memoria hoje, vejo claramente que o brilho nos olhos dela já diziam o que ia acontecer. Mas o Destino, ah, minha querida, o Destino é um senhor de longas mangas. Ele sempre faz muito bem o seu trabalho. Depois disso, mostrei o esconderijo a Célia. Não a levei até Paradise. Tinha medo o que eles pensariam de mim. E fiz Célia prometer que guardaria segredo. Mal sabia que iria para o túmulo junto com ele.”

Ao terminar, tudo ficou preto novamente e uma nova cena se formou. Era um dia chuvoso. Eu estava de costas. Procurava uma presilha de cabelo que tinha deixado cair no chão. E enquanto olhava embaixo da cama, senti uma dor alucinante nas costas. Meu corpo travou e minha mente entrou em choque. Algo quente escorria pelas minhas costas enquanto meu corpo ia de encontro ao chão. Com a visão veio turva, e tossindo, olhei para cima. Era como olhar um espelho. Meu coração estava quebrado em muitos sentidos. Já não sabia mais o que era meu e o que era dela. Lagrimas caiam dos meus olhos, e um sorriso pairava nos lábios dela.

– Porque?

Foi tudo o que consegui dizer. Ela alargou ainda mais o sorriso antes de falar.

– Seu segredo estará muito bem guardado comigo. Afinal, pessoas como você merecem isso mesmo, morrer. Não servem de nada. O prêmio máximo não pode ser mantido só para você.

Uma risada histérica. Um Adeus. E mais cinco facadas. Senti todas elas. Pontada por pontada, senti a dor, a ardência. Depois que tudo ficou preto, senti a fumaça saindo do meu corpo, e pude abrir os olhos. Estávamos fora de cena, e tudo era breu. Sarah estava ao meu lado, sorrindo. O mesmo sorriso nostálgico de Sebastian. Era de doer. Saber a verdade agora, mudava muitas coisas.

– Isso significa que depois de te matar, foi ela quem se passou por você e matou todo mundo?

– Sim. Esse pedaço da história você já sabe.

– Sebastian não é um traidor. Phie foi morta pela sua irmã. – fechei minhas mãos e as forcei contra os olhos. – Serafim viu a mãe morrer sem poder fazer nada. Ele te culpa até hoje.

– Diga a verdade a ele. A verdade, quando dita, mesmo que ele não acredite no inicio, vai ajuda-lo.

Senti a visão turva após as ultimas palavras de Sarah. Tonta, perdi o controle do corpo, que caiu em cima do dela. Sentia uma enorme fraqueza. Algo me chamava de volta. Me segurando em seus braços, Sarah sentou-se no chão, deixando que eu deitasse. Com a respiração ofegante, era cada vez mais difícil prestar atenção. Algumas palavras sairam pelos lábios dela, mas só consegui ouvir o final, já de olhos fechados.

“Sinto muito deixar essa missão para você. Talvez o destino quisesse assim. Que outra eu resolvesse meus assuntos pendentes. Adeus, minha doce Amélia.”

Outra eu? Com esse pensamento, tudo ficou escuro. Senti aquelas ondas, como a maré me levando de volta a superfície e em um pulo, acordei gritando, ao lado de Espirro. O felino medroso gritou junto comigo, apertando meu braço. Com a respiração ofegante, me situei. Eu estava de volta na tenda de Sebastian. Olhei em volta, tudo estava o mesmo. Espirro provavelmente tinha ficado esse tempo todo me segurando. Agora seus olhos assustados me encaravam. Com um sorriso, segurei a mão dele por um tempinho e depois soltei.

– Onde está o Sebastian? Tenho muita coisa para contar para vocês.

Espirro parecia aflito.

– O que houve? – perguntei preocupada. – Agora que consegui resolver um problema, não me diga que tem outro. Por favor.

– Vamos até lá fora, senhorita Amélia.

Concordei e saímos. Logo ao lado do portão, Sebastian se encontrava em pé. Me aproximei dele e toquei seu ombro. O felino negro virou-se para mim, e sorriu.

– Você esta bem? – ele perguntou amoroso, segurando uma das minhas mãos.

– Eu tenho tanta coisa para te contar, Sebastian. – respondi no mesmo tom, apertando a mão dele de volta.

Estava aliviada até o momento. Tudo parecia bem. Eu iria contar a verdade, achar o jeito de libertar Sebastian e depois de ir atrás de Célia. Se não fosse por aquela voz, carregada em magoa, vinda tão próxima.

– Mas o que está acontecendo aqui?

Meu corpo travou. Uma enorme angustia tomou conta do meu peito, enquanto virava o rosto devagar. Meus olhos se encontram com os dele. Aqueles azuis que tanto senti falta. Azuis brilhantes, agora opacos. Doídos. Eu queria abraça-lo, gritar, xingar. Mas nada poderia ser feito. Aquele pequeno portão separava Sebastian e eu, de mãos dadas, e uma Missy e um Serafim muito confusos. Soltei rapidamente minha mão da de Sebastian e me afastei do portão. Novamente, aquela voz raivosa e magoada veio do felino branco.

– Amélia, o que você esta fazendo aqui?

– Irmãozinho. Por onde esteve? – Sebastian começou irônico. – Eu e a Amélinha aqui descobrimos tantas coisas, que você nem imaginaria a historia.

Olhando torto para nós dois, Serafim entrou na dança, cruzando os braços. Parecia impaciente.

– Vejo que vocês dois ficaram muito amigos nesse pequeno tempo que passei fora.

Pequeno? Ele não tinha mesmo noção. Não mesmo.

– Você não sabe de nada. – falei baixinho, olhando para baixo.

– E talvez nem queira saber. – ele rebateu, frio. – Vamos Missy.

Deixei que saísse. Naquele momento meu estado mental não era dos melhores. Apenas consegui acompanhar os dois, com os olhos, até porta do casarão. Em algum momento, Espirro veio até mim e encostou sua cauda em minha mão. Olhei para baixo, fora da minha transe. Tantas coisas para falar e ele nem se quer havia dado o trabalho de me dar atenção? O que ele sentia por mim afinal? Irritada, limpei as lagrimas que insistiam em cair. O vento gelado cortava minha pele. Eu me sentia destruída. Espirro balançou a cabeça para frente e falou baixinho.

– Vai falar com ele. Não deixe as coisas assim, tudo pode piorar muito.

As palavras do meu fiel amigo eram verdadeiras. Estava na hora de bater de frente. Sem fugir, sem mentiras. Serafim iria ouvir, por bem ou por mal, agora ele precisava escutar toda a verdade. Respirando fundo, corri, pulando o portãozinho e voltando a correr, ficando em uma distancia considerável dos dois.

– Serafim! – gritei.

Parando de andar, o felino virou-se para mim e me acompanhou com os olhos. Quando cheguei perto, terminei minha frase.

– Nós precisamos conversar. Coisas muito sérias. – terminei, ofegante.

Talvez fosse a primeira vez que eu estava decidida a tratar isso de frente. Serafim podia ver minha determinação estampada nos olhos. Mas ele interpretou errado. De novo. E se virando calmamente para mim, disse com tom arrogante.

– Eu não sei o que você andou fazendo com o meu irmãozinho, mas sua vida amorosa não me interessa, muito menos o que andou fazendo ou descobrindo por aqui. Se não tiver a ver com a missão que você veio completar, não preciso saber das aberrações que você e aquele lá conversam ou fazem.

Senti as lagrimas escorrerem novamente. E com a mão tremendo, a joguei com tudo sobre o rosto de Serafim, deixando a marca da minha mão em sua bochecha. Missy tentou intervir, mas assim que se moveu, gritei.

– Não se mete! – e depois voltei a palavra a Serafim. – Tudo o que eu tenho para te dizer, diz respeito a todos nós. Minha missão tem a ver com a vida de todos vocês e a minha. Mas além disso, eu queria dizer que você é um covarde. Você não tem o mínimo de capacidade de entender as coisas. Ou pior, você não quer entender. Então tudo bem, faz como você quiser. Quer apenas discutir coisas da missão? Nós vamos! Me procure quando quiser. Eu cansei disso!

– Amélia. – ele tentou falar, estendendo a mão, como se pedisse um minuto.

– Não! – berrei de volta. – Eu que não quero mais ouvir. Você some. É só isso o que você sabe fazer. Fugir das coisas. Me deixar resolvendo tudo sozinha. Eu senti a sua falta, eu sofri com a sua ausência e agora eu sou tratada dessa forma apenas porque eu estava com alguém que você julga traidor?

– Você não sabe de nada. – ele disse entre dentes, comprando a briga.

– Não! Pior que agora eu sei sim. E quer saber de mais uma coisa? Você estava errado esse tempo todo! Ao menos alguém me ajudou a encontrar umas respostas aqui. – parei por um momento, limpando uma das lagrimas e fungando. – E mesmo que tenham sido com segundas intenções, o tempo todo eu sabia disso. O tempo todo! Muito ao contrario de você e essas suas mentiras malditas!

Missy tentou intervir mais uma vez, mas sua voz foi calada pela minha última frase, enquanto eu me dirigia para o caminho de volta a casa de Sebastian.

– Vai pro raio que o parta você também.

E de cabeça quente, deixei os dois para trás e encontrei Espirro no meio do caminho. Sem ligar muito para se eles estavam olhando ou não, agora meu choro era audível. Soluços e mais soluços não paravam de sair, acompanhando minha tristeza. Parado na minha frente, o felino medroso não sabia o que fazer. Parecia preocupado. Deixei que meu corpo caísse no chão, ajoelhado, ficando da altura da cintura dele, e o abracei.

Agora, tudo o que eu queria, era chorar. O resto, eu resolveria depois. As cartas já estavam na manga para serem usadas, eu só precisava saber com quem poderia contar agora, nesse momento tão crucial. O que me matava era que finalmente agora que tinha admitido que gostava dele e de toda aquela arrogância, mas não podia falar nada. Ele não iria me ouvir. Não depois de tudo aquilo que eu falei. Os olhos de criança que vi, quando estava com Sarah, felizes e realizados. Eram esses olhos que eu queria ver agora. E não aqueles opacos e frios. Aquele não era o Serafim que eu conhecia. Ele estava me quebrando por dentro em mil pedaços, e o pior, ele sabia disso.