Capítulo 42 – Por Luke

Acordei sem entender o porquê de estar tão molhado. Isso seria chuva? Não, a grama estava seca, apenas meu corpo estava bem molhado. Lambi meus lábios e senti um gosto salgado, não era água de chuva, era suor.

A arena estava cada dia mais quente, tenho sentido isso na última semana, mas nunca com essa intensidade. Eu preciso urgentemente de água, devo ter perdido muito líquido enquanto dormia e sofrer de desidratação agora no final não seria uma opção legal.

Peguei minha garrafa de água e chequei o conteúdo, só tinha o suficiente para me satisfazer no momento, eu teria que ir buscar mais logo assim que acabasse.

Eu nunca havia sentido tanto calor em minha vida! Não tínhamos um inverno rigoroso no Distrito 4, porém o tempo lá era sempre fresco em função da proximidade com o mar. Minha casa ficava bem na beira da praia. O único problema era a quantidade de maresia que entrava dentro de casa, em compensação, tínhamos ventos o tempo inteiro e bem ao lado tinha um coqueiro. Bebíamos água de cocô enquanto mamãe preparava a comida com a parte interna do cocô e Liz a ajudava. Papai cortava os cocôs de modo que aquilo se transformasse em nossos pratos... Eu preciso logo voltar para casa...

Parei de sonhar com o meu lar e levantei para ir buscar água. Arrumei todas as minhas coisas em minha mochila pois não iria voltar para aquele lugar. Essa era uma das vantagens de se trabalhar por conta própria, você pode decidir onde quer ficar e a hora de sair, sem ter que se preocupar se seu companheiro está bem ou não. Uma grande desvantagem é não ter ninguém para cobrir você por trás e isso eu percebi no momento em que estava partindo e ouvi alguma coisa entre os arbustos.

Olhei para trás rapidamente esperando me deparar com Juliet ou Zac e no final, olhei apenas para o arbusto. Nem mesmo um pequeno animal saiu de lá. Estranhei, mas não podia perder tempo ficando exposto e sem água, então continuei meu percurso.

Duas horas se passaram e eu continuava percebendo a presença de alguém me seguindo. Eu já não olhava para trás, se fosse alguém querendo me atacar, já teria feito isso tempos atrás. Olhar para trás na tentativa de identificar o meu perseguidor apenas atrasaria a minha busca por água.

Água. Apenas de pensar na palavra eu já sentia sede. O calor da arena estava insuportável, o dia estava tão quente que tudo o que você gostaria de fazer era ficar parado, na sombra e de preferência dentro d’água, ainda assim, desconfio que você sentiria calor. O suor já havia tomado conta das minhas roupas e eu já me sentia tonto.

Mais uma hora se passou e meu silencioso perseguidor continuava atrás de mim. A desidratação já mostrava seus sinais pelo meu corpo: eu estava mais fraco e minha última urina saiu com uma cor fora do normal. Se for um outro tributo me perseguindo, não sei mais o que ele está esperando, pois não tenho condições de lutar, até mesmo se for contra Juliet.

Outra hora se passa e agora não consigo ficar em pé direito. Para andar, me seguro nas árvores até que finalmente caio no chão. Sei que o riacho não está muito distante, mas no estado em que me encontro, não tenho condições de alcança-lo. Meu perseguidor continua a espreita e fico realmente curioso para descobrir o que ele é e porque não me mata logo. Então me lembro da menina do Distrito 12, com sua pele morena e seus olhos cinzentos vazios implorando para que eu lhe tirasse a vida logo. Pela sua aparência, era notório que ela havia passado por fome ao longo de toda a sua vida, mas seus olhos demonstravam que ela nunca tivera uma experiência tão ruim quanto aquela. Quando a matei, achei que ela simplesmente fosse fraca, mas agora eu a entendo. Sim, se algum outro tributo aparecesse, eu faria o mesmo que aquela menina que nem sei o nome.

Uma hora, um dos dois me encontrará, não tenho dúvidas, então fecho os olhos esperando para que um deles apareça e acabe com meu sofrimento. Ao fechar as pálpebras, vejo a imagem de Liz em minha mente. Seus olhos verde-água chorosos me pedindo para voltar para casa logo. Abri os meus imediatamente. Eu não cheguei até aqui para morrer de desidratação! Tenho uma família para quem voltar e um Distrito para ajudar, muitos pobres o Distrito 4 estão contando com a minha vitória. Não fui um dos primeiros no Centro de Treinamento à toa, eu preciso ganhar essa edição dos Jogos e voltar para casa de cabeça erguida.

Como se ensaiado, no momento em que abro meus olhos, meu perseguidor se revela. Não é Zac, não é Juliet, é uma pequena criatura arredondada cujo nome que me vem à cabeça é tatu-bola. Não lembro como sei esse nome nem o que essa criatura é capaz de fazer, mas sei que não tenho muito tempo para fugir quando a criatura infla e espinhos surgem em suas costas.

Eu não tenho forças, estou desidratado e uma bola espinhosa gigante está rolando na minha direção à uma velocidade inacreditável. Apenas tenho tempo de jogar meu corpo para a direita e desviar. Não deixo de notar que a árvore onde eu estava apoiado agora está no chão.

A criatura se desenrola e nota que não atingiu seu alvo, nesse exato instante, a adrenalina toma conta do meu corpo e corro com uma velocidade que nunca atingi anteriormente.

Quanta ironia! Justamente quando eu decido não morrer, meu perseguidor me ataca.

Corro, pois, minha vida depende disso. Ver minha família de novo depende disso e nesse instante, meu corpo esquece que está calor e que estou desidratado. Eu apenas corro tentando fugir do pequeno tatu que se tornou gigantesco e de repente eu estou reconhecendo a vegetação.

Estou correndo em direção a Cornucópia!

Pelo menos lá existe um lago. Se eu conseguir sobreviver ao ataque desse furioso tatu, terei uma chance de me hidratar e estarei novamente pronto para o combate.

Avisto o lago! Está próximo e finalmente poderei tratar da minha desidratação. O animal enfurecido continua atrás de mim, mas pelo menos ele me trouxe ao local que eu mais precisava. Um local onde tem água.

Sem pensar duas vezes, pulo diretamente para o lago e vejo a criatura desistindo da perseguição.

Alguma coisa está estranha. Bestantes ou são programados para perseguir um tributo ou para juntar tributos. Pelo tempo que este tatu me seguiu, provavelmente estava programado para me matar.

Não, com toda certeza aquela criatura poderia atingir velocidades maiores que aquela. Isso apenas significava uma coisa: o público estava vivendo na monotonia e os Idealizadores resolveram juntar os tributos.

Engulo o máximo de água possível, mesmo sem tratar. Estou prestes a encontrar com um ou com os meus dois competidores, eu não tenho meia hora disponível para purificar minha água.

Noto que estou certo pois assim que me sinto saciado, vejo uma cabeleira loira se aproximando. Zac.

—Ora, ora, Luke, quem diria que era você? Quando vi aquela bola espinhosa, pensei que fosse a pirralha e que estaria morta antes de chegar no lago. Uma pena que não fosse ela, mas ainda irei encontrá-la. – ele fala com um sorriso de satisfação no rosto. – Já que estamos aqui, o que de sair do seu banho e me enfrentar de igual para igual? Claro que eu vencerei, mas é melhor do ser atacado indefeso, não concorda, Luke?

Eu estava certo, não haveria mais tempo para purificar a água. Zac poderia ter realmente me matado, mas ele prefere se divertir num combate mano a mano. Saio da agua me sentindo pesado devido as roupas molhadas, porém não considero isso uma desvantagem no momento. Certo, eu posso ficar mais lento por conta disso, mas Zac tem muito mais massa muscular que eu e consequentemente ele é bem mais lento, talvez eu estando molhado até faça a luta ser mais equilibrada. Além disso, a pele molhada me faz esquecer do calor intenso que faz na arena e isso sim é uma vantagem.

Tiro a mochila molhada de minhas costas e pego o facão que está dentro, essa é minha única arma para combates corpo a corpo. Jogo a mochila ao longe e a jaqueta também, não preciso de mais peso, não preciso de suprimentos, ou eu mato ou eu morro. Na primeira alternativa, terei mais do que tempo suficiente para recuperar minhas coisas, já na segunda alternativa... Bem, não precisarei de armas ou comidas depois que estiver morto.

Balanço a cabeça para tirar esse último pensamento, tenho que ver Liz e meus pais. Zac avança com sua lança empunhada à toda velocidade. Ele é lento para mim, mesmo estanho encharcado, bloqueio a lança com o meu facão e ela voa para trás de mim.

Ótimo! Zac está desarmado! Minhas vantagens aumentam!

Então ele me faz desequilibrar desferindo um belo chute no meu abdômen seguido de um soco no rosto. Babeio, mas não caio. Ele aproveita o desequilíbrio e me soca novamente. O loiro está a ponto de me dar o terceiro soco em seguida quando consigo defende-lo e chuta-lo. Zac se afasta.

Estamos ambos ofegantes devido ao calor sufocante que faz na arena. Zac avança novamente e lhe dou um chute na lateral do corpo, fazendo com que ele perca o ar por um segundo. Aproveito a vantagem momentânea e soco-lhe o nariz, fazendo sangrar bastante (e desconfio que tenha quebrado também). Sem ar e sangrando, ele perde o equilíbrio completamente e tomba para o lado esquerdo.

Estranho, podia jurar que Zac era mais resistente que isso. Piso em seu abdômen para que ele perca os movimentos quando me deparo que ele já está machucado na perna esquerda, isso explica o tombo. Deito por cima dele para imobiliza-lo e posiciono meu facão em seu pescoço. Espero que isso lhe dê uma morte rápida pois acho que ninguém deva sofrer.

— Ora, ora, parece que o queridinho perdeu. – digo não conseguindo me conter, Zac sempre tratou os outros na Aliança como subordinados e se sentia com o rei na barriga por se achar o próximo campeão.

É agora, pensei. É agora. Afasto minha mão para dar um golpe rápido. Respiro fundo. É agora.

Quando estou colocando força no braço para jogar o facão em seu pescoço...

— AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHH – era um grito feminino, um grito igual ao de Liz quando entram insetos em seu quarto, mas não era Liz, era Juliet.

Zac se distraiu e, assim como eu, olhou para o local de onde vinham os gritos, mas essa distração foi o suficiente para me fazer perder a vantagem. Sei disso porque quando volto a olhar Zac, ele está com um sorriso no rosto e sinto o sangue escorrendo em meu braço.

Mesmo bastante machucado, ele consegue inverter nossas posições.

— Não cante vitória antes da hora, Distrito 4 – o loiro diz me encarando com olhos ferozes e nariz sangrento.

Tento empurra-lo, mas ele é mais forte e penso em corta-lo com o facão, quando percebo que este não está mais em minha posse. Tudo acontece muito rápido, ele me atinge no nariz tanto o quebrando e sinto uma dor lancinante naquela região. Logo em seguida, sinto a pequena faca perfurando minhas traqueia e não consigo respirar.

Sinto o sangue adentrando meus pulmões.

Acabou. Acabou para mim.

Queria poder dizer as minhas últimas palavras para minha família, mas não consigo. Espero que todos fiquem bem, que Liz nunca seja sorteada para ir aos Jogos e que ela me perdoe por ter sido fraco e não conseguir ganhar.

Fecho os olhos e sinto o peso de Zac saindo de cima de mim, ele não precisa me imobilizar mais, já estou morto. Tudo é dor e agonia nesses últimos momentos. Sinto meu corpo ficando mais leve.

Adeus.

BOOOOOOOOMMMMMMM