E se tudo mudar?

Amélia Hope Cahill


Vesper Dois consultava documentos consecutivos em seu escritório, pretendia encontrar o ponto fraco de Damien. Mas uma chamada de vídeo a distraiu.

Solicitação de videoconferência, Vesper Cinco — uma voz eletrônica avisa.

— Isabel Kabra?

— Ah, sim. Alguma novidade?

— Como disse que devíamos informá-la, liguei para dizer que os homens sequestraram a garota e retornaram a base nesse mesmo instante.

Isabel franziu o cenho demonstrando-se um pouco incrédula, mas ainda assim podia sentir seu coração pulsando rapidamente com o impacto de tal notícia, ainda que duvidasse um pouco tinha Amy Cahill em mãos.

— Amélia Hope Cahill... tem certeza de que é ela?

— Como pode perceber, as chances não foram cem por cento concretizadas. Para termos realmente certeza algum de nós terá de comparecer a sala em que ela e os agentes se encontram.

— Vá primeiro, tenho que checar algumas coisas.

— O.k., assim que confirmar, tentarei entrar em contato o quanto antes, e antes que eu desligue, ela se encontra na sala 31 — ele desligou a chamada e foi rumo à resposta de sua dúvida.

Vagou silenciosamente com passos curtos e naturais, andou por corredores e mais corredores, portas e mais portas, tudo em um branco repetitivo. Se não fosse pelos anos de convivência naquela base, ele certamente se confundiria com a mesmice do ambiente. Afinal era somente mais uma das estratégias Vesper.

Se o inimigo invadisse uma de suas bases — o que era extremamente difícil —, a confusão do ambiente iria o tomar até que fosse encontrado por um agente ou segurança.

Ao chegar, Vesper Cinco abre a porta abruptamente e mira o olhar nos três agentes que se encontravam ali.

— Então quer dizer que pegaram a menina Cahill, não é mesmo? — pergunta mais para si, andando em direção à garota que se encontrava ainda inconsciente em uma poltrona.

— Sim — os três dizem em uníssono e convictos de sua resposta.

Ele fita a face da garota ali presente ainda não demonstrando alguma expressão. Volta o olhar para os homens e explode.

— Essa não é Amélia Cahil, é Natalie Kabra! — os três agentes arregalaram os olhos espantados e assustados mirando o rosto da jovem.

— M-mas...

— Sem "mas"! — ele corta um deles — Como me explicam tamanho erro?! Amy Cahill é ruiva!

— E-estava escuro e...

— E a lanterna?! Vocês têm noção de tudo que puseram a perder?! Claro que não!

— É-é que...

— Guardem suas explicações para Isabel Kabra, veremos como ela irá reagir quando descobrir que sequestraram Natalie — com essa última fala ele caminha em direção à porta novamente, mas ao abrir deparou-se com Isabel.

— Eu escutei "Natalie"? — ela pergunta mirando o rosto de Vesper Cinco.

— Espere para ver a tremenda idiotice que eles cometeram — e sai pelos corredores.

Ela entra e quase como num gesto automático volta seu olhar para a menina. A fúria em seu olhar era visível, seus músculos enrijeceram. Nunca fora uma mulher que dera muita atenção ou carinho aos filhos, mas ver Natalie naquela situação a deixou desnorteada. Nunca achou que pudesse existir algum resquício de amor por eles e até aquele momento ela comprovava isso, porém em nenhum momento se passou pela sua cabeça que realmente teria de presenciar Ian ou Natalie assim, não sentiu compaixão pela filha nem quando atirou no pé da menina.

O que está acontecendo com você Isabel Kabra?; perguntou à si mesma.

— O.k., o.k. — ela repetia entre a respiração pesada e compassada, andando pela sala — ...vamos, quero uma explicação — disse tentando se controlar para não atacar os agentes.

— B-bem..., estava tudo correndo perfeitamente até chegarmos ao corredor dos quartos, não tínhamos nenhuma fonte de luz porque a lanterna caiu no jardim e não encontramos — disse um deles. — E como não sabíamos a aparência física da garota, acabou que...

— Acabou que vocês cometeram isso!

— C-conseguimos deixar o bilhete...

— De quê adianta o bilhete se eu não tenho a garota?! E antes de vocês viajarem, eu expliquei a localização do quarto! — Isabel pretendia continuar a falar, mas Natalie começou a se mecher recuperando um pouco os sentidos. — Levem ela imediatamente para onde o menino Cahill se encontra... e antes que se esqueçam, isso não vai ficar assim — saiu rapidamente do ambiente antes mesmo dos agentes e se encaminhou para o quarto de Dan.

Abriu a porta bruscamente e encontrou um garoto surpreso.

— Agora é assim?! Você entra sem mais nem menos, e se eu estivesse me trocando? — pergunta Dan.

— Não me venha com suas repostas agora Dan Cahill, eu vim para lhe avisar que não sequestramos sua irmãzinha — ele a observou aliviado pela notícia, mas temeu um pouco a expressão de fúria que Isabel mantinha em seu rosto —, isso é só uma questão de tempo — assim que saiu do quarto se dirigiu aos agentes responsáveis por Natalie. — Deixem-na aqui mesmo, quero ver eles se surportarem. — E saiu definitivamente.

Dan permaneceu quase hipnotizado pela figura que um dos homens levava para o quarto. Não acreditava no que seus olhos captavam. Assim que o homem saiu, ele foi de imediato ao lado da cama.

— Natalie? — ele pergunta confuso.

Recebe apenas gemidos de um despertar como resposta, ela movia a cabeça de um lado para o outro e fechava as mãos em punhos agarrando o lençol, como se estivesse tendo um pesadelo.

— Não... n-não... — ela sussurrou ainda com os olhos fechados.

Dan estava desesperado, não sabia o que fazer. Parecia que seu corpo não respondia aos comandos do cérebro.

— N-nã...não... n-não me levem... — continuou sussurrando — D-dan... onde... e-está? Dan...

— Natalie! Natalie... — ele começou a balançar a garota, com cuidado, para acordá-la.

— NÃO! — ela acorda assustada com os olhos cor de âmbar ligeiramente abertos e com os batimentos cardíacos acelerados. Se vira para Dan e ambos não conseguiram conter o abraço, mas após poucos segundos ela recupera a sanidade (digamos assim) — Me solta! — grita se soltando dele.

Ele se afasta.

— Ah, claro, essa é a Natalie que eu conheço — diz sério.

— O que está fazendo aqui? — pergunta calma tentando compreender o que se passou nas oras tomadas pelo "sono".

— Ah, não sei, acho que fui sequestrado pelos Vesper — fala com um tom de sarcasmo.

— Troglodita. O.k., se não quizer me explicar civilizadamente, eu mesma procuro explicações — ela se levanta rapidamente esquecendo-se que passou várias horas inconsciente e o seu corpo ainda não havia se adaptado. Deu apenas um passo e cambaleou para o lado, foi impedida de cair porque o garoto a segurou, ela recuperou o equilíbrio e novamente se soltou —, não quero sua ajuda Cahill.

É, realmente não mudou nada...; pensou Dan.

Natalie encaminhou-se para a porta e começou a socar a madeira, de seu modo, para não quebrar as unhas, gritando "eu quero explicações!", "seus imbecis, me soltem!", "vou entrar em contato com meu advogado!", "onde está Ian?!".

— Quer parar? — pergunta o garoto puxando um de seus braços para evitar que ela continuasse a bater.

— Solte-me!

— Eu solto quando você parar de bancar a louca!

— Ah, claro, agora eu sou a louca aqui!

— Não sou que estou batendo na porta e gritando sem parar.

— Só estou fazendo isso porque você não quis me explicar nada! — Natalie o encara com o olhar semicerrado. — Me solte... — fala mais calma.

Ele a solta.

— O.k., eu te falo tudo.

***

Amy recuperou-se um pouco após o longo banho que havia tomado, minutos depois de se vestir escuta batidas vindas da porta.

— Entre.

Ian Kabra aparece, não demonstrava nada em seu rosto, apenas estava sério. Ela notou que ele também havia tomado banho, afinal suas roupas foram trocadas.

— Amy, acho que está na hora de avisarmos os outros sobre a... Natalie — apenas em pronunciar o nome da irmã ele se sentia mais... vulnerável.

"Ian kabra demonstrando-se frágil?", não sabia o que era — consciência, delírio ou uma simples pergunta —, mas as mesmas palavras retornavam cada vez mais frequentes aquele dia; "É um Lucian, os Lucian não são fracos, não demonstram sentimentos, você é uma vergonha aos seus ancestrais."

Não tentava reprimir tais frases, aceitava como um castigo, uma punição. Uma punição por ter feito tanto mau, por ter sido tão frio, por não ter feito o que realmente queria, apenas viver condicionado às ordens de Isabel.

— Ah, sim.

O centro de comando ocupava metade do último andar da mansão — o cômodo antes servia como um dos outros três salões de festas. — Incrivelmente equipado assim como o da mansão Cahill em Attleboro. Enormes telas digitais ocupavam quase todas as paredes, muitos computadores, nos quais, eram de conhecimento somente dos Cahill, entre outros aparelhos.

Aos poucos as telas começavam a transmitir imagens de pessoas conhecidas — Sinead, Hamilton, Jonah, Alistair e Fiske — todos pareciam confusos.

— Olá senhor Kabra — disse Fiske.

— Olá.

— Então, para quê nos chamou? — Alistair perguntou.

— Queremos informar um novo sequestro — interveio Amy quado percebeu que o moreno hesitava.

— Como? — perguntaram juntos, mas somente Sinead continuou. — Qual o caso em questão?

'Peraí, onde está a Natalie...? — Jonah perguntou, mas obteve sua resposta ao receber os olhares de Amy e Ian.

— Ah..., alguma possibilidade de estar no mesmo lugar que Dan?

— Isso é óbvio, Hamilton! — Sinead exclamou.

Ele ia retrucar, mas a ruiva continuou:

— O que devemos fazer? Acho que consegui prosseguir um pouco nas pesquisas em relação às bases Vesper.

— Sinead querida, é disso que precisamos, vamos focar nas pesquisas o máximo possível e creio que depois devemos verificar as bases verdadeiras, concorda Amy?

— Claro Tio Alistair... — ela fez uma pausa — ...será que você e Jonah poderiam ir até Attleboro? — perguntou recebendo um olhar de aprovação de Ian.

— Hoje faço o último show da turnê aqui no México, depois dele eu vou direto pra lá.

— Eu também aceito.

— Ótimo, Hamilton, fique com suas irmãs, não se separe de ninguém.

— O.k.

— Amy, estou saindo... — disse Ian de modo que só a ruiva pudesse escutar e ela assentiu.

— Então, acho que vocês três já podem desligar, Sinead e Tio Fiske, quero falar com vocês.

Hamilton e Alistair desligaram, mas Jonah continuou com a ligação.

— Er... Amy, eu quero saber sobre a Nellie — ele disse.

Ela lançou-lhe um sorriso de "já entendi tudo" e se direcionou à Fiske.

— Na verdade era isso que eu queria saber Tio.

— Bem... é que assim que ela recebeu a notícia do Dan, saiu desesperada jurando encontrar algum Vesper...

— O quê? — os três perguntaram juntos.

— Eu não acredito que ela fez isso...

— Eu não consegui contê-la, a minha idade já não está contribuindo muito.

— Não foi culpa sua Tio... eu a conheço bem.

Gritos de fúria foram transmitidos através da chamada de Fiske.

— O que é isso?

Fiske se distrái da câmera e vai de encontro à origem dos gritos. Ao abrir a porta da sala em que se encontrava, depara-se com uma Nellie fervilhando de raiva, ela sai e sobe as escadas voltando para o andar superior.

— Vou ver o que aconteceu — disse ele antes de desligar a câmera.

— Acho que já vou Ames — disse Jonah.

— Tchau..., Sinead, eu queria saber se as pesquisas em relação aos seus irmãos avançaram.

— Estamos fazendo algumas pesquisas, desenvolvemos protótipos que diminuem as dores de cabeça de Ned em 80% e que possibilitam o Ted a recuperar 90 a 95% da visão, mas ainda estão em fase de testes.

Amy se sentiu muito mais aliviada com a notícia.

— Que bom!

O silêncio tomou conta do espaço.

— Amy..., você não está bem, não é mesmo?

Durante o tempo que se passou após a busca, as duas se tornaram muito amigas e uma espécie de confidentes, revelavam tudo — ou quase tudo — uma para outra.

— Prefiro não comentar — respondeu colocando as mãos nos bolsos da jeans que vestia.

— Te entendo..., e o Ian?

— Ele está muito mal, Isabel e Vikram nunca fizeram o tipo de "bons pais" então Natalie era sua única e real família.

— Você já percebeu? — Sinead pergunta curiosa inclinando levemente a cabeça para o lado.

— O quê?

— Seus olhos adquirem um brilho diferente quando você fala do Ian — Amy sentiu seu rosto ficando vermelho. — Consigo perceber até pela câmera — terminou a frase com um sorriso.

— Devaneio seu.

— Ah, vamos, Amy! Eu sei que você gosta dele.

— O.k., o.k., mas é que...

— Você não sabe se pode confiar nele novamente — completou.

— É tudo tão confuso — disse por fim.