— Bom dia gente. – Anita disse brevemente, quando avistou os amigos sentados, em um dos muitos bancos espalhados pelo pátio do colégio, acompanhados também de Monique. Era mais um dia que se iniciava para ela, não que isso afastasse os problemas de antes de sua vista, pelo contrário eles continuavam nos mesmos lugares, à lembrando a cada segundo que alguns precisavam de soluções rápidas e bastante eficazes por sinal. Ela fechou os olhos entontecida por segundos, afundando o rosto contra o ombro de Ben que lhe acompanhava, se não poderia agradecer pela noite um pouco mal dormida, poderia e muito pelo rapaz não ter lhe perguntado mais nada à respeito do que estava acontecendo com ela, ultimamente.

— Bom dia. – Julia e Serguei foram os últimos a responderem algo, praticamente arrastando as palavras com dissabor, pelo visto os amigos também não haviam dormido muito, julgou Anita apenas em pensamentos.

— O que você fez na mão Anita, se machucou. – Monique perguntou com certa preocupação e proferindo com um tom atencioso, ao rolar o olhar um pouco para baixo notando assim a mão da garota enfaixada.

— Ah não, nada de grave. – respondeu Anita recordando com certa vertigem o ocorrido, e com maior inquietação ainda ao lembrar a discussão estupida que havia tido com o pai, aquilo sim estava entalado em sua garganta e lhe fazia sentir que demoraria muito mais que seu machucado para ser digerida com extrema precisão.

— Ok, mais como aconteceu, Anita. – Serguei olhou um pouco perplexo para a amiga, agindo também com zelo e preocupação.

— Ué gente sei lá, pode ter sido uma briga de casal, bom tecnicamente eu não me surpreenderia muito se mais alguém acreditasse nisso... – ela ironizou abrupta e com um veneno evidente, Ben só conseguiu rir na hora de toda situação. – A julgar pelo Hernandez, eu não duvidaria de mais nada... – ela recordou-se indignada da última vez que conversou com o hondurenho, algo muito errado estaria passando na cabeça de Hernandez, algo que nem ela poderia imaginar, mas isso só aumentava o sentimento de revolta que ficava presente em Anita.

— Eu diria que mais que gostar de uma boa briga, vocês gostam mesmo é de fazer as pazes, mais quem sou eu pra me meter. – Serguei sorriu brincalhão, não conseguindo levar nem um pouco a sério o que a amiga havia dito.

— Bom de qualquer forma estou pensando seriamente em esconder todas as facas lá de casa. – Ben sugeriu divertido, preferia pensar que nunca mais veria Anita protagonizar tal feito. A garota lhe olhou torto por aquilo, como era já de se esperar...

— Bom eu vou procurar minha namorada que eu se quer vi hoje, nós vemos na sala. – Serguei levantou pondo a mochila no ombro apressado, provavelmente Flaviana estaria no encalço de Sofia, enchendo-se de falações a respeito de algum empreendimento do projeto de moda da amiga, se entretendo tanto que a fez esquecer do resto, a fixação da morena por moda, era algo que lhe tirava do sério um pouco, mas não custava ele tentar ao menos relevar um pouco, afinal foi também exatamente por essa Flaviana que ele se apaixonou perdidamente meses atrás. – Tchau Monique. – ele cumprimentou a menina em especial já que não sabia se ainda a veria naquele dia.

— Tchau Serguei. – Monique sorriu simpaticamente a ele.

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— Omar conseguiu ligar pro meu pai. – confrontou Ben, extremamente concentrado nas anotações que fazia, pensando ser o garçom quando escutou o ranger da porta se abrindo, mas apenas viu o mesmo silêncio de antes do ocorrido ser a resposta, não muito preocupado o rapaz apenas continuou a se preocupar com os problemas do estoque de bebidas do restaurante que parecia extremamente desfalcado.

Anita sorriu ainda parada onde estava observando o rapaz de costas, tentando ao máximo cada continuar com o total silêncio. – Será que eu posso fazer um pedido mais que especial pro garçom mais lindo. – ela fala sorridente colocando às mãos em seu ombro ao se aproximar ligeira.

— Como você sabia que eu tava aqui. – ele riu virando para namorada de imediato no segundo que escutou a voz dela em seu ouvido.

— Ah Giovana me disse que você tinha vindo ajudar o Ronaldo a pedido dele. – Anita explicou o encarando tranquila.

— Pois é, pra você ver, teu pai que é o contratado, e eu que tenho que trabalhar no lugar dele. –Ben alegou ironicamente, compartilhando do mesmo sentimento do pai, já estava pelas tantas com os intempéries do futuro sogro. – Aliás, eu também quero um emprego desses, só aparecer pra trabalhar quando quero, meu número. – ele continuou impiedoso.

— É eu não sei dele não, pra falar a verdade não sei se isso é bom ou ruim. – Anita respondeu indecisa, realmente já não sabia o que mais esperar de seu pai.

— Caetano realmente é a peça de teatro inteirinha não é, não precisa de ninguém mais no elenco. – Ben criticou veemente o pai da amada. – Ai me desculpa Anita, foi mal, apesar de tudo ele continua sendo teu pai, eu não devia... – o garoto voltou atrás irritado por sua falta de sensibilidade para com a amada que parecia extremamente distante e chateada, à demostrar por seu semblante aéreo e imóvel.

— Tá pode ser, mas eu não quero falar dele não, não agora. – Anita sorri cheia de insistência querendo mudar de assunto com um beijo repleto de carinho, e sem ter como ser diferente o rapaz se deixou levar. – E depois você tem razão, não posso dizer que não, não quero ficar discutindo isso, ele nem merece. – Anita revelou afastando levemente seu rosto do dele esboçando um sorriso confiante. – A gente pode pensar em outra coisa pra discutir, melhor. – concluí entre um beijo travesso.

— Ah não vai dar, eu tenho que ajudar o Omar com as mesas, isso aqui tá um inferno, e meu pai saiu nem sei pra onde, que ele não me disse, só vim mesmo dar uma olhada no estoque porque tava faltando bebida. – o rapaz quis argumentar entre um suspiro frustrado, já que seria tão mais fácil se render ao pedido dela, sem dúvida era o que suas emoções todas lhe diriam.

— E eu, poxa não te fiz um pedido tão difícil assim vai. – Anita o cutucou com uma expressão manhosa ao se aproximar, enquanto seus corpos se chocavam ela o beijava novamente com os braços em volta de seu pescoço.

— Sabe o que é moça, eu tenho uma namorada ciumenta demais, então pedido especial não rola, e eu tenho mesmo que voltar pro salão, antes que eu perca o emprego que nem meu é. – Ben alegou ainda em resistência soltando suas mãos das costas dela, antes que realmente deixasse de lembrar de qualquer coisa, que não fossem tão somente os beijos em Anita.

— E quem disse que ela precisa saber. – Anita persistiu sussurrando contra o ouvido dele. – Não dizem que ela é bobinha que qualquer um enrola fácil, então. – ela falou entre selinhos, e um sorriso divertido que ia ficando em seus lábios.

— Você já veio deicida, vai confessa. – Ben sorriu de canto se afastando um pouco dela, enquanto a encarava com suas mãos repousadas em seu ombro.

— Só um pouquinho. – Anita só riu travessa da situação, achando graça de toda frustração contida no olhar dele por se deixar levar tão facilmente, mesmo contrariado.

— Bom levando em conta. – Ben desistiu de argumentar a puxando pela cintura, entre um sorriso astuto. – Que a gente não se via desde a hora do almoço, não é uma falta tão gravíssima assim. – disse ele entre sorrisos, a erguendo no ar, tão logo lhe colocando sentada sobe a mesa vazia que havia no local.

— Ham, e sabia que eu te amo. – afirma ela não contendo um sorriso iluminado, estar ao lado de Ben sempre seria algo indescritível.

— Não, sou que te amo menina. – retrucou ele a plenos sorrisos, a puxando para si e lhe beijando com intensidade. Um beijo que duraria por uma vida se fosse possível...

— O Ben, ah opa gente foi mal, eu não sabia que você tava aqui também Anita. – Omar alegou pacientemente mesmo diante de sua insatisfação por ter os interrompido.

— Pois é há minutos atrás nem eu Omar, eu já to indo lá. – respondeu Ben com total bom humor.

— Vocês querem ajuda. – ofereceu Anita.

— Você. – Ben a encarou em dúvida.

— Ah entendi não sirvo pra nada então. – Anita ironizou provocativa.

— Não também não é isso Anita. – Omar opinou querendo contornar.

— Ah não, entendi deve precisar de algum charme aparente, principalmente pra ser solidário com todo tipo de cantada, e por aí vai... - debocha Anita. – Cuidado hein Omar, tia Lu òh ciúme em pessoa. – brinca ela.

— E eu lá tenho nada com aquela ali. – disse o garçom completamente avesso a aceitar a provocação.

— É tem não, eu inclusive não tenho nada com o Ben também. – Anita retrucou se divertindo com a expressão decepcionada de Omar.

— Bom o sabe tudo, vamos arrumar o que fazer então, porque cuidar da nossa relação já tá complicado, né dona. – argumenta Ben procurando controlar o riso.

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— Patrão ligou disse que conseguiu resolver o problema lá com o fornecedor. – informou Omar do balcão. Apesar da noite conturbada um sorriso cordial no rosto, diferentemente do amigo, Ben que se quer ouvia o que era comunicado, uma outra cena do lado oposto do salão repleto de cadeiras puxava toda sua atenção.

— E Ben olha a confusão. – Omar alertou, com a intuição lhe aconselhando a pedir que o rapaz tivesse cautela.

— Nenhuma, sério eu to tranquilo. – respondeu Ben de volta querendo manter naturalidade diante do que seus olhos viram.

— E aí gente decidiram. – Anita perguntou, não sabendo ser a terceira ou quarta vez que usava a mesma frase, somente tendo certeza que segurava dentro de si toda aflição contida para tal momento, definitivamente queria ter ignorado o pedido para atendê-los, mas preferiu não ser tão radical e agora só lhe restava o arrependimento.

— Eu to na dúvida, o que você acha amor. – Bruna indaga sentada ao lado de Antônio um sorriso vitorioso em seu rosto, algo naquela cena lhe parecia tão cômodo e proveniente, estava se sentindo vencedora.

— Também Bruna. – o rapaz respondeu tão rapidamente que disfarçou qualquer percepção dos demais de que ele não prestava nem um pouco de atenção em toda dúvida da família. - A garçonete tá apressada. – declarou um Antônio de olhar firme para Anita, apesar disso a moça não deixou de observar com clareza a altivez e altruísmo contidos nele. Anita gelou, se viu desconfortável, e com uma raiva que a medida que ia aumentando também parecia lhe fazer entrar em puro estado de corrosão...

— Tem mais mesas esperando, só isso. – a moça respondeu fria, indiferente, pouco o encarando e sem se deixar intimidar, apesar dos sentimentos contrários dentro de si.

— Você resolveu ajudar o Ronaldo agora Anita. – Hernandes puxou assunto com a garota, mesmo que desde que a viu recebeu um curto e seco boa noite, para ele tal atitude soou tão diferente da Anita simpática e alegre que desde sempre ele estava acostumado a ver. Parecendo estar avesso ao comportamento desconcertado dela, e os olhares de cobiça intimidadores de Antônio e as atitudes exibida de Bruna.

— É pois é, o Zico tá cuidando da mãe no hospital que fez uma cirurgia. – Anita esclareceu apressadamente, com o olhar cravado no caderninho de pedidos rabiscando uma bobagem qualquer no canto da folha, mais num desencargo de consciência em testar a caneta e fugir do olhar dos demais, do que ter mesmo de fato necessidade de o fazer.

— Espero que não tenha sido nada grave. – o hondurenho alegou com cordialidade e com seu bom coração e caráter torcendo pelo melhor.

— Creio que não, algo relacionado a vesícula se eu não me engano, parece que ela está passando bem sim. – Anita rebateu explicativa, mas por tal vertigem e impaciência com a situação decidiu manter o máximo de formalidade. – Então escolheram. – ela questionou insistentemente.

— Esse estrogonofe aqui, parece um bom prato, com a companhia da garçonete seria então o jantar inesquecível. – Antônio agiu provocativo diante do olhar de incredulidade de Anita, que depois de processar tais palavras já nem sabia se explodia de raiva ali mesmo ou simplesmente virava as costas em silêncio e ia embora. Antônio deixou o silêncio perseverar por segundos apenas deixando o olhar debochado e altivo prevalecer

— É, porque você não senta com a gente. – Tita reforçou com total inocência o pedido do irmão, com a doçura de uma criança mal sabendo todo veneno que poderia estar por trás. - Saudade de conversar com você. – a garotinha alega expressado o quanto gostava de Anita, apesar de agora as duas se verem quase nunca, bem diferente de quando ainda moravam juntas.

— Como assim. – Bruna olhou incrédula para a situação exigindo uma explicação de forma abrupta e enraivada.

— Eu acho uma ideia agradável Anita. – Hernandez apoiou a sugestão com simpaticidade.

— Eu não posso Hernandes, nem que eu quisesse, fiquei de ajudar. – Anita garantiu de maneira taxativa.

— Algum problema aqui. – Boa noite gente. – por um centésimo de segundo Anita gelou ao não identificar quem era a figura que chegava repousando a mão em suas costas. Ela não conteve um suspiro duplamente aliviado ao ver Ben ao seu lado. Talvez tudo em seu corpo estivesse em sobressalto devido a toda tensão do momento.

— Não nenhum, só uma indecisão momentânea ao que parece. – respondeu ela cordialmente, lançando um olhar de que estava tudo dentro do normal para ele.

— Entendi. – Ben encarou todos como se quisesse decifrar os pensamentos de cada um. – Leva esses pedidos até a cozinha, que eu termino aqui pra você. – afirmou Ben se mantendo tranquilo mesmo diante do olhar inquieto que o garoto via refletido na forma como a moça lhe fitava.

— Eu vou sim, já venho. – Anita concordou sem pestanejar arrancando os papéis da mão do namorado com pressa, deixando com os demais apenas o silêncio ensurdecedor e agonizante que os uniu.

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— Aff não caiu de novo, vem cá alguém pode ir lá fora e dar um jeito nessa TV. – Giovana reclamava já impaciente, por toda hora estar perdendo as cenas importantes de seu seriado favorito.

— Esquece Gio, nem assim você veria alguma coisa, e por causa da chuva o sinal está caindo, tecnicamente a antena não tem culpa alguma. – Anita alegou entre um sorriso zombeteiro diante do bico enorme expressado pela ruivinha com os braços cruzados.

— Grandes coisas também, nem tem nada que prestes pra assistir, a maioria dos canais está cortado. – Pedro entrou no festival de reclamações.

— Culpa do Ben que não pagou mais a assinatura. – Vítor alegou meio risonho e extremamente entediado com a falta de programação.

— Ah minha, e vocês acham que dinheiro da em árvore pra dar pra tanta coisa assim. – Ben ironizou. – Agradeçam que vocês ainda tem TV pra olhar. – rebateu ele meio risonho diante das alegações folgadas do irmão.

— Ih que, que foi nem olhem pra mim, pra reclamar de internt lenta, porque também mais fácil eu nem pagar mais nada. - Anita não quis nem discutir com os irmãos.

— Também não é pra tanto né gente, depois que a antena antiga estrago de vrz, papai sem dinheiro pra nada se não fosse vocês, nós estaríamos sem TV e sem internet, realidade. - Giovana procurou ponderar antes que os irmãos ficassem zangados de verdade.

— Mais que a internet, tá muito lenta, ah isso tá. – Vitor agiu irredutível.

— Então arruma uma melhor Vitor. - disse Anita jogando o rosto contra o ombro de Ben, pouco interessada.

— E vocês estão tão sem grana assim, mais pra viajar pra Búzios arrumaram dinheiro. - soltou Vitor.

— Vitor, sua matraca. - Gio repreendeu o garoto com um olhar impiedoso.

— Como é que foi isso, pra onde esses dois irresponsáveis foram sozinhos. - Caetano do outro lado do sofá escutou a conversa com desgosto.

— Pronto começou. - Ben revirou os olhos entediado.

— Isso você pergunte a eles Caetano, eu estou indo para o restaurante. – enojado em pensar que o homem arrumaria mais uma confusão em sua casa, Ronaldo preferiu ir embora para o trabalho logo e sem esperar o jantar.

— Vera veja bem como você está criando tua filha, porque desse jeito não quero nem imaginar onde essa menina vai parar. – Vera veio da cozinha com uma tigela em mãos descompensada, enquanto Caetano não poupava nenhuma vítima com suas ofensas.

— Pensar no que Caetano, como você tem coragem de ficar insinuando e ofendendo desse jeito a própria filha, você nem se preocupa com ela de verdade, que todo mundo aqui sabe. – irritado e tomado por completa indignação, Ben ergueu-se do sofá, confrontando o homem nada cordial.

— E eu vou lá discutir com você moleque. – esbraveja Caetano também enraivado.

— Moleque, mais também moleque o suficiente pra assumir o que eu faço, muito diferente de você, e você não vai falar dela assim na minha frente. – Ben perdeu a calma por completo, a situação já havia chegado ao limite, e para ele não dava mais para ignorar.

— Ben chega, para, você sabe que não adianta. – Anita puxou o rapaz o impedindo de continuar com a discussão desenfreada. – Vem comigo, esquece isso. – a garota exigiu puxando o namorado pela mão para fora de casa, restando aos demais o total espanto.

— Você é a culpada disso Vera, sempre fez todas vontades dessa menina. – repudiou Caetano enraivado por ter sido desafiado pelos dois outra vez.

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— Você e o Ben nem quiseram jantar. – Vera interceptou em tom totalmente autoritário, ao notar a presença de Anita arrastando os pés até a cozinha. Na verdade a doceira queria mesmo tratar tais sentimentos que estavam lhe angustiando como pura insatisfação, pois estava lutando com todo seu querer, para não admitir que de fato se encontrava era mesmo bastante preocupada, com a suposta nuvem negra que podia estar pairando impiedosa sob a cabeça de seus familiares.

— A gente tinha feito um lanche antes. – respondeu Anita meio sem vontade. O olhar correndo por toda a cozinha silenciosa, onde somente à mãe terminava de arrumar a louça do jantar solitária. No fundo já adivinhava o que viria depois daquela abordagem aparentemente cordial. Um suspiro desanimado, foi o único afago onde seu corpo demonstrou tudo que estava sentindo internamente...

— Agora vai ser todo dia isso minha filha. – Vera indagou, observando a moça de uma maneira minuciosa, que sem nenhuma paciência para ouvir deu passes até a geladeira a abrindo em seguida, o silêncio ensurdecedor parecia fazer ambas procurarem por respostas dentro de si.

— Mãe é sério que você não consegue entender o tamanho do esforço que você está obrigando todo mundo a fazer colocando meu pai aqui dentro. – Anita confrontou a mãe a altura, mas também parecia sentir que estava a um passe de perder toda sua calma.

— Não foi bem por isso a discussão né Anita, dessa vez teu pai tinha um pouco de razão, eu mesma quando soube dessa história de viagem fiquei aos nervos. – Vera quis apaziguar parte da situação inconveniente vivida antes do jantar em família. Seu dia já não havia sido maravilhosa, talvez tão impasse foi tão somente a gota d’água que falta para tudo transbordar.

— Por que. – Anita perguntou fechando a geladeira e não evitando esconder a expressão carrancuda com que encarou a mãe.

— Como porque, filha... – ela repetiu o questionamento agoniada. - Por favor... – Vera ficou atônita esboçando um leve sorriso de confusão, diante do tom ofendido da garota. – Depois do que aconteceu quando vocês saíram juntos daqui sem o nosso consentimento da primeira vez. – a mulher concluiu tranquilamente.

— E nós voltamos sempre pra essa tecla não é mãe. – Anita não escondeu a indignação, era sempre a mesma história, as mesmas conclusões, regadas das mesmas insatisfações... – Porque você não consegue admitir que meu pai está sendo inconveniente, insuportável, e pior tudo isso... – afirmou Anita praticamente tropeçando nas próprias palavras. – Pra infernizar tua vida, a do Ronaldo... – exasperou a garota soltando o copo sob a bancada da pia, bruscamente.

— Ah sim minha filha, e a preocupação de pai dele onde fica. – Vera não se convenceu, para ela Anita estava tão somente tentando se defender usando os argumentos errados, extremamente errôneos... Uma defesa totalmente natural de quem queria achar justificativas para os próprios erros. – Não seria prático também você e o Ben admitirem que estavam errados. – o boleira acusou, Anita maneou a cabeça enraivada. Não queria brigar aquela hora da noite com a mãe, mas tudo parecia caminhar para isso, por mais que ela se segurasse ao máximo.

— E daí, estávamos sim, por não ter acreditado tanto no mau agouro do mundo, mau carátismo das pessoas... – a moça não estava disposta a se justificar ou mesmo pedir desculpas pela milésima vez, exatamente pela mesma história do passado, ninguém melhor do que ela sabia com precisão sua parcela de culpa por tudo de mal que a atingiu. – Você só esqueceu, que foi eu e ele, que pagamos a conta sozinhos por tudo isso. – disse ela sem deixar de reconhecer seus erros. Uma pitada de insatisfação escapou sem querer, ficando plenamente estampada em sua face desgostosa olhando para a mãe...

Vera deu como próximos passes o silêncio com que encarava a garota, não era questão de discordar ou estar conivente com tais fatos, era a infinita sensação, de que por mais que falasse usando todos os argumentos possíveis, a filha não admitia ou não entendia também o seu sofrimento e decepção por tudo que ela viu Anita passar... A mulher sentia involuntariamente, não conseguia livrar-se de tal sensação...

— Sabe o que eu acho mãe, que qualquer coisa é motivo pra vocês voltarem nesse assunto. – Anita emendou depois do longo silêncio que foi se formando entre as duas.

— Talvez Anita, e vocês também admitam que fazem muito pouco da nossa preocupação. – Vera rebateu incisiva.

— Ah mãe, faça- me o favor. – Anita deu um sorriso sarcástico e descrente. Toda paciência e zelo estava se escapando entre seus como água, sem que ela tivesse mais nada a fazer.

— Minha filha a sensação que eu estou tendo é que simplesmente você quer desafiar teu pai, jogando teu namoro com o Ben a contragosto para ele. – a mulher desabafou extremamente preocupada, sabia o quanto um confronto com Caetano poderia ser muito pior, do que tentar expor suas razões em uma boa conversa. Apesar de toda dúvida, que a mais velha fosse dotada de tal pirraça infantil, Vera não conseguia fugir da impressão que vinha tendo.

— Ahan claro, e o que dói nele, assim como em você e no Ronaldo, é saber que apesar de todos os argumentos contra que vocês sempre jogaram, a ideia de que nós nos amamos de verdade, soa completamente como um derrotismo eminente a vocês. – Anita balançou a cabeça quase não acreditando no que ouvia, à aquela altura não compreendia o porque de tanto surpresa dela, que a mãe colocasse tais fatos dessa maneira.

— Anita não é isso. – explicou Vera com toda atenção. – Eu só estou pedindo que você pegue mais leve, teu pai aqui em casa Anita, e você não sei nem que horas, foi pro quarto das meninas dormir ontem à noite, por mais que Ronaldo e eu já condenamos essa atitude de vocês tantas vezes minha filha. – exclamou a mãe em tom extremamente baixo querendo evitar ao extremo que mais essa informação se espalhasse por toda casa.

— Não, mesmo eu levantei pra pegar um carregador na garagem. – Anita desconheceu o drama da mãe. – E tem mais dona Vera eu sei me dar ao respeito, por mais que nem você e nem ninguém acreditam nisso, por tudo que todo mundo inventa e fala de mim por aí. – justificou uma Anita totalmente estressada. – E outra o Ben nunca ia me tratar como se eu fosse uma qualquer. – ela cansou da falação indignada.

— Não é este o ponto da discussão Anita. – contornou ela pacientemente.

— Ah não então... – alterou-se Anita exaustivamente. – Espera como você sabe que eu tive no quarto dele ontem a noite , quem contou, se você mesmo admitiu que já estava dormindo. – Anita quis entender o que realmente estava por trás de toda fofoca.

— Ninguém Anita, isso não vem ao caso. – fala a boleira, não querendo contar como tomou conhecimento de tal coisa. – Eu só fico preocupada com você, com o Ben, nossa família. – Anita revirou os olhos de cara fechada.

— Ah não e porque pôs meu pai aqui dentro... - E da casa do Ronaldo. – Anita quase cochichou irada. A mãe do podia estar vivendo em uma dimensão muito diferente da dela.

— Filha apesar de tudo Caetano vai ser sempre o pai de vocês, como eu vou virar as costas pra ele nesse momento dificílimo. – Vera alegou com certo sentimento de culpa.

— Meu pai me ofereceu dinheiro pra me separar do Ben. – Anita soltou sem nenhuma cerimonia, era ira e chateação lhe consumindo. – Ele te contou isso também. – a moça questionou com certo deboche na voz.

— Como isso Anita. – Vera se apavorou com a descoberta. Por segundos até se perguntou se tudo não passava de um blefe da filha. Algo provocativo e nada mais...

Anita bufou insatisfeita andando de um lado para o outro. - Olha mãe, apesar de todas nossas brigas, tristezas, até mágoas que você me causou, eu te juro que eu fico tremendamente aliviada de saber que você não foi conivente com isso, eu iria ficar muito decepcionada com o contrário. – desabafou ela. – O que destrói você hein mãe, saber que eu nunca vou permitir que meu pai faça comigo e com o Ben, o mesmo que ele fez a vida toda com tua relação com o Ronaldo, como se você sempre devesse satisfações a ele, você levou dez anos pra assumir teu casamento, sempre enredada na sucessão de desculpas, que ele te obrigou a criar pra não ver o óbvio, ele nunca ia te deixar em paz. – a garota alegou verdadeiramente.

— Isso não é assim Anita. – Vera tentou negar, não podia ver tais situações de um ângulo tão avarento.

— Ah não, é como sempre usando a gente, tua culpa por ter se separado e não dar uma família do jeito que você sonhou pras filhas, as pirraças da Sofia, por não ter o pai sempre por perto, tudo... – Anita reagiu à passividade da mãe com teimosia, talvez se a mãe parasse de se enganar tanto assim. – Tudo, pra te fazer engolir, ele no meio de você com o Ronaldo... Você esperou anos pela conivência dele, pra te dar um divórcio que ele nunca quis te proporcionar, tudo pra que, pra não partir pra um litigioso, pra não encarar que era ele que não tava nem aí pra gente, que o problema da nossa família não era você ter se separado dele, mais sim de fato a ausência dele, os valores dele, a obsessão por dinheiro, a forma torta que ele queria passar pra gente, e coisas muito piores que ainda viriam. – afirma ela esfregando o rosto exasperada, farta... Aquela situação não poderia mais se sustentar ou algo muito pior, poderia estar prestes a acontecer. Vera se calou, engoliu em seco, seu passado conturbado com ex-marido sendo passado a limpo diante das reclamações de Anita, não podia ignorar a veracidade do que a primogênita lhe jogava na cara, isso a mulher também não se sentia a vontade para fazer. Viveu tantas vezes tais cenas com o homem, negar até para ela, naquele momento seria estar cega demais... Seria esconder de si mesma a frustração que tantas vezes a atingiu...

— Eu não vou me render a ele, as vontades dele, a mais nada, e sinceramente eu acho que eu vou também parar de tentar abrir teus olhos pro óbvio, proteger você de algo que você não quer ser protegida. – Anita a encarou cansada, a mãe não queria ver, talvez não importasse mais o que ela dizia. – Eu já sofri demais me preocupando com os outros, com os julgamentos dos outros, eu não vou abrir mão do Ben, é muito mais fácil eu abrir dele, da presença dele na minha vida. – ela alega, a conversa de antes com o pai, perturbando arduamente sua cabeça. - Eu posso estar me sentindo uma droga qualquer, por saber o quanto ele me despreza, e não esta nem aí pros meus sentimentos, pra minha felicidade, pro quanto ele pode ter me feito mal, pela forma e pelas coisas que ele me disse, mais quer saber, que se dane, eu não vou deixar isso me afetar não pelo menos permanentemente, se ele esqueceu que eu sou filha dele, eu posso esquecer que ele é meu pai. – Anita falou, pela primeira vez entendendo o tamanho de sua mágoa com o homem...

— Filha não diz isso, você sabe como é o Caetano às vezes... – Vera se deixou afetar por todo rancor demonstrado pela filha. – Você contou essa história de dinheiro pro Ben. – quis saber ela, sentindo imensa vontade de tirar satisfações com Caetano, ele não podia ter chegado tão baixo.

— Não, e você sabe exatamente porque eu não contei nada, não é. – a moça revelou apática. – Ronaldo iria enlouquecer se soubesse disso, e a última coisa que eu quero é que você me acuse de ter destruído teu casamento, apesar de achar que você mesma esta prestes a fazer isso sozinha.– Anita diz, não preocupada com o quanto seu excesso de sinceridade poderia ser devastador. Tomar toda água do copo que ela mesma havia depositado sobre a pia, parecia ser uma válvula se escape para todo terror emocional que fazia morada em si. – Então quer um concelho mãe, manda meu pai ir embora dessa casa, já teu tempo dele pensar no que fazer da vida dele, porque mais que isso eu realmente não sei como te ajudar, eu já to arriscando demais minha relação com o Ben, escondendo isso dele, então não me pede também pra dizer amém pra todas as sandices do Caetano. – a menina argumentou. – Pensa nisso, por favor. – pediu ela uma segundo vez, lançando a mãe um olhar amorosamente em sua direção.

— Ai minha filha. – Vera implorou por um abraço também preocupada. Talvez também estivesse precisando de um pouco de afago e compreensão.