Eldarya

Capítulo 4 — Guardiã.


Kalina

Acordei com um barulho estridente que vinha do relógio. Me sentei na cama, confusa. Olhei fixamente para a janela, por onde raios de sol invadiam o quarto abundantemente e... Por um momento eu não me lembrei de onde estava.

Quando o barulho cessou, finalmente despertei e um choque de realidade invadiu o meu ser. Tive que piscar algumas vezes para assimilar todas as lembranças horríveis que se passavam na minha cabeça, sobre o dia anterior. Aquele lugar era Eldarya.

E aparentemente eu teria que viver aqui pelo resto da minha vida.

Suspirei e me livrei do amontoado de lençóis. Aproveitei para fechar a janela — o vento gelado estava causando arrepios não muito agradáveis em todo meu corpo. Após isso, me espreguicei por puro hábito. Dei uma olhada ao redor do quarto e meus olhos se fixaram na cômoda. Rapidamente eu me dirigi até ela e abri as gavetas. Encarei as roupas por um breve momento antes de decidir que não iria me trocar. Eu queria respostas e as queria agora. Quanto mais cedo eu fosse tomar café, melhor.

Antes de sair do quarto eu me olhei no espelho da penteadeira para conferir se estava tudo certo. Meu rosto parecia pálido demais, o que fazia meus olhos violetas ficarem ainda mais em evidência. Soltei um grunhido irritado ao perceber o caos em que meus cabelos se encontravam. Abri todas as gavetas da penteadeira a fim de encontrar algo para penteá-lo e felizmente encontrei uma escova. Depois de desfazer os nós, prendi os fios castanho claros num rabo de cavalo.

— Ykhar realmente foi muito gentil. — sorri, feliz, ao guardar a escova de volta na gaveta e ver que havia um gloss e um vidro de perfume ali. — Até que esse mundo é bem parecido com a Terra...

Chequei minhas axilas e constei que, surpreendentemente, eu não estava fedendo — embora estivesse sem tomar banho há mais ou menos dois dias. Dei de ombros e passei um pouco do perfume só para prevenir qualquer constrangimento.

Eu saí do meu quarto e caminhei normalmente pelo corredor das guardas, me deleitando com a sensação de pisar naquele tapete extremamente confortável. Era como se eu estivesse andando nas nuvens! Outros habitantes também estavam saindo de seus quartos. Fui até a cantina e segui até oeste, como Leiftan havia indicado. Não foi difícil me localizar, já que aparentemente todos ali tinham o mesmo objetivo: chegar até o refeitório.

Eu segui cabisbaixa, assustada demais para lidar com a diversidade de formas de seres que havia ali. Eram como os humanos, mas não eram. Com exceção de alguns, quase todos tinham alguma característica animal: orelhas de gato, rabo de raposa, chifres de bode, escamas de peixe... E as cores das peles eram diversas: rosadas, esverdeadas, azuladas, amendoadas. Era tudo estranho demais. Algumas pessoas começaram a cochichar na frente e umas cabeças curiosas se viraram para me encarar. Olhei para o chão, constrangida.

Para eles, eu era a diferente. Não o contrário.

Peguei uma bandeja e entrei na fila. Os sussurros ficavam cada vez mais frequentes e eu procurava algo para me distrair. Avistei o homem que havia me enxotado da cantina ontem. Ele estava atrás do balcão, servindo os habitantes e agora vestia um uniforme que dizia "Chef Karuto". Dei um sorriso mínimo para ele quando chegou minha vez. Ele pareceu me reconhecer e abriu um grande sorriso.

— Bom dia, garota! — Karuto disse, alegre. — E então, te deram um quarto?

Arqueei as sobrancelhas, totalmente pasma. Depois de ontem, eu não esperava ver esse homem sorrindo tão cedo. Não mesmo. Ele me devolveu a bandeja, que agora tinha um prato grande com um amontoado de uma gosma amarelo claro, um prato pequeno com o que pareciam ser torradas e um copo com um líquido marrom escuro.

— É... me deram, sim. — sussurrei e peguei minha bandeja. — Obrigada, Karuto.

Ele acenou com a cabeça. Saí da fila e fiquei parada segurando a bandeja por um segundo, tentando achar uma mesa vazia com o olhar. O salão estava cheio e eu sentia novamente todo mundo olhando para mim. Alguns de forma curiosa, outros de forma julgadora.

— Ela é a humana? — alguém cochichou. Pelo jeito as notícias corriam rápido por aqui.

Antes que eu me irritasse o suficiente para caçar as pessoas fofoqueiras e as responderem com um belo gesto vulgar, eu encontrei uma mesa vazia e suspirei de alivio. Me coloquei a andar sem olhar para os lados, evitando olhar para aquela gente desconhecida.

— Nossa, ela tem olhos violetas! — comentou outro alguém.

Encolhi os ombros e continuei andando depressa, encarando a bandeja fixamente

— Pobrezinha, os humanos são tão sem graça... Olha essas roupas!

— Credo, o que é isso que ela tá usando?!

Escolhi uma das mesas mais afastadas e usufrui a minha refeição. Conclui que a gosma amarela era uma espécie de omelete, só que estava muito salgada e muito doce ao mesmo tempo. As torradas do lado, honestamente, tinham um gosto amargo demais. A fim de tirar um pouco da sensação desagradável da boca, peguei o copo com o líquido marrom estranho, torcendo para que fosse café. Ao tomar um gole, fiz uma careta instantânea.

É, não era café.

Olhei pesarosamente para a bandeja e me vi forçada a terminar a refeição, mesmo odiando cada segundo dela. Me lembrei dos sanduíches que Leiftan preparou para mim ontem e soltei um suspiro de nostalgia. Eles pareciam deliciosos comparados ao que eu estava enfiando goela abaixo nesse exato momento. Eu não sabia se Eldarya tinha os mesmos problemas de desigualdade social do meu mundo, então resolvi que era melhor não desperdiçar alimento. Depois de terminar, eu devolvi a bandeja onde todo mundo estava devolvendo as suas respectivas bandejas. Depois, segui direto para a sala do Cristal.

Para chegar à sala do Cristal, era preciso subir escadas em formato espiral. A entrada ficava logo no começo do corredor dos dormitórios. Não eram tantas, eu tinha contado cinquenta antes de começar a tentar adivinhar quantas escadas essa construção deveria ter no total.

Eu com certeza iria propor a instalação de elevadores se eu concorresse à presidência desse lugar.

Quando faltava poucos degraus para chegar até a porta da sala do Cristal eu escutei vozes familiares falando alto demais.

— Eu não quero ver ela na Guarda de Eel e ponto final! — era a voz de Ezarel. Mesmo com o eco, eu pude reconhecer nitidamente. Ele parece mesmo ter raiva de mim. Mas por quê?

Eu parei meus movimentos para os escutar melhor.

— Eu preciso te lembrar quem dá as ordens aqui, Ezarel? — retrucou Miiko.

Eu tive que ser muito forte para segurar minha risada. A Miiko? Me defendendo? Me aproximei em silêncio para espiar melhor. Eles não pareceram notar minha presença, estavam muito envolvidos na pequena discussão.

— Ez tem razão, ela não parece ser muito habilidosa. — disse Nevra.

— Sim, Jamon não conseguir imaginar ela com uma espada ou uma alabar. — Jamon concordou.

— Pfft, ela é humana, o que mais vocês poderiam esperar? — Ezarel disse com deboche.

Cerrei meus punhos, mordendo os lábios para não xingar o líder da Guarda Absinto, que agora eu fazia parte, diga-se de passagem. Respirei fundo para conter o ódio e a vontade de socá-lo até a morte.

— Não é nada educado escutar atrás da porta. — alguém sussurrou no meu ouvido e eu me assustei tanto que quase dei um pulo para trás. Na tentativa de me equilibrar eu acabei tropeçando no degrau, e, para não cair de cara no chão, acabei entrando na sala de forma peculiar.

Todos se calaram e viraram para olhar em minha direção, surpresos. Reparei em duas moças que eu nunca havia visto antes. A primeira tinha cabelos ruivos e orelhas semelhantes à de um coelho, ela estava do lado do Kero e carregava consigo um caderno e uma caneta. A outra era uma mulher de pele azul bem clara, quase cinza. Ela usava roupas que me lembraram as enfermeiras da Terra e inclusive tinha um estetoscópio posicionado em volta de seu pescoço.

— Ah... Oi. — eu dei um sorriso tímido, completamente envergonhada.

— Ah! Bom dia, Kalina. — Miiko sorriu. — Estávamos esperando por você. Olá Leiftan, que bom que já chegou. Assim poderemos iniciar a reunião.

— Reunião? — franzi as sobrancelhas. — Presumo que eu seja a principal pauta, não é?

— Exato. Nós queríamos te fazer algumas perguntas. — a líder respondeu e depois apontou o cajado para a garota ruiva. — Essa é a Ykhar, ela irá anotar tudo para elaborarem um relatório depois.

Ykhar me olhou com expectativa e sorriu para mim. Eu sorri de volta para ela, esperando expressar gratidão pelo cuidado que mostrou ter por mim. Depois, eu olhei para Miiko com desconfiança enquanto me aproximava de onde estavam.

— Ok, querem me fazer perguntas. Por...? — cruzei os braços de forma protetora.

— Para tentar entender como você chegou aqui. — Leiftan disse gentilmente e colocou uma mão em meu ombro. Eu nem tinha percebido que ele estava tão próximo a mim esse tempo todo.

Respirei fundo, impaciente. Afinal de contas, eu é quem deveria estar fazendo perguntas, não eles. Miiko me entregou um colar de metal que tinha uma pedra rosa e lisa. Ela pediu para que eu o usasse durante o "interrogatório", coisa que eu achei muito peculiar, mas dei de ombros e fiz o que a líder desejava.

— Você poderia começar nos dizendo o seu nome, de onde você é e qual é a sua idade, por favor? — Ykhar perguntou, pronta para anotar minha resposta.

— Sim. Meu nome é Kalina. — respondi tão rápido que me assustei como as palavras parecem ser arrancadas da minha boca. — Mas todo mundo me chama de Kay. — observei. — Nasci em Washington DC, nos Estados Unidos. Não que vocês saibam onde fica, claro. — expirei. — E eu tenho 17 anos.

— Certo. — Ykhar anotava tudo que eu estava falando. — E pode explicar como chegou aqui na sala do Cristal?

— Eu já disse: eu estava andando e entrei num círculo de cogumelos. Depois uma luz muito forte apareceu, eu acordei aqui e... Que decisão estúpida, aliás. Entrar num círculo de cogumelos! — observei. — Não sei onde eu estava com a cabeça quando pensei que essa seria uma boa ideia... — sussurrei e me encolhi.

— Sim, sabemos sobre o círculo. — Miiko expirou. — E é esse justamente o problema. Isso que você nos contou é quase impossível! A energia faery está muito enfraquecida, as chances de um humano se transportar para cá através dos portais é quase nula. — ela andava para lá e para cá, esfregando o próprio queixo. Ykhar parecia perdida em meio de tanta informação. Ela movia o punho de forma extremamente rápida, como se já estivesse habituada a tomar anotações. Me perguntei se eles não tinham uma tecnologia melhor que papel e caneta para anotar as coisas. — Humanos não conseguem se conectar com tanta facilidade. A não ser que...

— A não ser que... o que? — perguntei.

— Miiko acha que você tem descendência faeliana. — Nevra foi direto ao ponto.

— O quê?! Não. — juntei as sobrancelhas, descrente. — Isso é impossível.

— Humanos não possuem sangue faery. — explica Ezarel. — Portanto, não conseguem enxergar os portais, ou a pouca magia que está escondida na Terra. É preciso ter muito conhecimento para fazer isso quando se é humano.

— Principalmente agora que os portais estão fracos... é impossível um humano se conectar com facilidade! — Kero diz num tom pensativo.

— Você é adotada? — Miiko virou para mim, de repente. — Seus pais já comentaram algo relacionado ao mundo das fadas para você? Eldarya? A Guarda de Eel? Nada?

Arregalei os olhos. Como ela ousa sugerir tal coisa?

— Não, com certeza não sou adotada! — eu afirmei com veemencia.

— Pode nos falar um pouco dos seus pais e o que eles fazem? — Ykhar pergunta sem tirar os olhos do papel. Ela parecia terminar de anotar algumas coisas. Eu definitivamente iria sugerir a utilização de um tablet ou smartphone para eles.

Antes que eu pudesse formular uma resposta, minha boca se abriu e fui falando de forma mecânica.

— Meu pai se chama George e a minha mãe Lucy. Nós temos uma grife que hoje em dia é muito famosa em meu país. Ela carrega o sobrenome da minha família: Gardisto. A família do meu pai fabrica e vende coleções de sapatos, bolsas e roupas femininas há muito tempo. — Fiz uma breve pausa para retomar o folego e vi a Miiko trocar um olhar sugestivo com Ykhar e Kero. — Já a minha mãe... Ela nunca falou muito sobre sua família, a maioria já faleceu. A mãe dela era irmã do meu avô paterno. Eu sempre achei meio estranho o lance do incesto, mas... Bem, se eles se amam... então eu não vou criticá-los.

Inspirei fundo, franzindo a sobrancelha. Eu não queria ter falado tudo aquilo. O colar parecia gelo em meu pescoço. Passamos um breve momento em silêncio. Miiko tinha parado de andar para lá e para cá.

— Esse sobrenome... Você poderia repetir? — foi tudo que Miiko disse.

— Gardisto. — eu pronunciei devagar. Todos se entreolharam. Eu franzi a testa, confusa. — Algum problema?

— Gardisto significa "Guardião" em esperanto. — Kero esclareceu. Eu ia perguntar o que isso tinha a ver, mas ele continuou a falar. — Desde que nosso mundo foi separado, existe um grupo de pessoas que são responsáveis por proteger o segredo das fadas.

— Eles são conhecidos como Os Guardiões. — completou Ykhar. — Podemos identifica-los facilmente pelos sobrenomes. A gente te explica tudo isso mais tarde. — a ruiva suspirou pesarosamente.

Juntei as sobrancelhas e cruzei os braços, tentando entender.

— Mundo separado? — expirei. — Ok, então vocês estão sugerindo que a minha família faz parte desse grupo? Sou... Um deles? Uma guardiã? — Arqueei as sobrancelhas. Nada daquilo fazia sentido. Ezarel sussurrou um "Olha, pelo menos ela sabe pensar". Revirei os olhos para ele.

— Sim, — Miiko disse para mim, ignorando ocomentário de Ezarel. — mas isso não explica o fato de você ter sido transportada para cá. Ser um Guardião não te dá passe livre para enxergar os portais ou ser transportado por um deles, mesmo que vocês tenham a benção do Oráculo. Isso está muito estranho. — a líder suspirou. — Teremos que fazer o teste.

Comecei a ficar tonta com tanta informação. Eu estava prestes a perguntar que teste era esse quando Ezarel interferiu.

— Miiko, honestamente isso é perda de tempo. — o elfo parecia bem cético — Ela é humana. O Nevra já nos disse. Deve ser só uma coincidência idiota.

Eu senti um zunido em meus ouvidos e minhas pernas fraquejaram. Por sorte, Leiftan me segurou antes que eu desabasse no chão.

— Estão vendo? Vocês estão assustando a garota. — a moça de pele azulada caminhou em minha direção, o canto da boca repuxado em reprovação. Seus passos eram precisos e apressados. — Ela acabou de chegar e vocês já estão a enchendo de informações!

— Eu tô bem. — minha voz falhou. — É que... é muita coisa pra mim assimilar, entendem?

Miiko se aproximou de mim com passos leves. Ela carregava um olhar preocupado e surpreendentemente afagou meu ombro.

— Me desculpe por essa enxurrada de informações. — ela disse com pena. Depois, seu olhar endureceu. A pena deu lugar a um brilho — Mas estamos no meio de uma guerra e não temos tempo a perder.

— Ah. — é minha única resposta. Finalmente entendi. Entendi porque Miiko pareceu tão assustada quando me viu tão perto do Cristal, que agora eu sabia ser muito importante e vital para aquele lugar. Entendi porque a líder gritara comigo aquele dia e porque me jogaram numa cela. Engoli em seco. — Vocês não acham que eu sou uma espiã, acham? — perguntei num sussurro. Depois eu disso no tom mais sincero que consigo utilizar. — Eu não sou uma espiã, juro que não sou.

Notei que Miiko olhava para o colar em meu pescoço. Ela encheu os pulmões de ar e suspirou, permitindo-se relaxar. Parecia aliviada.

— Tire algum tempo de folga para tentar assimilar tudo isso e me procure no máximo daqui a dois dias, tudo bem? Você pode tirar suas dúvidas na biblioteca com Kero e Ykhar. Eles vão se dispor a lhe dar todas as informações que você quiser sobre nosso mundo. — Miiko olhou sugestivamente para eles, que acenaram com a cabeça e sorriram. — Eu quero ter certeza que você está bem. Eu gostaria que você fizesse alguns exames para checar sua saúde. Ewelein, por favor, acompanhe a Kalina até a enfermaria.

Ewelein, a moça de pele azulada, colocou a mão no meu ombro e me guiou gentilmente até a saída.

— Kalina! — Nevra me chamou antes que chegássemos perto da porta. Eu me virei para ver o que tratava. — Antes de você ir, gostaríamos de lhe entregar isso...

Miiko estendeu um objeto em minha direção e eu quase gritei de felicidade.

— Ah! É meu celular. — eu disse, esperançosa. Fui pegá-lo prontamente.

— Você deixou cair quando chegou aqui. — Miiko falou ao me entregar o objeto. — Nós ficamos com medo em ser alguma armadilha. — ela confessou. — Nunca havíamos visto um dispositivo assim.

— Vocês me julgaram como suspeita só por causa do meu celular? — arqueei uma sobrancelha e tentei encontrar uma maneira de explicar para eles enquanto tentava ligar o celular. — Hahaha, gente! Essa coisinha aqui serve para anotar coisas, ler livros, ouvir música, assistir filmes, ligar para pessoas, tirar fotos, fazer pesquisas, se conectar na internet... Na Terra, todo mundo tem um.

Eles me olharam perplexos, como se não estivessem entendendo nada.

— Mas acho que celulares não tem utilidade em mundos mágicos. — eu dei uma risada triste e mostrei para eles a tela preta. — Estão vendo? Não liga. Deve estar sem bateria.

— Na verdade — Nevra coçou o cabelo, constrangido. — A tela dele brilhava e tinha uma foto sua. Pedia uma tal de senha. Nós tentamos descobrir como essa coisa funcionava por quase uma hora inteira, mas então apareceu uma mensagem escrita "bateria fraca" e de repente a tela apagou.

Meu queixo caiu enquanto assimilava aquelas frases. A informação contida naquelas palavras foi tão surpreendente que eu prendi a respiração. Eu até poderia rir, mas tudo o que fiz foi cruzar os braços de forma hostil. Expirei e encarei todos com um olhar gélido, como se pudesse fuzilar suas almas. Eu tinha meu celular. Não tinha o perdido, como pensei ao chegar aqui. Mas ele estava sem bateria porque os sabichões da Guarda Reluzente.

Era só ter me chamado. — silabei. — Ou não lhe ocorreram em nenhum momento que eu saberia a tal da senha, já que eu era a dona do aparelho?

— Me desculpa... — Miiko disse num sussurro constrangido.

—Tudo bem. — resmunguei e me preparei para dar meia-volta. Hesitei por um segundo. — Vocês vão mesmo confiar em mim? Como sabem que não estou mentindo?

Miiko abriu um pequeno sorriso.

— O colar que eu pedi para colocar é capaz de indicar quando alguém está mentindo. Ele foi feito há muito tempo atrás por um poderoso ferreiro faeliano e arranca toda a verdade da pessoa, seja ela humana ou faeliana. E se, quem está o utilizando insiste em dizer mentiras... a pedra queima sua pele.

— Oh. — eu fui incapaz de dizer algo. Aquilo era sério. Sério até demais. Será que a Guarda era capaz de torturar os prisioneiros a fim de obter a verdade? Uma onda de calafrios percorreu meu corpo. Engoli em seco. — Suponho que o queira de volta, não?

A líder da Guarda Reluzente assentiu. Eu tirei o colar e estendi para ela.

— Até mais, Kalina. — Miiko acenou com a cabeça.

— Até mais. — sussurrei, tonta demais para se importar em sorrir ou fazer qualquer coisa enquanto me virava para sair dali. Fui até Ewelein, que me aguardava na porta. Nós descemos as escadas em silencio, o que não me ajudou muito a acalmar o embrulho no meu estômago.

Havia ido ali atrás de respostas e saí com mais dúvidas do que quando entrei.

— Está tudo bem? — Ewelein perguntou antes de chegarmos na sala das portas. Ou salão principal. Ainda não sabia muito bem como chamar aquela parte da construção. Ela colocou a mão em meus ombros.

A suavidade do toque de Ewelein me fez despertar de meus pensamentos e a olhar pela primeira vez desde que saímos da sala do Cristal. Tudo nela cheirava a confiança e gentileza. Mas antes que eu pudesse responder, segurei na parede mais próxima e vomitei todo meu café da manhã.