Acabei acordando meio dia! Nem acreditei o quanto dormi. E dormi bem! Pra quem estava com insônia parecia que eu tinha hibernado. Missy parecia estar alegre e minhas avo e tia também. Mau sinal. Eu teria que fazer vários programas na casa. Logo veio Celina (tia) e me perguntou naquele seu típico tom de voz calmo e exigente.

– Amélia, pode me ajudar a soltar os gatos e dar comida a eles?

– Claro tia! Seria um prazer! – Como eu poderia recusar? Digam-me como e eu juro que farei - É só dizer que eu faço. Tudo o que pedir. – Ops! Falei mais do que devia.

– Ótimo neguinha! Então eu vou te ensinar toda a rotina dos gatos hoje, sua mãe ligou e disse que você ficara a semana toda aqui com a gente!

Como ela sabia? Só mesmo as mães para sentir nossos desejos e necessidades. O único problema, eu já sabia onde tudo isso iria dar. Quem iria cuidar dos gatos? EUZINHA! Droga! Mil vezes droga! E aquele gato de ontem? Aposto que se ele me vir me mata, me trucida! “To frita” pensei. E com razão!

Elas ficaram comemorando por alguns minutos falando tudo o que podíamos fazer juntas. Quer a real? Elas estavam animadas porque EU faria o trabalho dos gatos por uma semana! E em uma semana eu estaria na UTI por ser atacada por 34 gatos (Missy não conta) e ainda viraria assunto dos jornais locais. Algo pior que isso? Não muito. Muito mico? Sim! Mais algo suportável depois de um tempo. Preferia tropeçar em uma casca de banana e cair no chão do shopping. Meio cômico, mas serve.

Resumindo o meu dia: Dei comida aos gatos, passeei com alguns gatos, cacei gatos dentro de casa... Alem dos meus deveres e necessidades básicas, é claro. Chegando ao final da tarde eu estava praticamente morta e com gatos na cabeça. Uma coisa muito curiosa foi que aquele gato branco mal encarado não apareceu. E minha tia nem falou dele. Estranho, mas nem pensei em perguntar. Seria algum mistério do gato branco?CLARO que não. Acabei ficando sem graça pelo meu próprio pensamento. Ridículo e idiota. Eram tantos gatos que minha tia não falaria de todos.

– Hora de guardá-los – Disse minha tia Celina completamente seria me encarando – Essa é à hora mais importante do dia e hoje vamos guardar um dos novos, acredita que ele chegou justamente quando você chegou?

– Nossa, que... Emoção... – Será que era mesmo isso que eu estava sentindo? – Qual é o gato?

– Aquele branco, ali em cima! – Ela apontou para o meu maior temor, aquele gato branco mal encarado – Ele ainda não tem nome, quer escolher um?

PORQUE EU! Olhei para aquele gato. Ele estava nos olhando com desprezo. Porque será que todo gato tem esse olhar para os humanos? Não somos tão patéticos assim. Somos? Bom, isso não interessa. Não sei por quanto tempo fiquei olhando mais ouvi claramente uma voz (muito bonita e sexy por sinal) me dizendo “Serafim, o nome é Serafim”. Eu nunca tinha percebido que minha voz interior era tão sexy! Seria um delírio? Aqueles olhos azuis do gato eram simplesmente maravilhosos, era de hipnotizar qualquer uma. Mais espera um minuto. ELE É UM GATO! O que eu estou fazendo? Só porque eu sou rejeitada por alguns meninos eu não tenho que passar a admirar gatos! Não queria acabar casando com um, era simplesmente irritante pensar nisso.

– Serafim tia, é um nome lindo para um gato como ele! Combina não? – Acho que minha tia gostou do nome, pois não disse nada e voltou para dentro de casa – É, acho que ela aprovou... Bom, hora da casada. Novo senhor Serafim você ira entrar para dormir! Venha!

Foi assim que tudo começou. Ele desceu ate a mesinha com um olhar superior de matar qualquer um. Juro, naquele momento se eu pudesse mataria ele a pancadas! Como um gato pode se achar tanto? Ter tanta expressão? Chamar tanta atenção? Atração por gatos? Alguém me mate, por favor!

Ele veio em minha direção. Nos olhamos, ambos com olhares desafiadores. E assim começou a corrida contra o tempo. Tentei pega-lo varias vezes e ele conseguia fugir. Eu gritava, me irritava. E ele com seus passos graciosos de uma telha para outra. Cai varias vezes, ate que consegui pega-lo. Ou ele se deixou pegar? Bom, deixando ou não deixando consegui trancá-lo com os outros felinos. Gato novo no pedaço significava muitos problemas, ele poderia se dar bem com eles ou não. Por alguma razão obscura eu queria que não! Mas a parte boa da alma estava falando mais alto e torcendo por ele.

Entrei na casa indo em direção a geladeira, meu estomago estava em alerta a um bom tempo. Marília (avo), me viu vasculhando a geladeira e resolveu preparar algo bem especial para o jantar. Após o jantar “especial” o sono veio, mas era apenas oito da noite. Parecia que meu corpo iria desabar em qualquer lugar, então resolvi dar boa noite para minha avo e minha tia e subi correndo me jogando na cama. Dito e feito. Foi só eu cair na cama que não me lembro de mais nada. Acabei acordando às 1h da manha, e o pior, sem sono algum. Ainda estava de roupa e parecia que nenhuma delas tinha se preocupado tanto. Também, depois de todo o trabalho que eu tive quem não teria sono?

Na como havia dois papeis dobrados. Abri o primeiro. Era da titia. Ele dizia:

“Amelinha querida. Sinto muito por ter feito você trabalhar tanto, mas parece que os gatos gostaram do seu trabalho, se puder continuar me ajudando eu agradeceria. Percebemos o quanto ficou cansada e queremos te compensar amanha com o que pudermos. Boa noite querida. Te amamos.”

Era normal titia deixar esses bilhetinhos dizendo alguma coisa especial ou se desculpando. Talvez elas tivessem mesmo me feito trabalhar muito. Mas eu sempre ajudava, não importasse o quanto iria ser ruim, sabia que era minha obrigação ajudá-las. Mas ainda havia outro. De quem? Peguei e o abri. Nele estava escrito:

“Cuidado. Mundos estão juntos. A rosa jamais será a mesma. Você a roubou antes do tempo. Será a escolhida. Mas, não me culpe. Tenha-se como avisada humana.”

O bilhete caiu das minhas mãos e foi lentamente flutuando ate o chão. Percebi que estava tremendo e suando. Alguém estava querendo pregar uma peça em mim? Como assim “tenha-se como avisada humana?”. O que tinha me mandado esse bilhete não era humano? Então como escreveu? Algo estranho e talvez muito ruim estava acontecendo, e tinha a ver com aquela rosa. Olhei a janela onde eu tinha a deixado. Ela continuava no mesmo lugar. Fui ate ela e encostei em suas pétalas. Estavam mais vermelhas do que no outro dia e elas estavam um pouco mais abertas. Como? A rosa estava desabrochando? Mais eu tinha arrancado ela da arvore. O que deveria acontecer? Normalmente ela murcharia. Aquela não era uma rosa comum e eu estava encrencada com alguma coisa de outro mundo. Porque eu não estava feliz? Não era isso o que eu queria? Então porque eu estava como medo e com o corpo completamente paralisado? Acho que queria continuar a ser uma menina sonhadora a viver algo do tipo. Aquele bilhete não poderia ser real, impossível, alguém queria muito me pregar uma peça.

Peguei o bilhete do chão lendo mais algumas vezes, alguém tinha escrito, então, tinha que ter pelo menos mãos. HÁ! Então é alguém humano! Ninguém me faria passar papel de idiota, mas, quem? Minha tia? Não, ela nunca faria isso. Minha avo? Fora de cogitação. Então, quem? Não tinha mais ninguém na casa alem dos... Gatos. Bom, alguém de fora então? Não fazia sentido. Chega! Eu vou deixar isso de lado, acho que erram. Coloquei o pedaço de papel na mesa. Missy logo entrou pela porta, como sempre miando. Parecia que ela queria me mostrar alguma coisa. Ela miou algumas vezes e logo saiu do quarto. Fiquei parada por alguns instantes processando, só assim consegui mexer meus pés, um depois do outro, começando a andar. Olhei para fora do quarto, mas Missy já estava na metade da escada. Me certifiquei de que todos estivessem dormindo e então desci as escadas chegando perto de Missy, que continuou seguindo ate chegarmos na porta da cozinha que dava para o quintal. Outro sinal ruim. La fora estava frio e escuro. Estava torcendo para que ela não quisesse ir para fora, mas ela ficou arranhando a porta com as patinhas.

Todos os gatos estavam presos, que mal teria? Abri a porta sentindo aquele vento frio e Missy correu para fora fazendo um barulho estranho. Parecia que ela estava nervosa com alguma coisa. Resolvi olhar, com medo, mais sai fechando as porta. Escuro. Estava tudo preto.

– Missy, o que você quer aqui... – Perguntei em voz baixa, mas ela já tinha sumido, junto com o barulho pela escuridão – Missy? Você esta ai? – Nada – MISSY!

Aquele silencio estava me torturando, dava para ver os olhos dos gatos, profundos, me analisando de dentro da lavanderia a onde estavam presos. Medo. Muito medo. Era tudo o que eu sentia. Não conseguia ouvir mais nada. Meus pés se travaram no chão e eu me encostei na parede. A distancia daquela parede ate a porta não era tão grande, mas o medo me impedia. Respirei fundo. Contei ate dez e sai correndo que nem uma louca. No meio da corrida (que parecia não ter fim) ouvi Missy miando e olhei para trás, ainda correndo acabei batendo em alguma coisa que me segurou. Epa! Alguma coisa me segurou? Braços quentes estavam me envolvendo para que eu não caísse. Não eram braços de pessoas que eu conhecia. Possivelmente um braço de um homem. Essa não! Um ladrão? Então era isso que Missy estava tentando me alertar o tempo todo. O medo aumentou e junto com ele a raiva também. Eu não conseguia olhar para cima. Então o rosto do desconhecido se aproximou de mim. Pude sentir a respiração passando por meu rosto ate chegar ao meu ouvido. O medo aumento, mas fiquei ansiosa. “Para um ladrão ate que ele cheira bem”, acho que esse foi o pensamento mais ridículo de todos. Consegui ouvir uma voz muito familiar e sexy, bem baixa e provocante.

– Não passa de uma mera humana medrosa...

Senti raiva na mesma hora. Como assim? Aquilo que era o ser não humano? Levantei a cabeça para encará-lo e dizer algumas poucos e boas aquele maldito ladrãozinho (cheiroso). Mas tudo ficou escuro de repente e me senti mole.