Capítulo 30 – Por Amber

Eu corria. Nunca corri tanto em minha vida apesar de ter me preparado fisicamente para isso. As libélulas pareciam estar cada vez mais perto e estava difícil correr com Juliet ao meu lado.

–Acho que talvez seja a hora de mudarmos de caminho – falei sem fôlego, dei uma boa pausa depois disso, era realmente complicado falar e correr ao mesmo tempo com bestantes atrás de você

-Certo – foi tudo o que ela disse, nitidamente Juliet não havia recebido preparo físico para os Jogos, engraçado, achei que sendo filha de um vitorioso, ela fosse mais bem preparada. Eu e a Capital inteira pensamos.

-Então, feliz Jogos Vorazes e que a sorte esteja sempre a seu favor – falei, eu realmente queria ganhar e talvez tenha sido uma boa idéia nos separarmos agora, eu nunca conseguiria atacá-la, eu já a tratava como uma de minhas irmãs

-Para você também – Juliet respondeu e em seguida virei à direita

Eu corria mais rápido agora que não precisava me preocupar com Juliet. A floresta ficava cada vez mais densa e aquilo era uma verdadeira corrida de obstáculos, mas eu não me importava, fui criada nos grandes campos do Distrito 11 e apesar das árvores não serem tão grandes como as daqui, continuam sendo árvores com raízes as quais te derrubam facilmente.

Vinte minutos se passaram até o som das asas das libélulas cessarem. Diminui o ritmo da minha corrida e agora estava respirando com dificuldade. Parei para recuperar o fôlego. Nenhum tiro de canhão, pensei, isso era bom, significava que Juliet havia conseguido escapar, talvez o objetivo daquelas libélulas fosse apenas nos separar ou até mesmo apenas para “animar” o Jogo, nossa aliança devia entediar os telespectadores, agora eu estava sozinha e isso seria até o final.

Olhei ao redor atrás de uma árvore alta para escalar, quando se está sozinho, ficar no alto é vantajoso e mais ainda se você souber escolher uma árvore que alguém sem treinamento de escalada terá dificuldades de subir, por sorte, eu tinha esse treinamento.

No Distrito 11, quem comunica aos trabalhadores do campo que o horário de trabalho acabou, é sempre uma criança em cima de uma árvore que assobia uma canção de quatro notas para os tordos, dos meus 7 aos 14 anos eu tive que fazer isso o que aprimorou minha capacidade de subir em árvores, mas há dois anos atrás fui substituída por uma menininha chamada Rue e desde então trabalho com os outros nas plantações.

Subi em uma árvore a qual pensei ser relativamente segura, mas desci quase no mesmo instante em que cheguei ao topo, lá no alto encontrava-se um ninho de teleguiadas, abelhas geneticamente modificadas para que suas picadas gerem ilusões ou até mesmo a morte, e pelas minhas observações mentais sobre os Jogos, ser picado por uma dessas não é uma coisa muito legal.

Continuei a andar mais um pouco, eu ficaria o mais distante possível daquele ninho de teleguiadas, mas eu preciso ser cuidadosa, ficar vagando pela floresta não é uma coisa que atraia o povo da Capital, tenho que torcer para que as libélulas de hoje tenham sido bem atrativas, afinal elas quebraram uma aliança.

O dia começou a escurecer e eu logo subi em uma árvore. Um sorriso brotou em meu rosto ao constatar que ali não havia teleguiadas. Deitei em um galho enquanto observava as estrelas aparecerem no céu, fechei os olhos por um minuto e senti a brisa da noite da mesma maneira que eu fazia no Distrito 11, porem meus pensamentos foram quebrados pelo hino de Panem. Nenhuma morte hoje, isso era ruim, logo os Idealizadores farão alguma coisa para diminuir o numero de tributos e eu não quero correr de libélulas novamente tão cedo.

Ao finalizar o hino, abri minha mochila e comecei a comer parte do coelho que eu havia dividido com Juliet antes de nos separarmos. Saciei minha fome com vontade, aquela refeição estava extremamente deliciosa. Apesar de o meu Distrito ser o da agricultura, a maioria é pobre e raramente é possível ter uma refeição como a que eu estava comendo, por isso eu me deliciava tanto com aquilo.

-Então agora vocês são apenas dez – uma voz fria e conhecida me falou, olhei para o lado e encarei o fantasma de minha irmã

-Sim – respondi igualmente fria, eu sabia o que viria a seguir

-Você fez bem em se separar daquela garotinha – Mitchie falou sentando-se ao meu lado

-Eu não tive escolha – respondi

-Você vai realmente tentar ganhar isso? – ela me perguntou, e lá viriam as idéias de suicídio

-Sim – respondi convicta

-Sabe, ainda não acho que você tenha condições de ganhar – minha irmã falou, não lembrava dela ser tão fria assim

-Obrigada pelo apoio – respondi irônica, eu só queria ter paz por um momento e aquela assombração não estava ajudando

-É serio, você realmente deveria pensar sobre a idéia do suicídio, a dor de um vitorioso não vale a pena – ela falou

-E mamãe entrando em depressão profunda e nossas irmãs tendo que assinar as tésseras para sobreviver, vale? – perguntei já irritada

-Ela entenderá se você o fizer – Mitchie afirmou

-Não, Mitchie, ela não entenderá, por pouco conseguimos que ela mantivesse a sanidade quando você morreu, você acha que ela agüentaria? Perder outra filha para os Jogos?

-A sorte nunca esteve a nosso favor – minha irmã constatou o obvio, eu devo ter revirado os olhos com isso

-Realmente, nunca esteve, mais as coisas mudam, talvez a sorte esteja para nossas irmãs e elas cheguem a idade adulta sem serem sorteadas – falei

-Ou talvez elas sejam sorteadas com uma quantidade mínima de papeis, coisa que acontece com muita gente – Mitchie respondeu

-Talvez – confirmei – Mas quero fazer o possível que elas não passem por isso, quero fazer o possível para que a probabilidade delas virem para arena sejam as menores.

-Eu acho que... – ela começou, mas eu já estava me irritando, aquela não era minha irmã, apesar de todas as diferenças que tínhamos e nossas discussões, ela não costumava ser tão chata e repetitiva assim, muito menos fria daquela maneira, aquilo era criação da Capital.

-Eu já sei da sua opinião – a interrompi rudemente –Já falei, eu ganharia isso aqui, não importa o que você pensa.

-Você ainda vai ver que eu tenho razão, maninha – a fantasma falou e desapareceu em segundos

Essa história de espíritos me deixa nos nervos, será que isso era somente comigo? Eu não me lembro de ter visto nenhum fantasma conversando com Juliet... Será que ela viu o espírito de Mitchie também? Sim ou não, a única coisa que eu tinha certeza é que aquela não era a personalidade da minha irmã.

Bufei de cansaço e de irritação. E apoiando minha cabeça na arvore adormeci.

A arena estava escura, parecia que eu estava aqui há dias e o céu nem clareava, nem a lua cheia e as estrelas que costumavam iluminá-lo brilham mais, a temperatura estava cada vez mais quente, eu poderia sentir as gostas de suor caindo por minha testa. E a única coisa que eu fazia era correr, alguma coisa me perseguia, provavelmente um bestante, mas eu não conseguia distinguir seu som, era diferente das libélulas ou das borboletas, não pareciam ser insetos, devia ser algo maior, porem eu não me arriscava olhar para trás.

Eu tentava dobrar a manga da camisa e conseguia ver de relance algo que pareciam ser pernas de aranhas, só que em tamanhos bem maiores. “O que exatamente é essa criatura?” eu me perguntava, mas a escuridão também me impedia de reconhecer que tipo de bestante era aquele. Olhei para meus pés que não paravam de correr e agradeci aos estilistas por terem pensado em um coturno, eu poderia levar um tiro no pé que aquela coisa não sairia de jeito nenhum se eu quisesse.

E então veio um grito. Ele era apavorado, estridente e suficientemente alto para que eu pudesse reconhecer, apenas uma pessoa poderia gritar daquele jeito, Lívia, minha irmã de 11 anos de idade que possui um pavor por aranhas. Era exatamente o mesmo som que varias vezes fizera vários vizinhos baterem a nossa porta que pensavam que estávamos sendo assaltados ou que alguém estava realmente mal, depois de alguns anos a maioria passou a ignorar os gritos de minha irmã, mas naquele momento um frio percorreu pelo meu corpo, o que Lívia fazia na arena? Ela nem ao menos tinha 12 anos ainda.

Outro grito, e eu corria cada vez mais rápido até encontrar minha irmãzinha numa clareira encarando assustada algo que eu não consegui ver. Ao notar minha presença, ela abriu um sorriso nervoso e apontou para frente, onde vi uma aranha gigantesca, ao retornar meu olhar para ela, apenas tive tempo de ver outra daquela espécie engolindo-a de uma vez só abafando o último grito.

Acordei assustada e suando frio, o sol já estava no alto do céu e meu coração batia descompassadamente acelerado. Acalmei-me ao me lembrar que Lívia se encontrava no Distrito 11 bem e provavelmente me assistindo pela TV. Comi mais um pouco do coelho, que duraria para mais duas refeições, e tomei meu ultimo gole de água. Eu precisava achar um rio para encher minha garrafa novamente.

Passei um bom tempo caminhando e meus lábios já estavam ressecados. Não aparentava ter água por perto e nenhuma árvore com frutas que poderiam saciar minha sede. Bufei novamente, morrer de desidratação não era das melhores coisas, quando algo me surpreendeu. Um pára-quedas prateado contendo uma garrafa cheia de água. Meu mentor resolvera me ajudar, o que era estranho, já que Chaff costumava passar quase o tempo inteiro bebendo com Haymitch durante os Jogos. Aceitei a dádiva de bom grado tomando um pequeno gole, de qualquer maneira eu ainda precisava encontrar água.

“O lago deve estar próximo”, pensei feliz por ter uma garrafa extra de água agora, quando ouvi um BOOOM. Mais um tiro de canhão, agora éramos apenas nove. Aproximei-me do perímetro do lago quando vi que a luta era ali. Agachada no meio dos arbustos, pude ver o corpo da garota do 6 no chão, Juliet e seu irmão lutando contra a garota do Distrito 4. Pude ver a Carreirista ir para cima de minha antiga aliada, tentando enforcá-la, e Caius em seguida com uma lança em punho e BOOOM. A garota do 4 estava morta também.

Discretamente me afastei de lá me arrastando no chão, Juliet já estava com o irmão, o que era uma coisa boa para ela e ruim para os demais tributos, mas eu ficava feliz por ela. Os dois se afastaram com uma Juliet visualmente perturbada, eu sentia pena por ela, mas tinha que aceitar o fato de que nada eu poderia fazer para ajudá-la se queria sair viva daqui. Enchi minha garrafa de água e dei o tempo para purificá-la.

Sai daquele local que estava agora todo sujo de sangue e fui atrás de outra árvore para escalar.

A noite chegou trazendo no céu as únicas duas mortes do dia, Distrito 4 e 6. Agora éramos 8 finalistas, já estava na hora deles passarem nos distritos entrevistando os amigos e a família, e um sentimento de saudade me bateu naquele momento ao me lembrar de casa um pouco.

Estava perto, e eu poderia conseguir.