— Oi, a Julia tá aí. – Anita pergunta de maneira automática e engasgada quando viu a mãe da melhor amiga abrir a porta com um sorriso doce em seus lábios.

— Tudo bem Anita, tá sim no quarto. – a mulher responde normalmente, de imediato não estranhando nada no comportamento da moça parada à sua frente.

— Ham eu, posso falar com ela, você chama ela pra mim tia Rita. – Anita disse avoada percebendo a conversa com o pai ecoando em seus pensamentos sem que ela se concentrasse em mais nada.

— Vá até lá filha, você é de casa sabe disso. – sugeriu ela fazendo um gesto simpático para que a garota entrasse.

— Mas o que houve estou te achando tão pálida, está tudo bem. – a mãe de Julia indagou protetora e um sorriso amigável que escondia preocupação depois de observar, a face da menina expressando tensão e apatia.

— Ah sim, deve ser o calor. – inventou ela sorrido estupefata, de fato estava sentindo seu corpo aquecido, algo que a tencionava, mas tal ocasião podia não estar nem um pouco relacionada com sol forte e iluminado que atingiu todo o bairro naquele dia... Porém sentia-se atingida por um desconforto muito maior, era raiva, muita por sinal, algo que no instante à consumia, à deteriorava, acabava com sua paz... Ela sentia-se impulsiva, uma vontade enorme de despejar o turbilhão de emoções que estava sentindo ao mundo, a vertigem que se apossava de si era tanta que Anita se via pesada.

— Anita... – Julia chamava pela amiga, sentada cabisbaixa na cadeira da escrivaninha de seu quarto sem acreditar no que a amiga lhe contava já há alguns minutos. – Eu, me desculpa, eu to sem reação. – a morena admitiu sentando na ponta do colchão paralisada, era surreal demais. Não seria possível Caetano ir tão baixo, Julia não sabia o que falar que pudesse confortar a amiga.

— E eu com raiva Julia, muita raiva... – Anita levantou o rosto até então apoiado sobre os joelhos, falando com mau humor pressentindo sua voz rouca passando por sua garganta de maneira cortante. O sossego tenso espalhado pelo cômodo dava ainda mais dramaticidade para as poucas lágrimas que escaparam pelo rosto da garota.

— Calma. – Julia implorou e pensando por um segundo que tudo ainda podia piorar.

— Não, não dá... – ela contrariou no instante seguinte com ira, enxugando abrupta, os pingos do choro presentes em sua face, a garota chorava enfurecida, indignada, ainda não havia achado um espaço de realidade em que ela realmente se sentisse triste com a atitude estupida do pai, talvez avesse decepção, não tristeza... Anita já desconfiava verdadeiramente de quem se tratava o pai, agora o que mudaria seria a prova e testemunha completa dela naquela constatação.

Julia continuou ouvindo a tudo estática, Anita por sua vez continuou seu discurso impulsiva, não conseguia parar, precisava botar pra fora de alguma maneira, ou sentia que explodiria, estava pesada, sufocada. – Meu pai pensa que eu sou o que, um nada, uma coisa que ele manipula conforme quer, me comprando, como se eu fosse me vender tão barato, da maneira mais imunda possível. – ela despejou com um nó na garganta, só então percebendo que a vontade de gritar aquilo tudo teria ficado só em pensamentos, estava tão descompensada que sua voz não passava de um simples sussurro.

— Bom, tecnicamente isso... – Julia parou repensando mentalmente o que estava prestes a dizer. - Isso sempre funcionou com a tua irmã, Sofia sempre adorou ser mimada por ele, ele sempre fez as vontades dela, todas, aliás. – disse Julia de uma forma não muito surpreendida.

— Mais eu não sou a Sofia, meu deus que ódio. – Anita não se convenceu, e ficou com ainda mais raiva de pensar que o pai a conhecia tão mal a ponto de lhe comparar com a própria irmã. – É pior Julia, isso só prova que ele não se importa comigo, nem um pouquinho, ele não liga pra aquilo que eu sinto, ele nem sabe o que pode me fazer feliz ou não, ele não está nem um pouco preocupado comigo, apenas com o ego ferido dele. – essa era a explicação real que Anita sempre quis camuflar, Caetano não era só um egocêntrico exibido que não aceitava a esposa ter casado com outro, ele sempre foi um insensível que só se preocupava realmente com seus interesses ambiciosos, e as situações que o beneficiaria de algum jeito.

— Hei amiga, fica calma, você tá muito nervosa, respira, e pensa de cabeça fria Anita, eu te peço. – a outra garota pediu por uma segunda vez, mesmo que pudesse ser ignorada de novo, Julia temia que Anita se deixasse levar pelas circunstâncias de um momento de raiva e piorasse ainda mais sua situação diante do que estava acontecendo.

— Não to conseguindo, eu to sei lá com um monte de coisa misturada aqui dentro e me atormentando sem parar. – Anita alegou sincera a levantar com brutalidade esfregando os cabelos e rosto, sem ver uma solução para o que estava sentindo, ao menos não conseguiria decidir naquele momento, quem sabe mais tarde quando um pouco de seu descontrole passasse.

— Tá bom, vamos conversar lá na cozinha eu passo um café pra gente, minha mãe tinha feito um bolo maravilhoso, tenta se acalmar, por favor. – Julia sugeriu vendo com destreza que a garota não tinha condições de voltar para casa naquele instante, não enquanto estivesse nervosa daquele jeito, podia até fazer mal para Anita, a amiga às vezes já vinha se sentindo mal por conta de seus problemas de saúde e o excesso de estresse, imagina se continuasse cheia de ideias ruins em sua cabeça.

— Será. – Anita agiu com hesitação olhando para a amiga repleta de descrença.

— Claro que sim, vai ao banheiro joga uma água fria nesse rosto, pra arrancar essa raiva toda, e depois a gente conversa com mais calma. – Julia opinou toda cuidadosa, arrancando um sorriso da melhor amiga.

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— Tá tudo bem mesmo. – Ben agiu com insistência em busca de uma resposta esclarecedora da namorada que desde que chegou em casa depois de seu sumiço repentino, ainda se encontrava bastante aérea e quieta... Mesmo explicando com veemência que só tinha ido a casa de Julia, o rapaz parecia ter algo dentro de si que não lhe deixava se convencer.

— Sim... – Anita afirmou, ainda não deixando de usar monossílabos ao se pronunciar, estava um pouco engasgada ainda com a conversa deprimente que teve com o pai, sabia que o homem não era o mais sensato, mas depois de tudo, a proposta de Caetano não lhe soou só como estapafúrdia, mas também como algo muito cruel, demonstrando o que Anita sempre desconfiou minimamente, que o pai era egoísta, e nem parecia gostar de fato dela, só se preocupava consigo e com seu dinheiro.

Calado e levantando o olhar das provas que corrigia, o estendendo todo sob a figura de Anita encolhida na cama, e deitada com a cabeça em suas pernas, enquanto os dois trocavam silêncio mais do que conversavam, Ben por fim só soube suspirar desconfiado.

— É sério tá. – disse ela ao notar a forma como o garoto lhe fulminava nada convencido.

— Também acho, seja lá o que foi que houve, não foi nada pequeno... – retruca Ben de imediato. – Bom... – Pra te deixar assim, pensativa, pra não dizer triste. – acusou ele até um pouco impaciente.

— Claro que não. – Anita negou novamente levantando um pouco o rosto do colo do namorado, se perguntando mentalmente se estava indo pelo caminho certo, talvez... Ou não... Só o que ela tinha plena certeza que contar de fato o que houve deixaria Ben enfurecido, e se chegasse aos ouvidos de Ronaldo seria mais um problema para a mãe pôr panos quentes e destruir sua paz com o marido e pai de Ben... É, era melhor deixar aquilo esquecido, até porque a proposta indecente de Caetano não mudaria nada, ela ainda estaria junto de Ben, nada os abalaria, ela tentou confiar em seu intimo, achando melhor esquecer seus devaneios. – Não é nada, eu devo ter tomado muito sol lá na praia só isso, to um pouco avoada. – justificou ela fortemente.

— Tá certo, não vou mais insistir, por hora. - Ben deu um sorriso como tentativa de amenizar toda pressão imposta a ela. – Você tá um pouco quentinha mesmo. – ele não discordou tocando no joelho dela. Anita o olha por segundos ainda com aquela nuvem negra em seus pensamentos, e sentiu que desejava que o pai nunca tivesse voltado, porque raios ele não continuou viajando pela Europa e gastando seu dinheiro sujo, assim ao menos ela teria paz quando o assunto fosse Caetano e seu mal dizer pra cima de Ben e seu namoro com o rapaz.

— Então. – Ben continuou com a sensação de que tinha algo a incomodando, mas preferiu mesmo deixar subtendido que estava convencido do contrário. – Eu já estou quase terminando aqui, que tal a gente ir no cinema depois, faz um tempinho que nós não saímos. – ele a convidou retomando o olhar para os papéis a sua mão.

— Pode ser, perfeita ideia. – Anita sorri preferindo não lembrar do pai, e de preferência nunca mais, mas sabia que executar a tarefa com tamanha habilidade já seria quase um milagre, porém por hora podia a fazer, porque não. – Eu só preciso tomar um banho, e colocar uma roupa tá... – informa a menina esgueirando o corpo para o chão a procurar seus chinelos.

— Tá bom, mais vê se não demora duas horas, porque só amanhã conseguimos sair. – o rapaz usou de ironia, para pedir que ela não demorasse.

— Que esperto você. – ela riu se sentando na cama a o encarar. – Já venho, prometo. – Anita garantiu o beijando rapidamente e saindo cheia de pressa.

- Oi. – Anita deu um sorriso fraco ao encontrar somente Meg no quarto, a loira parecia concentrada então temeu ter a atrapalhado.

— Ah oi Anita, é... – Meg a fitou indecisa, enquanto via a garota indo até o guarda roupas. – Desculpa ter pego teu computador sem pedir, é que você tinha emprestado pra Giovana, ih bom ela disse que eu podia usar e era mesmo rápido... – ela alega meio atrapalhada vendo Anita voltar com peças de roupas em mãos.

— Tudo bem Meg, fica a vontade. – Anita só se prendeu em sorrir docemente ainda preocupada com o que vestir. – Sofia vive brigando pelo outro notebook mesmo, só porque foi meu pai que deu de presente, aliás, isso meu lembra outra coisa que preciso esquecer. – ela agiu indignada se vendo presa a Caetano novamente. – Quando me mudei pra Bernadete me vi obrigada a ter minhas coisas, bom dividi em quase vinte prestações mais tá dando pra pagar, pode pegar sempre que você precisar, eu vou indo, antes que me roubem o chuveiro, tchau. – despediu-se ela, sorrindo alegremente saindo pela porta levando uma toalha consigo.

— Obrigada então. – Meg falou grata, voltando ao que fazia... Martelando consigo que não era muito difícil de compreender todo encantamento que Ben alegava sentir pela outra garota, sempre acreditou que Anita fosse alguém muito integra, mas hoje sabia que as qualidades da garota iam muito mais além do que isso, era também alguém incrivelmente especial e no fundo queria considerar que um dia as duas pudessem se considerarem amigas uma da outra.

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— Você viu a cara do Ronaldo no café hoje. – Anita comentava com um tom cheio de preocupação passeando pelo corredor da escola com Ben, e pelas suas percepções de mais cedo, a segunda-feira já demostrava que uma semana agitada e cheia de percalços podia estar vindo por aí, e preparar o espirito para os dias de forte tempestade talvez não fosse uma ideia nada ruim.

— Porque, com que cara que ele tava. – questionou Ben imediatamente se vendo um pouco distraído. – Pior é que eu não reparei mesmo, acordei cheio de sono e bastante atrasado. – confessou o garoto.

— Com a mais óbvia possível, diante de tudo que a gente tá vivendo lá em casa. – a garota tenta explicar hábil. – Decepcionado e muito chateado, também incompreendido, não entendendo minha mãe, e pior é que eu fico triste por ele sabia. – Anita disse se preocupando amargamente com os temores que podiam estar invadindo a mente do padrasto, devido a toda situação criada por seu pai.

— É deve ser muito difícil, você ouvir a vida toda que você é um nada, ai de repente... – Ben comentou mais se calou um pouco devido à arrependimento, e em pensar que podia estar magoando a amada com suas verdades, quase sincericidas. – Mesmo depois de todas as burrices do teu pai, ver a Vera pedindo que ele aceite e compreenda absolutamente tudo. – ele completa receoso.

— Pois é, eu no lugar dele estaria até pior, o problema é minha mãe que não vê que isso tudo é um belo de um telhado de vidro, que pra ser honesta já está quebrado a muito tempo, ou seja, quando cair vai machucar muito gente, principalmente ela. – Anita suspira contrariada parando um pouco antes da porta da sala do terceiro ano pensando em fazer um apelo a Ben, quem sabe de alguma maneira não ajudaria Ronaldo a abrandar um pouco suas preocupações... E assim ajudar a mãe de alguma forma, antes que tardiamente ela percebesse que seu casamento não tinha mais conserto, já que Ronaldo não aguentaria tolerar mais nada. – Você podia falar com ele né, quem sabe... – Anita pediu categórica, pois já imaginava que não seria muito fácil fazer Ben se render a seu pedido.

- Olha princesa eu até posso fazer isso, por sentir que talvez meu pai precise de alguém pra conversar, e por mais urucubaca, e torcida contra que ele tenha depositado no meu namoro contigo, eu não desejo jamais que o casamento dele com a Vera acabe... – Ben respondia entre um olhar de seriedade e pura sinceridade na voz. – Mais uma coisa eu jamais vou dizer a ele, fazer meu pai novamente engolir o Caetano em seco, achando que isso é o certo pro bem de todos, isso não... – ele fala realista, não gostava de fato saber que o pai estava sempre sendo desmerecido por Caetano.

– Ao contrário eu não acho que ele tenha que fazer isso, não era pra ter feito nunca, e se essa situação chegou a esse ponto foi justamente porque tua mãe sempre agiu conciliadora demais. – concluiu Ben, deixando Anita apenas emudecida e não vendo como discordar, já sabendo que o amado estava mais que certo com suas conclusões.

— Certo, não tem mesmo como eu dizer que você está errado, vamos pra aula né, ih deixar o resto pra depois. – preferiu Anita tocando de leve o rosto do namorado e o conduzindo pela mão rumo a porta da sala que estava próxima.

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— Anita que bom te ver. – Caetano chegou logo correndo até a cozinha quando avistou a filha.

— Oi. – Anita respondeu meio fraca erguendo o olhar de leve, já prevendo que o sorriso empolgado no rosto do homem significava também o tamanho da vitória que ele achava que havia conseguido ter, pondo um fim em seu namoro com Ben.

— Você não deveria estar no colégio ainda. – Caetano ficou sem perceber nada de estranho no comportamento da filha e buscou uma abordagem simpática.

— É, mais o terceiro ano não teve a última aula, professor não veio, parece que está com dengue. – a moça disse continuando séria, e mais preocupada com o frango que cortava pro almoço.

— A triste realidade das doenças tropicais desse país, e também já alertei que esse colégio é muito pouco pras duas, mas tua mãe não ouve, você e sua irmã podiam estudar em colégio melhor. – ele desdenha altivamente.

— Não acho, e depois eu sempre gostei do ensino do Destaque. – Anita agiu sem humor e mais ainda sem um mísero resquício de paciência para ouvir os achaques de seu pai que eram sempre os mesmos.

— Amor você... – Ben teve o desprazer de vir do quintal chamando pela moça e dar de cara com a presença do homem na cozinha. – Oi Caetano. – fala ele somente por educação já que tinha certeza que não obteria nenhuma cordialidade da outra parte.

— Que foi. – Anita pronunciou escancarando um sorriso.

— Eu deixei a roupa toda lá na máquina lavando, como você pediu. – Ben olhou para a garota não gostando da sensação de ser observado, ainda da maneira intimidadora e nada cordial com que Caetano olhava para si conversando com a filha, enquanto também um silêncio constrangedor se instalava...

— Eu vou aproveitar o tempo vago e vou conversar com meu pai lá no restaurante, ou você vai precisar de ajuda aí. – continuou ele entre um suspiro nada paciente, mesmo que quisesse estar ao máximo calmo e equilibrado, sabia que não conseguiria... Ao menos não enquanto Caetano estivesse parado tão perto de si, com os braços cruzados e uma cara amarrada que demostrava mais do que ira, o pai da namorada estava era também lhe odiando com todas as forças, disso Ben já sabia, mais com certeza o fato havia piorado consideravelmente depois dos acontecimentos presentes.

— Não, vai sim. – Anita concordou com um ar sorridente ignorando qualquer mau humor do pai. – Tia Lu ligou e disse que vai vir me ajudar, não sei se isso é bom, mas, em todo caso. – informou ela brincando, já que dentre tantos talentos, o dom para a cozinha era de fato um que Luciana não havia desenvolvido muito bem, apesar de sempre estar prontíssima para ajudar quando precisassem dela e pronta para dar o seu melhor.

— Ok. – Ben riu distraído da observação da namorada. – Então eu volto pra almoçar com você, antes de ir trabalhar. – promete ele se aproximando dela alegremente. – Beijo. – despediu-se ele, mesmo hesitando com um beijo rápido mais carinhoso.

— Feito então. – Anita aceita sorrindo, mesmo não deixando de notar o mal estar do pai e sua cara de ojeriza perante a cena.

— Você não teve tempo ainda pra resolver aquele assunto. – Caetano tão logo perguntou com sua curiosidade aguçadíssima logo que viu Ben atravessar a sala e sair de casa fechando a porta.

Anita olhou para o pai pensativa e tão logo desviou o olhar. - Assunto? – Que assunto, não entendi. – Anita foi cínica, caminhando até a geladeira para apanhar os ingredientes que usaria no preparo do almoço.

— Como que assunto minha filha. – Caetano gesticulou um pouco afoito, impossível ela esquecer tal fato tão depressa. – Aquele que nós conversamos e resolvemos. – contrapões ele já meio nervoso.

— Ah será que eu faço frango refogado, ou frango assado com batata hein. – Anita continuou dissimulando fingindo estar mais interessada no cardápio do almoço que na conversa dele, e no fundo estava, sabia que nada de bom poderia sair daquela conversa, à moça sentiu uma forte pontada do lado da testa que significava que uma longa e severa dor de cabeça podia estar a caminho.

— Anita Figueiroa... – Você pare com este teatro ridículo, você sabe do que eu estou falando... – o empresário agiu em pura raiva diante do descaso da filha, que por sua vez parou escorada na pia estampando dessa vez um sorriso debochado em sua face, toda loucura do pai tinha tirado seu sono desde o dia anterior, mas Anita estava disposta para fazer de tudo e jamais demostrar a ele o tamanho da mágoa e abalo que se encontrava entranhado dentro de si.

O lugar tácito segundos depois, só aumentava o descontrole do homem pelo o que se passava...

— Do fato de que nós tínhamos um acordo, você iria terminar com o mulambo filho, este foi nosso trato em troca... – Caetano dizia exasperado, mas Anita o interrompeu o fuzilando irada.

— Você comprar minha alma, meu livre arbítrio... – explicita Anita, em um tom voraz, e pensando não ter mais como controlar os sentimentos contundentes que circulavam dentro de seu peito.

— Não, imagina minha filha. – disse o homem se retratando e fingindo até ofensa. – Eu só acho um trato justo. – pondera amigavelmente ele.

— É, e você acha mesmo que eu valo tão pouco assim, algo barato supérfluo que você desdenha e manipula como você acha melhor. – Anita solta enraivada, e de fato não havia notado que tinha cuspido tais palavras com a voz tão carregada e elevada. – Eu não to a venda pai, o que eu sinto pelo Ben não está à venda, e isso só prova que você me conhece muito mal mesmo não é... – a garota diz magoada, talvez nunca tivesse se sentindo tão abalada com relação ao pai como agora, conhecia de cor seus desvios de caráter, mas aquela atitude não tinha só a deixado indignada, mas também profundamente entristecida. Era mais do que não concordar com suas atitudes e escolhas, era como não a amar de verdade, não se importar de verdade... Caetano mudo pensava em uma explicação que o defendesse e até justificasse o pedido transloucado, Anita não aguentando olhar na cara do homem, virou-se para a pia, fitando por segundos somente o vazo com violetas de cor lilás que a mãe cultivava sob a bancada.

— Hora minha filha, não seja dramática, e ingênua também, bom isso já é algo irreversível em você... – ele ficou impaciente, depois de entreolhar a menina que lhe dava as costas sem cerimonia.

— Já em você, irreversível é a falta de caráter. - Anita rebateu com certo desprezo e á altura, sem medo algum. – Ih me conhece muito mal também né, eu nunca iria compactuar com uma sandice dessas, você é ridículo. – esbravejou ela esfregando os cabelos em perfeita tensão e voltando a encara-lo de novo quando virou o corpo bruscamente.

— Mais você tinha concordado. – Caetano disse alterado, não imaginava que a filha teria tanta coragem para o peitar solitária.

— Surpresa, te enganei. – Anita admitiu deixando uma risada escapar, um riso que escondia a malícia de um triunfo que ela nem sabia se queria. – A minha maior vingança, foi deixar você achar que tinha vencido, precisava ver a tua cara. – completa ele sorrindo astuta, enquanto cruza os braços o encarando firmemente, não deixando transparecer qualquer sentimento que não fosse o de indiferença.

— Mais você não pode ter feito isso, você está pensando o que sua moleca atrevida. – Caetano gaguejou irritadiço com o que a garota acabava de confidenciar sem nenhum arrependimento.

— Ah eu fiz, e como eu fiz. – repetiu Anita sem medo o lançando também um olhar de total deboche. – Eu não estou à venda, e você pode esquecer essa estupidez de me separar do Ben, porque isso não vai acontecer... – despejou ela repleta de raiva, uma raiva que não dava mais para segurar, á consumia e á descontrolava, fazendo seu peito quase explodir. - Pode esquecer, porque eu não vou me vender tão barato assim, o que você fez foi desprezível. – afirma Anita o encarando com rigidez.

— Anita. – ele repreendeu enfurecido, deixando seu quase grito ser guiado pela casa.

— Mais quer saber... – prosseguiu Anita sem nenhum remorso, ou mesmo pensando que estava perdendo o controle de suas ações naquele momento, devido a todo sentimento desregrado que a guiava. - Tá aí, eu não posso mais negociar algo com você, sendo que há muito tempo eu entreguei a outra pessoa... – a garota sorriu vitoriosa diante do pai, que buscava controle e argumentos que o impedisse de explodir, por culpa segundo ele de toda empáfia de Anita. – Minha alma pertence ao Ben, e eu não vou desistir dele e nem do que eu sinto, por mera mesquinharia tua... – garantiu uma Anita que sabia que arrependimento não caberia em tal frase dita com tanta confiança. – E como diz a Bernadete, recalque porque minha mãe preferiu o Ronaldo. – disse ela não se preocupando com nenhum zelo por talvez estar sendo dura demais.

— E eu posso, posso ver que você só pode estar senil Anita... – Caetano viu a garota lhe atingindo em cheio, Ronaldo era um “nada”, um qualquer... Como assim? Vera podia ter optado por ele, um pobretão sem endereço, que praticamente ralava durante o dia para ter o que comer no dia seguinte, como assim... Ele ao contrário do padrasto das filhas, era rico, tinha uma boa condição, e o que a ex-mulher preferiu, morar num bairro qualquer, e também trabalhar que nem uma escrava morando numa casa velha qualquer, nunca, mas nunca que veria ou teria explicação para aquilo, não havia, ele nunca se conformaria, não enquanto não provasse que era muito melhor e capaz que Ronaldo... Anita continuou imóvel o encarando com a justificativa que recebeu.

— Uma fedelha estúpida e ainda por cima burra. – o homem perdeu a cabeça e o senso de realidade, o despeito o corrompeu por completo. - Pois lembre-se que depois quem conserta as tuas trapalhadas sou eu, e meu dinheiro sujo do qual você tanto abomina... – garantiu Caetano furioso por bater de frente com a filha. – Lembre-se que foi ele que pagou o advogado que tirou aquela vergonha exposta da internet, quando você resolveu agir pior que uma biscate, em prol desse amor todo por esse, esse... – dispara ele não contendo sua ira, ou a força e tristeza que tais revelações podiam causar em Anita. Uma Anita que o olhava friamente sem demonstrar o que sentia de verdade, havia aprendido muito habilmente e principalmente nos últimos tempos a esconder o que sentia ou aonde de fato doía, sempre se considerou a mais fechada da família, aquela que não se abria com ninguém, nunca soube lidar com a chateação por causar uma preocupação aos familiares, Anita havia se acostumado com o posto de ser a conciliadora e a solução para os problemas dos irmãos e dos pais...

Não tinha espaço para que ela os causasse problemas, e que necessitasse de ajuda para os resolver, não havia também sensibilidade para que eles se tocassem disto sem nenhum alerta expressivo... Ela precisava sempre estar pronta e firme o suficiente para ajudar a mãe e os demais, isso gerava esquecimento de sua parte consigo mesma, era um fato, mais até então ela nem ligava ou mesmo se importava tanto assim, mas agora a garota sabia que depois de tudo que passou algo havia mudado dentro de si, o descaso e a forma errada como vinha sendo interpreta desde que tudo começou a desandar para si, a fez ver as coisas de uma outra perspectiva, não podia negar... E se era um pedido de socorro claro que eles precisassem para verem que ela não se encontrava em um bom momento, era tudo que eles também não iriam ter, até porque piedade ela também não queria, além disso, estava cansada de ter que abrir mão de si mesma, e sempre não ser ouvida ou mesmo ver um laço se quer de preocupação demonstrada ao seu respeito. A frieza da moça estava ficando cada vez mais aguçada, e não seria para Caetano que ela demostraria qualquer tristeza ou arrependimento pelas escolhas que fez, sabendo plenamente suas consequências, estava vacinada contra isso... E talvez também soubesse o que o pai pensava de si depois do que aconteceu, Caetano pensava o que todo mundo já lhe dizia na cara, sem remorso ou mesmo arrependimento. Ela era uma simples sem vergonha, que não ligava para seus atos, por isso tinha sido vítima da armadilha que Antônio lhe preparou tão agilmente. Ponto do qual elas também desconheciam, o nome de seu carrasco e causador de todo mal que se abateu em sua vida. Mas era isso, as pessoas infelizmente, ou a maioria delas, tinham a péssima mania de tirar conclusões horríveis de uma história a qual só conheciam o primeiro parágrafo... E Anita sabia muito bem disso, havia sentido na pele...

Palavras não nos atingem fisicamente, mas podem ter um peso inigualável sob nossa alma. Caetano com certeza era alguém que não sabia disso...

- E como se não bastasse minha vergonha de ter uma filha na boca do povo, servindo de risadas a qualquer um, a tonta ainda enche a boca pra dizer que ama esse moleque imbecil, que a ridicularizou ao máximo, pela visto tomou gosto por ser apontada na rua, a chacota de geral, por conta de um amorzinho insano, por um garoto que daqui uns tempos arruma outra melhor, e a descarta como se ela fosse um lixo sem importância, é muita ingenuidade mesmo minha filha. – ele concluiu desnorteado pelas escolhas feitas por Anita.

— Você não tá dizendo nada que eu não soubesse, e quanto ao teu dinheiro eu não te pedi pra tirar vídeo nenhum da internet, e você nem fez isso por mim que eu sei. – entrepôs Anita depois de ouvir tudo atentamente e emudecida... Nem juntaria palavras que explicassem a sensação de decepção, rancor, mágoa, tristeza e incômodo, que a abatia como um furacão sem controle que tudo leva por diante naquele segundo, seus sentimentos estavam que nem cacos quebrados e espalhados pelo chão, sabia disso, mas não queria pensar ou mesmo sentir aquela confusão toda.

— Não mesmo. – não desmente. – E se fosse por você deveria ter deixado, não movido uma palha, quem sabe assim aprenderia a não ser idiota mais uma vez. – o homem alegou sem piedade.

— Não foi culpa dele, o Ben não teve nada a ver com aquilo, já te disse milhões de vezes... - Ih só que você e nem ninguém param pra escutar ou me entender né. – respondeu Anita com toda calma que encontrou, sob os olhares de um Caetano nervoso e sem dó.

— Claro que a culpa não é dele, é mesmo tua que se quer sabe se dar ao respeito. – repudiou Caetano de volta cheio de sarcasmo.

— Já acabou, agora pode ir. – demonstrando estar serena Anita mostrou a saída para o pai lhe, lançando um olhar firme.

— E quanto a meu dinheiro, acha que pode me enganar desse jeito e ficar assim. – pergunta ele, se Anita não queria lhe atender, daria a batalha como perdida por enquanto, mas jamais a deixaria usufruir de seu cheque polpudo, enquanto dizia em sua cara que namoraria Ben assim mesmo sem ligar para sua opinião.

— Ué você não disse que eu podia fazer o que eu quisesse, pois é fiz. – Anita atropelou sorrindo ácida, calçando as mãos na cintura.

— O que, usar pra desfrutar de uma boa vida enquanto se esfrega naquele moleque, ah isso não. – ruborizou ele nem querendo cogitar a hipótese, já havia aceitado uma cota grande de desaforos dela por um dia só, isso já era demais.

— Fica tranquilo, eu não quero e tenho certeza que nem o Ben aceitaria teu dinheiro sujo. – discursou Anita sem remorso algum. - Doei pra o orfanato e o lar de caridade do bairro, quem sabe assim não vem um pouquinho de agradecimento de lá de cima pra você né, deve tá precisando. – ela fala segura de si, ao menos alguém iria se beneficiar de fato com alguma atitude do pai, já que ajudar um outro semelhante, não era algo que Caetano faria, sem ganhar uma grande recompensa em troca, o pai era movido por interesses, os seus, o egoísmo era algo entranhado em seu caráter. O dinheiro que não era nada honesto ao menos ajudaria, o lar onde Julia costumava visitar realizando alguns trabalhos voluntários.

— Que disparate, era só o que me faltava, eu ajudando órfãos, e pobre preguiçoso. – gesticulou ele ainda mais indignado.

— Pois é, tão irônico. – Anita foi cínica com a resposta. – E ah tem mais, para te tentar atrapalhar minha vida, me deixa em paz, eu não quero mais nada de você pode ter certeza, se você já perdeu tua compaixão comigo, pode ter certeza que eu posso fazer o mesmo, mesmo que demore. – avisou ela decidida.

— Pois não seja patética minha filha. – Caetano cogitou achar que a moça estava sendo dramática apenas, ela não teria coragem de tal ato, não cortaria relações com ele por uma coisa tão boba, o homem não julgou que ela estivesse tão magoada assim, na verdade ele era racional demais pra cogitar.

— Mais estou sendo, e eu juro que se você resolver aprontar mais alguma, eu conto tudo pra minha mãe e pro Ronaldo, ai vamos ver como você vai se virar sem a proteção da minha mãe pra continuar fugindo de pagar por tudo aquilo que você deve a justiça. – Anita discursou altivamente

— Sua fedelha, você está me ameaçando. – Caetano esbravejou sem se conter.

— Interpreta como você quiser, eu não ligo mais. – ela garante com toda indiferença que conseguia, e junto um olhar severo e sem arrependimento.

— Pois eu também não ligo, moleca atrevida , também o que esperar, tua mãe sempre deixou você fazer tudo o que queria, deu isso. – retrucou ele nervosamente.

— Até que você prove ao contrário, o que pode demorar muito, eu posso sim. – Anita continuou a lhe desafiar sem medo algum, a voz trêmula que saía rasgando por sua garganta não se tornou um impedimento para que ela continuasse.

— Eu vou embora, porque já ouvi demais, francamente. – Caetano optou por uma retirada estratégica naquele momento, vai que Vera aparece mesmo e no calor do momento Anita cumprisse a ameaça e gritasse aos quatro cantos o que ele havia lhe imposto, por hora a desistência era o melhor caminho. – Mais nossa conversa não acabou, pode ter certeza. – alertou ele taxativo.

— Da minha parte sim, e pra sempre... – Anita afirmou sem recuar, buscando no ato de prender o ar dos pulmões uma tentativa de desacelerar o coração dentro de seu peito.

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— Porque você está querendo saber se eu estou bem filho, a Vera comentou algo. – Ronaldo indagou com impaciência, mesmo querendo concentrar toda sua atenção nas contas que fazia e não na pergunta quase fora de momento do filho.

— Não, mais ela devia de ter falado alguma coisa. – respondeu o rapaz com certa insistência, aumentando seu nível de desconfiança depois das palavras do pai, talvez o discurso de mais cedo da namorada tivesse seu fundo de verdade.

— Ok, então será que eu deveria de devolver a pergunta meu filho. – Ronaldo o encarou meio sem delicadeza para lidar com o assunto. Realmente tudo que envolvia o nome de Caetano não lhe descia mais nem um pouco, estava farto, insatisfeito ao máximo em ter que lidar com qualquer coisa que envolvesse o ex- marido de sua mulher. – Você se encontra ótimo, principalmente em saber que nesse momento, Caetano deve ter arrumado um bilhão de soluções pra te tirar a Anita, de se vingar filho, ou você acha que vai ficar por isso mesmo. – Ronaldo esqueceu o trabalho a ser feito por hora, e devolveu a pergunta até um pouco irônico.

— Ele não pode me tirar uma coisa que nunca foi dele, ele não manda nela, e se ele não sabe disso ele vai ter certeza em breve, pode acreditar. – Ben alegou, e não conseguiu disfarçar o sorriso altivo e despretensioso que se formou em seu semblante mesmo sem ele querer.

— Amar realmente nos faz mais tolos do que somos Benjamim... – recitou o pai, sabendo que o rapaz podia estar se enganando sem querer, Caetano não era tão bom perdedor assim, e ele tinha anos de “escola” para dizer isso, não era de hoje que Ronaldo aturava os desvios e loucuras do homem.

— Tá bom, meu nível de sentimentos e envolvimento com a Anita, pode até estar me causando algo parecido com demência incurável, mas... – talvez Ronaldo tivesse mesmo razão, quando o assunto era a garota Ben tinha mesmo bastante dificuldade em manter os pés fincados no chão. – Não é essa a questão, mas sim o fato de que ele não tem o poder de causar da noite pro dia, que ela me esqueça ou que eu a esqueça, o poder de apagar tudo que nós vivemos definitivamente não está com ele pai, e nunca vai estar. – afirmou Ben totalmente confiante, e um sorriso que continha e refletia a total lembrança de Anita em seus pensamentos.

— Pois eu não queria estar na pele de nenhum de vocês dois... – Ronaldo tratou logo de deixar o filho com os olhos bem abertos para o mal caratismo do pai da namorada.

— O que ele pode fazer pai, trancar ela de novo na maior e mais protegida cobertura de luxo, que o dinheiro podre dele pode comprar, não é muita coisa... – disse ele desafiador. – Eu roubei ela uma vez, posso muito bem fazer de novo... – declarou ele enquanto sorri zombeteiro, para o nervosismo de Ronaldo.

— O que só demonstra que você continua sem juízo algum. – Ronaldo agiu repressor, mas o lançou um sorriso protetor.

— Tá bom pai, pode até ser, mais eu não vim falar de mim, ih sim de você. – respondeu Ben. - Se você está assim tão incomodado com essa situação, porque não manda o Caetano ir embora, porque aceita isso de bom grado. – o garoto quis saber.

— Como se a Vera me ouvisse. – Ronaldo proferiu estarrecido.