Capítulo 9 – T.A.

– Sinto muito a incomodarmos à noite – Kitty falou.

– Tudo bem. Me chamo Meggy. Nossa filha tem problemas cardíacos desde bem pequena. Estamos sempre lutando. Agora ela precisa de uma cirurgia para sobreviver, não é o caso de transplante, mas ainda assim não é tão fácil de ser conseguido. O hospital disse que um especialista com mais conhecimento deve tratar disso, mas é difícil conseguir que ele venha até aqui. Thomas estava ficando desesperado. Trabalhando aqui, mesmo que não sendo um profissional de saúde, ele tem feito o impossível pra conseguir o que nossa filha precisa, mas até agora não tinha dado em nada. O hospital nos informa sempre sobre o que andam fazendo. O cirurgião tem muitos pacientes na mesma situação que a nossa e há uma grande fila.

Meggy Ryder tinha cabelos louros e olhos castanho claros, a pele muito levemente morena. Podia-se dizer que a filha era a xérox dela, apesar de ter alguns traços não familiares, que deviam ser do pai. Ambas muito bonitas.

– Ela é muito bonita – Kitty comentou observando a menina ao lado da cama onde ela dormia com um tubo de soro conectado à mão esquerda – Tem sardas... Como Joan.

– Ah... Isso ela puxou da minha mãe – Meggy falou com um sorriso – Quem é Joan? E por que dois consultores da polícia de Nova York estão aqui?

– É uma história meio enrolada – Kitty lhe disse – Esperamos que nossa conversa com você possa ajudar. Joan foi sequestrada.

– O que?!

– Joan Watson... – Sherlock começou – Também é minha parceira e noiva. Ela estava no quarto 104 há cinco dias após ser atingida de raspão por uma bala perdida em uma das nossas investigações. Nós deveríamos ter ido pra casa hoje. Mas num instante em que me ausentei para cuidar de alguns assuntos na recepção do segundo andar abaixo de nós, ela foi brutalmente arrancada de seu quarto e desapareceu.

– Que horror... – a mulher ouvia atentamente, mostrando uma expressão de verdadeira tristeza.

– Ela lutou, mas não conseguiu resistir porque ainda está ferida e quem a levou abriu seu ferimento, ainda que acidentalmente. Acreditamos que não sabia das condições de Joan.

– Mas como eu posso ajudar?

– O seu marido apresentou algum comportamento estranho ultimamente? – Kitty perguntou.

– Agora que falou... Ele estava cada dia mais louco de preocupação, muito irritado, ele culpa uma senhora que cuida dos assuntos burocráticos do hospital pela demora. Diz que ela poderia agilizar se quisesse. Ele estava estranho desde ontem, calado, assustado, temi que fizesse algo errado, pedi muito que se acalmasse, Thomas é bem esquentado e precipitado às vezes. Com Jasmine em risco de vida ele estava perdendo a cabeça. Mas ele disse apenas que daria um jeito nisso por bem ou por mal. Fiquei assustada, mas não consegui que falasse mais nada. Ele saiu hoje cedo e não voltou mais, achei que estivesse ocupado trabalhando. Acham que ele tem algo a ver com isso?!

– Essa é a questão – Kitty tornou a falar – Ele não aparece no hospital desde o momento em que Joan desapareceu. E eu sinto muito em lhe dizer, mas nós encontramos fios de cabelo dele no quarto dela. E outras evidências que o denunciam.

– Não... – ela falou num sussurro desesperado e chocado.

– A pessoa em questão a qual ele se referia se chama Jane William, as mesmas inicias do nome de Joan, e tem ascendência japonesa, ela está no quarto 204 se recuperando de problemas respiratórios – Sherlock contou – Joan estava no 104 e tem ascendência chinesa. Ainda não conversamos com Jane, mas ela aparenta ter a mesma idade de Joan, e há policiais protegendo seu quarto agora. Essas informações podem facilmente fazer alguém não experiente confundir as duas. Joan foi levada por engano – Sherlock concluiu, entregando fotos das duas orientais à Meggy.

Meggy Rider estava em choque, lágrimas ameaçavam cair de seu rosto, e ela não conseguia emitir uma palavra. Tinha um olhar de agradecimento por a filha estará dormindo. Suas mãos tremiam tentando segurar as duas fotos enquanto as analisava.

– Está... É Joan? – Ela apontou a foto, deduzindo pelo comentário de Kitty.

– Sim. Nós estamos revirando este hospital e não a encontramos, apesar de todas as câmeras que verificamos mostrarem seu marido saindo do hospital sozinho sem despertar suspeitas. Já vasculhamos todos os lugares mais prováveis e não acreditamos que ele seria suficientemente desatento para esconder Joan em um de seus locais de trabalho aqui dentro. Ou seria? Sabemos que antes do depósito a escada leva a uma saída para o exterior. Ele podia ter saído com Joan por ela, mas a câmera do prédio em frente o pegou sozinho. Logo nossa equipe de buscas chegará ao depósito, que me entristece ser o último lugar escolhido para procurar.

– Meggy – Kitty chamou da maneira mais doce que pode – Precisamos encontrar Joan logo. O ferimento dela pode infeccionar. Ela já foi médica, mas não temos ideia se ela tem condições de se cuidar onde está. Agora que sabemos o porque podemos ajudar seu marido, principalmente se ele se entregar. Tem alguma ideia de onde podemos ir? Algum lugar que ele tenha lhe falado onde alguém pode se esconder?

– Eu não sei... – ela dizia com a voz embargada – O depósito embaixo das escadas de emergência, talvez... Sabemos que as escadas de emergência levam ao térreo, onde vocês já devem ter verificado as câmeras. Mas o depósito fica abaixo e não tem saídas ou câmeras. Thomas diz que é um lugar tão grande que alguém se perderia lá dentro e demora muito tempo pra guardar ou remover algo.

– Joan estava usando um anel que lhe dei minutos antes do ocorrido. Um anel de ouro branco com uma minúscula pedra brilhante. Sabe algo sobre ele?

– Não. Mas eu juro que ajudarei no que puder... Eu ainda não acredito que ele fez isso – a mulher caiu num choro silencioso.

Kitty caminhou até o sofá onde Meggy e Sherlock estavam sentados e abraçou a mulher tentando consolá-la.

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– Boa noite, senhorita William – Sherlock saudou ao entrar no quarto 204 – Sinto muito incomodá-la tão tarde. Está é minha parceira, Kitty. Somos consultores da polícia de Nova Iorque.

– Boa noite – ela respondeu – Sentem-se.

Os dois seguiriam para o sofá se o que a mulher tinha nas mãos não tivesse paralisado Sherlock.

******

Joan arregalou os olhos quando focou a sua frente um homem alto e forte, de pele clara e cabelos curtos e castanhos e olhos também castanhos.

– Vamos tentar resolver isso da maneira mais simples e então você vai embora. Não importa que aqueles policiais lá em cima me predam pro resto da vida. Só quero minha filha viva!

Joan ficou confusa, ainda mais por o homem ter uma voz de alguém que de forma alguma parecia ser um criminoso, mas sim uma pessoa no mais alto nível de desespero.

– Posso saber do que está falando?

– Como não sabe? E pensei que estivesse se recuperando de problemas respiratórios e não de um ferimento aberto.

– Ãh?!

– Jane William, descendente de japoneses, a mulher que cuida da burocracia, que podia agilizar as coisas e salvar minha filha antes que ela morra.

– Então é por isso que me trouxe?

– Minha filha vai morrer em semanas sem aquela cirurgia! Disseram que há um especialista! Eu quero garantias de que ele virá e depressa!

– Sinto muito por sua filha...

– Quem é você pra dizer isso?!

– E sinto que há um engano aqui. Você já viu o rosto de Jane William alguma vez? – Perguntou calmamente tentando aquietar o nervosismo do homem a sua frente.

– Não, mas estou vendo agora!

– Eu me chamo Joan Watson. Sou consultora da policia de Nova Iorque e estava no quarto 104 com meu parceiro, Sherlock, me recuperando de um tiro de raspão de uma bala perdida. Devo dizer o quanto me decepciona você ter me arrancado de lá minutos depois de termos nos tornado noivos?

– Olha aqui! Não brinca comigo!

– Não estou brincando. E eu não sou japonesa, sou chinesa.

Joan escutou um toque familiar, seu celular! E era o toque de Sherlock! O homem parecia perturbado, tirou o celular de Joan de algum bolso na calça e verificou a mensagem, arregalando os olhos e parecendo abismado ao comprovar as palavras da consultora.

– Há pelo menos 25 mensagens e chamadas de um tal de Sherlock aqui! E mais um monte de uma tal de Kitty!

– Eu disse.

– Como eu ia saber?! Chinês! Japonês! Coreano! Mestiço! É tudo igual! E ouvi que você é médica!

Joan assumiu uma expressão de espanto, sem saber se ria ou chorava com o que acabara de ouvir, mas dadas as condições decidiu ignorar.

– Eu fui médica, há muito tempo – respondeu com bastante ênfase na palavra “fui”.

– Não importa! Você é o que tenho, é com você que vou negociar. Consultora da polícia de Nova Iorque... Nunca mais vou sair da prisão... Mas isso não importa desde que minha pequena Jasmine esteja viva. Preciso de tempo! Não entendo o que essas mensagens loucas desse Sherlock dizem! Traduza! – Ele estendeu o celular a Joan, que o pegou para checar ao menos as três últimas mensagens.

– Me diga que está bem – ela traduziu a sigla MDQEB – Vamos voltar hoje, aonde você foi?! – Ela traduziu a segunda mensagem e ficou muda com a terceira, procurando palavras.

– O que diz a última? O que é TA?! Fala logo!

– Te amo... – ela respondeu.

– Seu parceiro não é muito esperto. Sei que é questão de tempo até a polícia nos encontrar aqui. Eu vou ligar pra ele daqui a pouco e ele vai convencer Jane William a me ajudar, então, só então eu deixo você ir!

Joan sentia uma pontada de esperança agora, a mensagem não queria dizer te amo, e sim “Te achei”. Sherlock estava por perto! Não estava tão apreensiva quanto a seu sequestrador, não parecia querer feri-la, só estava desesperado pela filha e havia se enganado de vítima.

– Posso saber seu nome?

– Me chamo Thomas Ryder. Jasmine só tem seis anos – ele dizia com a voz alterada tentando conter lágrimas – Tem um coração enorme, mas fraquinho – ele fez uma pausa – Estamos lutando há anos e podemos perde-la!

Joan ouvia em silêncio, sem realmente querer responder, embora desejasse poder consola-lo. Sentia sua cabeça pesar e sua tontura voltar. O ferimento doía e tinha certeza que estava com febre. Seu celular marcava nove horas da noite. Devia estar há quase doze horas ali.

– Ela é linda, como Meggy, a mãe dela, as duas tem cabelos dourados – falou com um leve sorriso – Tem sardas igual a você. É uma criança encantadora.

– Deve ser mesmo. Thomas... Eu posso te ajudar. Posso ao menos tentar. Meggy e Jasmine já devem ter sentindo sua falta e devem estar preocupadas.

– Não vem com essa! Não vou cair na sua conversa! – Ele tornou a se alterar, tirando o celular das mãos de Joan novamente – Você parece mal. Se quer dormir faça rápido, vamos resolver isso daqui a pouco. Só não vá morrer enquanto dorme.

Joan não deu atenção às últimas palavras, seus olhos não queriam se manter abertos e sem sequer perceber voltou a deitar-se e logo adormeceu.