Eles por ela e ela por gatos

Não são confusões, apenas coincidências.


Errado. Era isso que aquele beijo era! Mas que absurdo! O que Serafim tinha na cabeça para esse ato tão estupido?

Na verdade: Eu ter correspondido é que foi o mais bizarro, só que não quis admitir, claro.

Seus braços me envolviam de forma protetora, apertando meu frágil corpo contra o seu, enquanto me sufocava naquele beijo calado e desesperado. De certa forma fui patética, fiquei parada, com minhas mãos tremulas em seu peito, que antes lutavam para sair e agora estavam agarradas ao pescoço dele, pedindo por mais, assim como todo o resto do meu corpo que insistia em se enroscar nele.

Serafim continuou a me surpreender com aquele beijo, o deixando mais intenso, começando a passar as mãos lentamente em minhas costas, fazendo meu corpo se arrepiar inteiro, o que lhe arrancou um leve risinho por entre o beijo, que me enlouqueceu de raiva. Protestei com um gemido baixinho, implorando para que ele entendesse que eu queria que ele me soltasse, mas foi inútil. Foi então que descobri que quando se trata de Serafim tudo é sedutor e magico, é como se o ar mudasse a sua volta, o cheiro ficasse mais doce. Não tinha como, aquele sentimento invadia minha mente pouco a pouco, deixando-me embriagada com sua presença e principalmente, seus toques calmos sobre minha pele tremula.

Ele separou nossos lábios por um segundo, passando a mordiscar meu lábio inferior, e naquele momento eu já não tinha mais controle sobre meus atos, até porque o compartilhamento de sangue também tinha culpa no cartório por este sentimento tão febril que eu sentia no momento. Serafim puxava de um lado da o outro, brincando comigo, depois passou a distribuir beijos por todo o meu pescoço e vi que aquilo já não era mais algo para me silenciar ou acalmar, tinha virado um ato de obscenidade pura segundo os olhos dele, que cintilaram ao encontrar com os meus, curiosos e pedindo por mais.

Nos olhamos novamente, os dois ofegantes. Sua respiração fazia meu corpo continuar a tremer e sua expressão, completamente compenetrada no que acabara de fazer também me denunciava que ele estava entregue aquela magia estranha que nos unia, através do sangue.

- Seraf –

Achei que fosse o momento perfeito para parar aquela coisa estupida, mas Serafim fora mais rápido, como sempre, e levou o dedo indicador até meus lábios, silenciando-me mais uma vez, porém continuou a me olhar, travesso, com aquele sorriso torto que me matou e não aguentei. Voltei a beija-lo, pressionando meu corpo mais uma vez contra o dele, o puxando pelas costas, encostando as minhas na parede. O infeliz pareceu ter gostado daquilo, já que não fez questão de sair e colocou ambas as mãos em minha cintura, retribuindo o beijo e pude sentir mais um sorriso florescer. Idiota. Só porque não consigo me controlar um pouco, acabo fazendo essas coisas estupidas.

A mão que estava em minha cintura desceu até uma de minhas pernas, parando na coxa e ele a puxou para cima, enquanto parava de me beijar novamente, indo até meu ouvido, sussurrando palavras de forma calma, porém que me atravessaram a mente como um turbilhão.

- Eu sabia que até você não resistia.

Naquele momento tomei a liberdade de soltar minha perna da mão dele e encaixar em sua cintura, o puxando para mais perto, virando o rosto para o lado e indo até a orelhinha lindamente posicionada para baixo dele, tentando soar o mais provocante e irritada possível.

- Cala a boca.

Senti seu peito se contrair para trás, parando de respirar por um tempo. Ele gostava daquilo? Movi meu rosto um pouco mais para cima, até poder ficar próxima o suficiente da orelhinha dele, e senti que o corpo de Serafim havia travado. “achei seu ponto fraco”, pensei animada, mordiscando levemente a ponta da orelhinha. Dito e feito. Ele suspirou rapidamente, deixando todo o ar que estava prendendo sair. Interessante eu diria. Assim, mordisquei de novo, sentido a maciez que era aquela parte tão pequena do corpo de Serafim e que mesmo assim o deixava imóvel. Mas orelhas são os pontos fracos dos gatos, não são? Percebi o quanto era bom sentir-se dona da situação naquele momento, o prendendo com uma de minhas pernas em sua cintura, mas eu precisava voltar, precisava beija-lo um pouco mais antes de sair daquela magica toda e voltar a irritante verdade.

Abri os olhos enquanto voltava a posição de antes, abaixo dele, próxima a seu peito nu e musculoso e seus lábios finos infantis porém sedutores. Analisei cada pedacinho com as mãos, passando sobre ele, que se arrepiava com os toques e mantinha os olhos fechados. Eu estava mesmo conseguindo satisfazer o reizinho das mulheres? Ele se dizia tão maduro e agora parecia uma criança pedindo por mais em meus braços, assim como eu estava antes.

Quando passei a mãos sobre seus lábios sorri, naquele momento eram meus e eu poderia aproveitar. Mas que espécie de pensamento é este? Me aproximei, ficando frente a frente com ele, respirando vagarosamente sobre seus lábios e os toquei levemente, iniciando outro beijo, que começou calmo como os outros, mas não demorou para se intensificar, enquanto Serafim levava uma de suas mãos para meus cabelos, os segurando com firmeza e me puxando um pouco para o lado.

O beijo era forte, porém lento, o que me fazia aproveitar muito aquele momento no qual nunca havia experimentado em minha vida. Mas uma experiência extraordinária e era ao lado dele.

Serafim tirou a ultima mão que sobrava em minha cintura e a apoiou perto de mim, sobre a parede e após algum tempo a mais nos beijando, resolvi que era hora de parar.

- Serafim – o chamei entre o beijo.

- Hm?

Ele parecia um pouco impaciente por escutar seu some ser pronunciado num momento como aquele, mas não quero nem saber, não dá mais pra continuar nessa pegação a noite toda!

- Chega – falei novamente.

Mas ele continuou a me beijar.

- Serafim – disse com a voz mole – Chega...

- Você está sussurrando porque? – ele dizia baixo, ainda mordiscando minha boca – Desse jeito vou achar que não quer que eu pare.

Pior que eu realmente não queria, mas precisava. Assim, me afastei aos poucos, o empurrando para o lado contrario e Serafim pareceu entender, bufando em protesto e virando o rosto para o lado, nem olhando mais para a minha cara, que incrivelmente consegui deixar neutra, apesar de minhas pernas falarem exatamente o contrario.

- Não podemos nos aproximar muito, se lembra? – comentei ainda baixo, tentando voltar a algum assunto conhecido.

- Aham – ele disse irritado.

- Qual é hein? – falei mais alto, perdendo a paciência – Achou que ia ficar se aproveitando de mim a vida inteira foi?

- Está mais calma agora?

A pergunta foi retorica. É claro que eu não estava nenhum pouco calma com aquilo que tinha acontecido. Serafim se afastou, sentando-se na cama, agora me olhando, todo convencido. Ah, não!

- Estou né. Nem me lembro mais o porque estava triste – admiti – Mas nunca mais faça isso, entendeu?

- Você quer – ele tronou a dizer todo convencido – eu disse que era bom no que fazia.

- Cala a boca! – perdi a paciência.

- Não era nesse tom que você estava falando comigo a algum tempinho atrás Amélia.

- Serafim, eu vou acabar com a sua raça mais cedo ou mais tarde!

Mesmo irritada não me atrevi a cruzar o quarto, e se acontecesse tudo de novo? Perto da cama ficaria muito difícil de para-lo e eu sabia disso.

- Mas importante que isso – disse agora serio – Vai parar com aquela besteira e vai nos ajudar?

- Tenho outra escolha?

Minha pergunta o fez sorrir e aquele pensamento de que ele havia me beijado de proposito apareceu, rapidamente, como se fosse um raio atingindo minha cabeça. Ele estava apenas tentando me convencer de não fugir? Bom, deu certo, porque minha crise para o que estava me afligindo passou e eu estava apenas pensando no quanto eu estava irritada com aquele filho da mãe por ter me usado. Ah, ele ia me pagar.

- Venha, vou te colocar para dormir – ele continuou calmo, batendo no colchão ao seu lado.

- Nem morta – rosnei – F-O-R-A!

- Como quiser... – ele disse vitorioso, passando por mim - ...nervosinha.

Foram suas ultimas palavras pronunciadas antes de sair do quarto e fechar a porta. Ótimo, agora posso dormir e sem compartilhar uma gota do meu sangue com aquele felino ridículo. Mesmo que ele seja um conquistador nada, ele não tinha o direto de fazer isso, estou toda fragilizada por causa da situação com Vini... Vinicius.

Agora me lembrei o que tinha acontecido antes desse incidente com Serafim. Suspirei. Estou fugindo de ser rejeitada e com esses problemas nas costas para resolver. Maldita curiosidade. Um dia ainda morro por causa dela!

Sentei na cama, ainda pensando o quanto eu estava abalada antes, por tudo o que tinha acontecido e agora não me vinha nada na cabeça, apenas o vazio estava reinando ali, e o sono estava disputando o lugar com ele. Resolvi que era hora de esquecer de tudo um pouco e dormir, amanhã poderia ser um dia cheio.

Na manhã seguinte levantei cedo, com a mesma rapidez que senti o sono vindo ele resolveu ir embora, me acordando às 8 horas da manhã em pleno sábado! Irritada, sentei-me na cama, olhando para baixo e vendo um gato preto de olhos arregalados, de olho em mim.

- Espirro?

Havia um tom divertido em minha voz, presumi que havia ficado feliz em vê-lo tão próximo. O gatinho tremia, mas mão saiu de perto, ficou ali, me olhando. Arrisquei, levando uma das mãos até perto de sua cabeça, ele esquivou-se e cheirou minha mão, logo depois abaixando a cabeça e então a acariciei.

- Não tem mais medo de mim?

Mesmo que ele não pudesse me responder, sabia que a resposta era negativa, ele estava tentando não ter medo, mas ainda tinha e muito. Não contive o riso, logo depois que ele escutou uma porta se batendo e saiu correndo para fora do quarto. Opa, a porta estava aberta e eu sabia que Serafim tinha a fechado noite passada. Alias, como Espirro tinha entrado aqui? E porque eu só me pergunto as coisas depois que elas acontecem? Ah, deixa pra lá, o que não está estranho aqui!

Me arrumei e desci, vendo que minha tia e minha avo estavam discutindo alguma coisa na cozinha sobre o aluguel, mas pararam na mesma hora que me viram entrar pela cozinha, radiante.

- Que bicho te mordeu Amelinha? – minha avo perguntou.

Um gato vó.

- Que pergunta! – disse rindo – Bom dia.

Eu estava estranhamente de bom humor como não me encontrava há muito tempo. Era gostoso sentir-se assim, mas algo me incomodava muito e não era o curso que as coisas estavam tomando e sim o motivo da minha alegria. Sim, eu admito que estava feliz pelo que tinha experimentado ontem, mesmo que fosse com um dos seres que eu mais odiava no planeta.

- Ah, olha só – minha tia começou, próxima a mim – Mudou a cara na hora. Amélia, você está bem?

- Estou titia! – respondi com um sorriso amarelo, sentando-me na mesa e pegando um pouco de café – Farão o que hoje?

- Pagaremos o aluguel – minha avo disse meio irritada – Sua tia esqueceu de novo.

- Não me culpe, é a idade.

- Eu não vou me conformar no final da minha vida com você esquecendo as coisas, ouviu?

- O que posso fazer?

Minha tia deu de ombros e foi cuidar dos gatos. Gatos, o tempo todo, ARGH!

- Querida, está mesmo tudo bem? Seu bom humor tá indo embora muito rápido, não acha?

- Estou precisando de umas férias da minha cabeça vovó, é tudo muito complicado – desabafei.

- Nada é complicado para os jovens – minha avó disse rindo – Vai entender isso quando tiver minha idade.

O problema é que você não sabe o tipo de problema que estou metida, apenas isso vovó. Suspirei, tomando um pouco do café quente, me perdendo em mais lembranças do passado recente, relacionados a Vinicius e minha amigas. Eu precisava visita-los, mas como?

Isso. Eu precisava fazer isso!

- Vovó! – disse novamente animada – Hoje vou sair.

- Vai a onde? – perguntou interessada.

- Ver minhas amigas, depois da confusão que aconteceu aqui, acho melhor fazer uma visitinha para elas!

- Tudo bem, mas volte antes de anoitecer, está bem?

- Certo, estou indo!

Me desprender um pouco disso hoje não fará mal nenhum não é mesmo? Corri para a porta de entrada, dando de cara com aquele infeliz gato branco, parado bem na porta.

- O que? – perguntei emburrada – Sai dai, preciso passar.

Serafim não se moveu, ficou me olhando com cara de gatinho inocente.

- Serafim, cai fora, eu preciso sair logo – pedi dessa vez.

O gato moveu-se, me dando passagem.

- Convencido.

Falei baixinho para ele, o olhando irritada e mostrando a língua antes de sair. Um ato infantil, mas necessário. Me diz quem não é infantil na vida de vez em quando. Liguei para Amanda, pedindo para reunir as meninas na casa dela, menos Vinicius, enquanto estava no ônibus para ir até a casa dela.

Não moro muito longe da minha avó mas o ônibus demora um pouco a chegar e eu nem tinha avisado minha mãe que tinha ido para perto de casa, se desse tempo eu até aproveitaria para passar em casa e pegar algumas roupas mais confortáveis e limpas. Ah, esqueci de mencionar, Amanda é minha vizinha de rua, o que torna as coisas muito mais fáceis para mim, é claro.

Chegando lá, Amanda não demorou para me receber alegre e de braços abertos como sempre.

- Amélia!

- Amanda! – berrei de volta, a abraçando.

- Não sabe o quanto fiquei feliz em saber que você estava vindo para cá!

- Para, sei que ficou irritada por eu ter avisado em cima da hora.

Amanda sempre odiou as coisas não planejadas e aquela visita e possível reunião de amigas não tinha sido nenhum pouco planejada.

- Dessa vez é diferente, estou feliz por você estar aqui, é o que importa.

- Não é?

Angelina disse sarcasticamente da porta.

- Cadê o nosso abraço de amigo urso? – Fernanda saiu da casa, se aproximando de mim, empurrando Amanda e me apertando – Ficamos tão felizes em você querer dividir um pouco de suas férias com a gente.

- Sabe como é – Angelina se aproximou – Ainda sentimos sua falta.

- Eu sei disso meninas, obrigada – respondi animada, me soltando do abraço de Fernanda.

- Cadê a Thais? – perguntei curiosa.

- Vem depois.

Elas responderam em coral e logo depois todas rimos.

- Nada de ficar aqui fora, vamos entrar! – Amanda disse animada, nos empurrando para dentro.

Entramos e elas logo se posicionaram ao meu lado, todas animadas demais. Algo tinha acontecido.

- Meninas – comecei – Está tudo bem?

- Claro que está – Angelina disse – Não é como se estivéssemos escondendo nada de você Amélia.

- ANGELINA! – Fernanda berrou.

- O que? – Angelina retrucou calma – Ela ia saber de um jeito ou de outro.

- Saber o que? – perguntei curiosa.

- Essas duas bocudas não sabem calar a boca né – Amanda disse com raiva.

- Tudo bem, não importa. O que aconteceu? – continuei a espera.

- HEY!

Escutei a voz de Thais do outro lado, vindo da porta de correr que separava a sala de estar da sala de jantar.

- Thais? Mas...ela não vinha depois? – perguntei perplexa – O que vocês estão escondendo de mim?

Ai tinha coisa.

- Tem alguém querendo falar com você, lá em cima, vai lá Amélia – Thais disse animada, me encorajando.

Alguém?

Meu coração começou a bater forte e percebi, pela primeira vez, o que elas estavam fazendo. Fui calma o caminho todo, subi escada degrau por degrau e entrei no quarto de Amanda, onde senti aquele perfume que conheço muito bem e olhei, abismada para a cama, vendo aquele garoto sentado de costas, olhando pela janela. Porque o momento que tanto esperei, não está me deixando bem e sim mal? Me aproximei mais, e ele olhou para trás, abrindo um tímido sorriso.

- Amélia.

- Vinicius.

- Podemos conversar?

- C-claro.