Elder Tale – Bandeirantes do Ipiranga

Capítulo 13 – Caça ou Caçador


Ainda que eu a tivesse chamado de “assassina”, nem de longe era pertencente a tal classe. Era uma guarda, como eu, porém em um estilo incomum, não muito raro nos servidores sul-americanos, mas considerado “profissional demais para meros novatos latinos usarem”. Tratava-se de uma Berserker-builder, ou seja, uma pessoa que desenvolve seu estilo de combate, equipamentos e até interações, todas voltadas pra combate ofensivo. Somando isso a sua “invisibilidade”, me surpreende que eu nunca tenha esbarrado com ela nos antigos tempos. Mas o que mais me intriga, enquanto trocava alguns golpes, deixando propositalmente minha guarda meio-aberta, foi o que ela me chamou antes.

–Do que... você me chamou!? – Gritei, jogando-a pra trás.

A mesma dava um curto sorriso, a medida que se reposicionava.

–Ora, além de querer proteger sua preciosa espada, ainda quer saber a quanto tempo o conheço?

“Não é engraçado ler as mentes, sabia, sua cretina” – Praguejei mentalmente.

Novamente ela começava a ler meus movimentos, mas algo estava errado. Parecia calma demais, pra média de uma berzerker. Percebi que ela usava os óculos acima, por cima dos cabelos, como quem quer enxergar claramente, com maior foco. Suspirei e forçadamente coloquei meus músculos em uma posição mais confortável e guardei a arma, nem um pouco animado. Ao notar minha posição a mesma, ela avançava em uma investida rápida, em minha direção. Apenas mantive contato visual com a mesma, não pretendendo desviar o foco.

Eis que tive minha resposta, quando ela travou o próprio ataque a centímetros do meu corpo. Apenas bufei, insatisfeito.

–Eu tenho cara de ser um de seus peões, Angela Sparks?

A mesma suprimia uma curta risada.

–Ora, então parou pra ler meu nome? Você deve ser um pervertido e tanto, por prestar a atenção em mulheres assim.

–Isso depende. – Dizia dando de ombros. – Eu avalio se a dita mulher é digna de minha curiosidade.

Sparks apenas guardava a espada e se afastava um pouco.

Parei pra olhar ela um momento e fiquei mergulhado em meus pensamentos. Por alguma razão, eu me lembrava de Sparks em outra ocasião, mas não lembrava de onde. Parei um momento e fiquei a olhar os arredores. Quando me dei conta, ela tinha sumido.

–Ora? Se foi após uma grande busca.

Deixei-a um momento e comecei a ponderar sobre o próximo passo. Tinha que resolver aquela maldita missão, ou a voz ia continuar ecoando. Balancei negativamente a cabeça, enquanto subia um morro e olhava os arredores da cidade. Ainda parecia uma caça as bruxas, contida. Todos sabiam onde a dita “bruxa” estava, porém estava inacessível para eles. Deduzo que já souberam do incidente da tentativa falha de queimar Catherine que só não foi um sucesso por um aventureiro que enlouqueceu e matou todos ali. Percebi quando os olhares de desprezo que eu recebia quando andava na rua foram substituídos pelos de pavor.

“De tirano a monstro... Nada mal”

Estava acostumado a tal tratativa, pois não é muito diferente do mundo real. De qualquer modo, enquanto tentava descer daquele lugar, percebia que as nuvens começavam a se acumular no céu... Em tom roxo.

“Droga... Está vindo.”

Logo começaria uma parte alternativa e pouco conhecida da missão. Deste evento, poucos, contando comigo, sabiam. Como nem todos ficaram online pra ficarem presos no Apocalipse, creio que eu seja o único da cidade que saiba a cruel tarefa do “Guardião da medusa”.

–Fui... Não. Eu nunca era quem conseguiria protege-la ou algo assim. – Murmurei

–“Ora, você em um momento de fraqueza? Isso é musica para meus ouvidos”

E novamente, a voz impertinente na minha cabeça

“Hm, normalmente eu consigo enxergar a face de todos que leio a mente, pois vocês humanos se imaginam de forma grandiosa, mas sempre próximo de seus egos originais. Mas você... Você tem a audácia de se julgar não como um deles, mas como um de nós”

Não era mentira. Não me considero um protetor ou um cavaleiro do povo em nenhum jogo, principalmente jogos online e/ou RGP’s, mas sim como um sobrevivente... Um monstro.

–“Talvez seja por querer matar quem não pode e salvar quem não deveria” – Devolvi na mente.

–”Há! Você me faz rir. Vocês pensam que salvam, mas sequer tentam!”

Logo o céu começa a apertar, indicando uma tempestade. Chequei o menu da minha casa, percebendo que Raika já chegou e estava com Azure, porém Azure saiu de lá logo depois que olhei. Outro problema foi que a conversa com a “voz” em minha mente me deixou distraído, pois fui cercado por povos-da-terra, plebeus, com paus, pedras e ancinhos.

–S-se renda! – Gritou um.

Olhei nos olho de cada um. Pareciam mais escudeiros enfrentando seu primeiro chefe. Mas isso não é mais apenas um jogo, e um povo-da-terra não ressuscita como nós, ele morre em definitivo. Tentei sair de lá andando, em direção ao marco-zero, onde aconteceria uma parte do evento, mas um deles me impediu. Foi o que usava o ancinho.

–P-pare!

Pensei em sacar a espada, mas apenas respirei fundo. Contei os níveis deles e estralei os braços e pescoço.

–Trinta e nove segundos. – Contei.

Eles se entreolharam, confusos e surpresos com o que eu disse. Mas foi depois que eu dei um passo em direção ao de ancinho, que foi pego de surpresa e esmurrei o estômago dele.

–Um! – Disse durante o soco, começando a contagem.

E trinta e nove segundos depois, fui ao marco-zero, a fonte da cidade, que fica em frente a catedral onde os jogadores voltam a vida. Lá eu já percebia que a água já mudava de cor, assim como as nuvens no céu. Logo depois, uma ligação telepática veio.

–[Padre!]

–[Azure?]

–[To chegando, Padre. Já está começando?]

–[Sim, está] – Comentei suspirando -[Vou me re-equipar, pois o Big Boss ainda não sabe meu rosto]

–[Mas já está recebendo mensagens dela?]

Mordi o lábio com força, enquanto equipava o elmo, respirando fundo. Tinha esquecido de um detalhe. Normalmente alguns monstros chefes de evento mandam mensagens que aparecem no alto da tela, como se fosse uma mensagem ao grupo. Mas aqui, foi retratado como telepatia, me causando a confusão de ler a mente.

–[Padre?]

–[Desculpe, me distraí. Sim, já mandou. Disse que não pode ver meu rosto pois eu me imagino como um monstro e não como aventureiro]

–[Ora essa, fazendo sucesso com monstros na?]

–[Deixe disso. Quando chega aqui?]

–[Talvez eu leve uns dez minutos]

–[Você tem cinco!] – E encerrei a chamada.

E dentro da fonte, uma serpente feita de parte da água nada na fonte suja. Estranhei de início, mas logo que percebi o que era, pulei pro mais longe possível.

BUM!!!

A água da fonte implodiu, como efeito de cena. Foi bom, pois fui jogado alguns metros, mas não sofri ferimentos. Ao olhar na fonte, notei uma ilusão feita da própria fonte, em versão ampliada, da Medusa-Rainha. Meu sangue quase congela e meus sentidos vão a mil, enquanto a mesma aproxima o rosto de mim.

–Ora... É você, querido?

“Querido? Já nos vimos?” – Indaguei. Logo depois, respirei fundo e a encarei enquanto ela continuava.

–Uma pena não estar mais em sua mente, mas sei que pensou em nosso momento juntos, anos atrás,, me protegendo. Imagino que faça o mesmo pela minha criança que vive convosco, sim?

“Então minha suspeita sobre a moça era verdade!” – Pensei em uma pausa da fala dela.

–Ah sim. Eu posso não lembrar seu rosto. – Comentou a mesma. – Mas me lembro de muita coisa. Seu toque, seu escudo, sua armadura e de seu voto... Magnus.

“Oh-oh”

Agora eu REALMENTE acreditava que tinha algo errado. A Medusa-Rainha nunca deveria saber o nome de um jogador até o mesmo mata-la ou deixa-la fugir, apenas no final da missão. Não só esse detalhe esta errado, mas também existe o fato de que ela comenta como se tivesse me visto a muito tempo, como que a décadas atrás, embora eu não me lembre de algo tão antigo assim. Outro problema foi a lógica aplicada a este evento, o que me deixou com um pavor. Se tal missão foi alterada pela simples vinda dos aventureiros, o que mais foi alterado?

–Como assim? – Indaguei, interrompendo-a. – Pra você ter existido durante tanto tempo, deveria ter tirado a sua antecessora do poder. E não sabia também que rainhas da sua espécie duravam tanto assim.

E como em um passe de mágica, as palavras que eu disse a ela pareciam ter acertado um ponto crítico, pois ela deixou de sorrir e retornou a fonte, com uma expressão neutra, quase morta. Mas antes que eu pudesse perguntar mais, os outros aventureiros chegaram.

Era a hora.

–Aventureiros, guerreiros, cavaleiros... Hipócritas! Dizem ser salvadores, mas deixaram vidas inocentes escorrerem em seus dedos gordos e gananciosos por tesouros. Logo, minhas meninas vão se deleitar em seus corpos frios. Se querem me impedir, são bem vindos a irem em meus domínios e tentar.

Logo depois, ela virou-se pra me olhar de soslaio, com certo rancor latente.

–E ao... Guardião, desista. Não salvou uma vida desta maldição antes. E não vai ter sucesso neste caso novamente.. Tente e sempre falhará... Maldito seja.

E sua forma reduzia até a mesma serpente que surgiu antes da implosão da fonte, avançando em uma incrível e indefensável velocidade, me mordendo no pescoço. Aquela cobra podia não ser de carne e osso, mas a mordida doía como a de uma verdade. E enquanto eu sentia a ardência, a cobra já sumira no ar.

Me vi novamente cercado, agora por alguns cidadãos mais fortes do povo-da-terra e alguns aventureiros mal guiados, que estavam querendo finalizar aquela missão-evento logo, antes que a cidade sofra mais danos. Ao sentir a pele arder novamente em meu pescoço, vi algo no meu menu que me deu calafrios

[[STATUS – Amaldiçoado. Maldição da Medusa-Rainha]]

“Mas como? Antes? A maldição que é colocada no aventureiro que escolhe o caminho do guardião da medusa DEPOIS do fim dela é colocado ANTES?”

Vi minha visão ficar um pouco turva, e meu HP começava a cair vertiginosamente. Parece que a maldição estava em uma versão forte. Mais forte do que jamais vi, enquanto iam fechando o cerco ao meu redor, pra me finalizar e ir atrás da cria da Rainha. Foi então que uma machadinha acertou um dos que me cercava. E pelo corpo inerte, o alvo era um povo-da-terra.

Mas aquela não era uma machadinha comum...

“Uma machadinha cheia de musgo?”

–Se querem caçar alguém tão covardemente. – Comentou uma voz, abrindo caminho entre o cerco, recolhendo a arma. Era uma voz familiar. – Então os caçados serão vocês!

Notei que ele vestia uma roupa de matos e couro, da cabeça aos pés, contido com um tipo de toca que lhe cobria quase toda a cabeça. Não tinha mais dúvidas.

–Kurgar? – Foi o que eu disse, antes do veneno me tomar por completo.