E agora, Legolas?

VI: A primeira briga


Sete anos

— Legolas, os aspargos. O senhor precisa comer ou seu pai vai ficar tão enfurecido quanto um dragão — a elfa de longos cabelos vermelhos, Nerwen, que recentemente havia com a maior satisfação de toda a Terra-Média aceito o convite para ser a nova cuidadora do príncipe da Floresta Verde, insistia muito para que o garoto comesse tudo o que lhe era necessário durante aquela fase, mas ele ficava cada vez mais esperto.

— Eu tenho barba? — Legolas voltou os olhos azuis faíscantes para Nerwen, curioso. Ele parecia mais infantil ainda, embora estivesse ficando mais velho. Aquela impressão se devia aos buracos entre os dentes, já que a maioria já havia caído para dar espaço aos permanentes.

A ruiva franziu a testa, não entendendo qual caminho ele estava tomando para a conversa.

— O senhor quer ter barba? Porque, caso queira, é ideal que coma os aspargos fresquinhos — cruzou os braços, desafiando-o. Ele já havia comido todos os pequenos bolos e até mesmo alguns grãos que era difícil vê-lo saborear, mas os aspargados que foram dados de presente pelos homens há alguns meses era recusável.

— Pois não vou comer, então. Eu não quero ser chamado de senhor — cruzou os braços, assim como ela.

Nerwen não sabia se começava a rir ou se chorava em rendição ao príncipe. Queria tanto que ele a ajudasse com aquele serviço, mas agora parecia ter entendido porque procuravam uma nova pessoa para ficar de olho no menino. Ele era o amor em forma de elfo, era genuíno ressaltar. Entretanto, era uma complicação. Desde questionar as coisas e seus detalhes até se esconder por horas para evitar o banho, alegando que os cabelos loiros, agora já à altura dos ombros, ficavam bem mais bonitos em tons escuros quando na verdade era apenas lama seca acumulada. Às vezes o pegavam observando por entre as frestas dos muros de folhas alguns elfos um pouco mais velhos treinando com espadas e arcos de mentira — os arcos, à propósito, eram os que mais lhe fascinavam. Ele se recusava a deixar qualquer pessoa tirar a aljava de flechas de sua mãe do quarto.

Já havia colocado até mesmo elfos machos e tutores qualificados para tentar entrar em sintonia com toda a bagunça que a cabeça de Legolas era, mas talvez a presença feminina para simbolizar a perda da mãe fosse mais necessária, ou era assim que o rei pensava. O que o pai de primeira viagem não entendia é que aquilo era apenas uma fase, e que logo ele sentiria muita falta da voz doce perguntando sobre tudo.

— Tudo bem, Legolas — ela retirou o pronome da fala, sentando-se ao lado dele. — Você promete que vai ser o nosso segredo? — Olhou-o com precisão, enquanto ele balançava a cabeça contente. No segundo seguinte, a elfa colocou os aspargos de uma vez só na boca, mastigando-os rapidamente. Naquele instante, o sorriso de Legolas se desfez, como se acabasse de ficar decepcionado com algo. — Pronto. Agora você comeu o que quis e ficou feliz, eu comi e fiquei feliz e ninguém vai levar repreensão! Preparado para dar uma volta agora? — Nerwen disse animada, cutucando a barriga do loiro.

Legolas, porém, apenas desviou o olhar para o prato à frente que, até então, estava sendo ignorado como se sequer estivesse ali. A cadeira atrás do objeto, destinada a seu pai, estava vazia e fria. Pensou que se não comesse os aspargos, Thranduil pudesse aparecer para dar-lhe pelo menos um castigo.

— Legolas? — Nerwen chamou-o, seguindo o olhar do mais novo. Um aperto agarrou-lhe o coração e ela abriu a boca várias vezes tentando buscar uma explicação, mas sabia que era complexo demais para que o príncipe entendesse. Sentia pena dele, era esse o sentimento.

— Quem chegar primeiro no jardim não precisa tomar banho hoje! — Legolas disse de supetão, pulando para fora da cadeira enquanto corria para fora da cozinha, descarregando toda adrenalina nos poucos metros que correra.

«»

Thranduil massageou as têmporas enquanto o ar desvanecia de dentro de seus pulmões. A tensão na sala era inevitável e até mesmo os conselheiros, sempre tão pacíficos, estavam com os músculos rígidos. O único que parecia estar indiferente era Mestre Taranthiel, que parecia mais preocupado em cutucar o fumo dentro do cachimbo contraposto ao fato de que Sauron habitava o sul da Floresta Verde. Aquilo havia tomado uma repercussão tão grande entre as espécies, especialmente nos reinos que se situavam na Floresta Verde, que havia tomado todo o tempo do rei.

Ele se sentia cada vez mais irritado com a situação que preferia não ter aquele fardo sobre as costas na maioria das vezes. Era obrigado a engolir os olhares de medo e insegurança dos elfos de apenas dez anos se alistando ao exército, ouvia cada vez mais reclamações de seu povo e os demais aliados estavam em uma situação mais crítica que a dele e não podiam serem-lhe úteis; até mesmo os anões, hobbits e homens, até onde sabia, estavam ocupados em busca do grande tesouro escondido por Smaug. Alguns diziam que ali estava-se começando a era das Trevas. Sabia que ao redor, alguns já estavam apelidando a região como Floresta das Trevas e o fluxo de seres estava cada vez menor.

— Não podemos fazer muito, sabem? — Taranthiel se manifestou, fazendo com que Thranduil levantasse o olhar, assim como os demais presentes. — Já estamos criando um novo exército, e aqueles garotos são extremamente fortes. Existem mais reinos por aqui, não estamos sozinhos, afinal, mas adiantados! — Soprou a fumaça que tomava forma de algum animal, a positividade decorando-lhe a face.

— Mestre Taranthiel tem razão, majestade — outro conselheiro de longas barbas prateadas, Sardo, pronunciou-se pela primeira vez desde o começo do encontro. — Não podemos ultrapassar as barreiras e arriscar a presença verídica ou não de Sauron ao sul. Está além dos nossos limites. Aliás, são palavras ao vento. Disseram outrora que o Um Anel fora visto, mas até agora não se sabe do paradeiro — e, dizendo isso, lançou um olhar significativo ao elfo com o caximbo.

Taranthiel semicerrou os olhos, sentindo uma leve indignação. Ele sabia, no fundo, que aquilo era verdade, mesmo que todos desacreditassem de sua palavra. Jamais fora contrariado, e quando isso ocorria, ele provava a verdade com o simples acontecer dos fatos levantados. Voltou o rosto para Thranduil, arqueando uma sobrancelha e esperando uma resposta do único que tinha o poder para decidir o que fariam à partir dali.

— A reunião está terminada. Amanhã retomares de onde paramos para falar sobre a Montanha Solitária — a voz do rei soou mais áspera que o normal. Os presentes reuniram seus pergaminhos, em silêncio, abandonando o grande salão. Mestre Taranthiel pensou em ficar para dizer algo, mas a presença de uma criada atrás da porta lhe fizera desistir.

— Majestade — ela disse baixo quando Thranduil fez sinal para que ela entrasse. — Tivemos um pequeno problema com Legolas hoje…

— Por que você acertou a pedra no seu colegas, Legolas? — Thranduil perguntou, tremendo o lábio inferior. Mesmo para uma figura tão angelical, era possível ver a leve cor púrpura abaixo dos olhos simulando as olheiras dos homens.

— Eu não sei — o príncipe disse tão baixo que, se Thranduil não fosse um elfo, não teria escutado. Legolas olhava para os próprios pés sujos de terra e grama, com medo do castigo, ao mesmo tempo que feliz por ter a companhia do pai depois de semanas. Se controlava para não sorrir. — Eu não queria que Taurino se machucasse, ele é meu único amigo. As outras crianças choram o dia todo — completou, um pouco enfezado por ter que conviver com os mais novos, vigiados pelas criadas. Alguns pais precisavam caçar e trabalhar durante o dia com um cuidado especial após a declaração da presença de Sauron pela Floresta e, como forma de segurança, Thranduil havia oferecido algo que os homens chamariam de escola milhõs de sóis depois para que não corressem riscos de perder os filhos.

— Olhe para mim — o pai exigiu, a voz firme e sombria. — Se ele era seu único amigo, por que atirou-lhe uma pedra? As criadas disseram que ele vai precisar de repouso por dias até se curar completamente!

— E-ele disse que estava tudo bem, eu pedi desculpas — o menino loiro sussurrou outra vez, se encolhendo no assento.

— Venho trabalhando o dia todo para garantir a sua segurança e é assim que você me agradece? Não acha que seu pai merecia um pouco mais? — Perguntou Thranduil, não obtendo resposta por um longo tempo. Legolas agora apertava os olhos para não chorar, apertando os dedos dentro da própria mão. — Sabe o que eu venho enfrentando durante todos esses dias?

— Se eu não tivesse acertado Taurino, o senhor teria vindo me ver? — Disparou Legolas, o coração salpicando dentro do peito. A sensação que seu pai tivera naquele instante fora a mesma que receber uma apunhalada do sol na face. Os lábios se comprimiram em uma linha fina e ele sentia um pedaço de ira envolver-lhe o corpo.

— Você está questionando o que eu faço, Legolas? — Devolveu com outra pergunta, não dando tempo para o menino responder. — Exato. Eu tenho feito tudo para que você viva bem enquanto tudo está acontecendo!

— Eu não sei o que está acontecendo… — disse o menino baixo outra vez, sentindo os olhos se molharem.

— Estão chamando o nosso lar de Trevas e tudo o que eu mais queria era que isso passasse para você! — Agora o rei estava de pé, a voz saindo um pouco mais alta. — É tudo por você!

— Eu não quero saber desse reino boboca, o senhor quer que eu viva bem? Eu quero meu pai de volta! — A voz de Legolas saiu bem mais alta, enquanto ele se levantava e saía correndo da sala, as lágrimas rolando o rosto.

Thranduil havia saído da sala logo em seguida, procurando por quaisquer rastros do menino, mas tudo o que via era criadas assustadas tentando sair do chão em que estavam para ir atrás de Legolas. Algumas chegaram a vê-lo correndo, sem entender o que havia acontecido, e tampouco o achariam tão cedo. Ele havia ido para o único lugar que lhe parecia confortável quando coisas ruins aconteciam: o antigo quarto de seus pais, lugar que o rei havia parado de frequentar quando Legolas havia feito seus três anos de idade. Adorava sentir o cheiro presente da mãe e queria muito que ela estivesse viva, não para matar saudades, mas achava que ela poderia curar seu pai.

Era verdade que os elfos amadureciam mais cedo que as outras espécies.