Capítulo 2 - por Caius

-E o tributo feminino do Distrito 3 esse ano é... Juliet Wisebit!

Ao ouvir Louise dizer aquelas palavras, pude sentir um calafrio percorrer pela minha espinha. Juliet havia sido sorteada, Juliet! Minha irmãzinha! Por mais velha que ela pudesse parecer, ela ainda era uma criança, só tinha 13 anos! Olhei para meu pai, ele cerrara a mandíbula, ele estava nervoso, ele sabia que aquilo era armação da Capital, tantas meninas nesse distrito que assinaram pelas tésseras, e logo Juliet com apenas dois papeizinhos é sorteada? Bom, tenho que admitir que não é necessariamente culpa da Capital, as probabilidades dela ter sido sorteada podem ser pequenas, mas ainda existem.

-Alguém se voluntaria? – Louise perguntou, mas todos sabiam que era uma pergunta sem resposta. Ninguém se voluntariaria para ocupar o lugar de um filho de um antigo vencedor, talvez os pacificadores não permitissem também... Se eu ao menos fosse uma garota, me voluntariaria para ir no lugar de Juliet,mas nada posso fazer.

Por um segundo pensei em me voluntariar como tributo masculino, assim talvez eu conseguisse salva-la, mas parece que meu pai leu meus pensamentos mesmo estando longe, ele olhava para mim fixamente, ainda com a mandíbula cerrada (ele sempre faz isso quando está nervoso), o olhar de reprovação pelo meu pensamento era nítido. Assim como eu, ele não estava gostando nada daquela história, mas se ele achava que Juliet tinha capacidade de ganhar, não seria eu que discordaria.

E então minha irmã anda em direção ao palco com aquele vestido rosa, ela parece ser tão nova e inocente nele... Ela subiu ao palco sendo cumprimentada por Louise e todos os outros, e parou ao lado do meu pai a espera do sorteio do tributo masculino.

Louise começou a remexer na segunda bola de cristal e puxou mais um maldito papel, mal deu tempo de desejar não ser sorteado, quando nossa apresentadora leu o papel.

-E o nosso tributo masculino será... Caius Wisebit.

Choque. Era isso que me definia no momento, a sorte literalmente não estava conosco hoje. Aquilo só poderia ser plano da Capital, dois irmãos filhos de um vitorioso sendo sorteados ao mesmo tempo? Alguma coisa me dizia que aquilo cheirava a armação. Olhei para o meu pai, se ele cerrasse mais a mandíbula, poderia quebrá-la.

-Algum voluntário? – perguntou Louise inocentemente

É claro que não teria, não éramos um distrito carreirista e mesmo se alguém estivesse interessado,os Pacificadores nunca permitiriam,receberiam ordens diretas da Capital para impedir embarreirar qualquer um que tentasse.

Subi ao palco acompanhado de Pacificadores. Meu pai mantinha a mesma expressão, Juliet estava com os olhos arregalados de espanto, o povo não dera nenhum aplauso, provavelmente estando em estado de choque, e até mesmo Louise parecia impressionada.

-Então esses são nosso dois tributos: Juliet e Caius Wisebit – Louise falou nos apresentando e nem assim o público aplaudiu. Percebendo o clima de tensão, a apresentadora se apressou em continuar a cerimônia.

Todo o resto da cerimônia ocorreu normalmente, porem eu mal prestava atenção, tudo que eu pensava era o motivo do plano da Capital em colocar eu e Juliet para lutarmos um contra o outro.

O hino terminou de tocar e fomos os dois escoltados por Pacificadores para o Edifício Justiça, lá nós nos despediríamos de amigos e familiares. Eles me colocaram em uma sala sozinho e Juliet em outra. Em questão de minutos os Pacificadores apareceram com Feron.

Feron era meu melhor amigo, nós estudávamos juntos desde sempre. Sua família era de classe média e ele era filho único, ele nunca precisou se inscrever para as tésseras. Ele entrou com uma expressão chocada no rosto. Eu o abracei. Éramos dois garotos e eu sei que aquilo não era algo comum, mas essa provavelmente seria a ultima vez que nós fossemos nos ver, e para mim ele era como um irmão que eu nunca tive.

-Como isso pode acontecer? – ele me perguntou ainda chocado depois do abraço - Você e Juliet? Isso é loucura, me parece ser armação! A Capital está passando dos limites! Juliet é ainda uma criança!

-Eu sei Feron, mas a única coisa que posso fazer agora é protegê-la. Se for preciso, cometerei o suicídio por ela.

-Não faça isso cara. – ele me falou olhando sério – Talvez se sobrarem vocês dois eles cedam e os deixam viver, não cometa o suicídio imediatamente, com um pouco de sorte, talvez eles mudem as regras.

Sorte. Parecia que Feron ainda não havia notado que isso estava faltando para minha família no momento

-Eles não mudarão as regras, o povo da capital não tem coração tão mole assim – “se tivessem não existiram os jogos” completei em pensamento - Se sobrarmos só nós dois,será exatamente isso que eu farei, o suicídio. Ela é minha irmã, não posso matá-la ou deixar que ela morra por mim.

-Caius, não seja mais uma peça do jogo deles. – foi a ultima coisa que ele me disse antes dos Pacificadores o levarem.

Depois dele recebi outras visitas de pessoas me dando apoio, mas o que Feron me disse não saia da minha cabeça “Não seja mais uma peça do jogo deles”, eu não queria ser mais uma peça do jogo deles, mas até onde eu vejo é a única maneira de salvar minha irmã.

-Caius! – falou Isis, outra amiga da escola, ao entrar correndo no quarto. Ela correu e me abraçou enterrando sua cabeça em meu peito, pude sentir suas lágrimas escorrendo - Não acredito que fizeram isso com vocês. Juliet é muito nova, ela só tem 13 anos! Desculpe não ter me voluntariado para ir no lugar dela.

Ainda abraçado a Isis, eu passei a mão pelos seus cabelos. Ela nunca poderia ir para os Jogos, eu sabia disso. Isis tinha mais duas irmãs e um irmão mais novos do que ela, seu pai morrera em um acidente quando ela tinha 14 anos. Sua mãe tinha um emprego, mas não era o suficiente para sustentar toda a família, então ela foi atrás de um emprego de meio turno para ajudar a família e desde então trabalha. Além disso, Isis é extremamente sentimental, ela mal consegue assistir os Jogos pela televisão, com certeza se ela fosse sorteada ela não duraria dois dias na arena, por sorte ela nunca fora sorteada mesmo assinando todas aquelas tésseras e esse ano era sua ultima colheita.

-Você nunca poderia ir para os Jogos, eu sei disso. – falei baixo tentando tranqüilizá-la – Juliet sobreviverá a isso, ela é forte e eu estarei lá para ajudá-la.

-Mas você não conseguirá voltar – falou Isis agora soluçando, ela sempre teve mais senso de realidade do que Feron – É tão injusto que tenham permitido que vocês dois fossem.

Podemos ouvir os Pacificadores chegando, em breve eles levariam Isis também. Ela pareceu notar isso e ao ouvir os passos segurou meu rosto entre as mãos e me deu um beijo. Por essa eu não esperava, Isis não era o tipo de garota que beijava qualquer um.

-Eu te amo – ela murmurou meio soluçante ainda

-Eu também – respondi, naquele momento eu pude notar que a amava também, depois de todos esses anos eu descobri isso, justo nessa hora,sabe,acho que estar com seus dias contados, faz você perceber coisas que nunca havia percebido antes, uma dessas era descobrir estar apaixonado por Isis. Seria mais fácil morrer na arena sem essa.

-Faça o máximo para trazer Juliet de volta – ela me falou enquanto os Pacificadores entravam no quarto

-Eu farei – prometi ao olhar para Isis uma ultima vez sendo carregada pelos Pacificadores. Eu nunca mais veria Feron, nunca mais verias Isis, nunca poderei namorá-la, pedi-la em casamento, ter filhos... Sonhos comuns que graças a essa maldita Colheita eu não poderia realizar. Por um minuto me passou pela cabeça uma cena de meu futuro casamento com Isis, ela estaria radiante de noiva, Juliet e Feron seriam os nossos padrinhos... Mas isso nunca poderia acontecer, pelo menos não para mim.

Os Pacificadores retornaram e me escoltaram para a porta do Edifício Justiça, lá encontrei meu pai apreensivo andando de um lado para o outro, um claro sinal de que ele estava nervoso.

-Onde está Juliet?- perguntei chamando sua atenção

-Ainda se despedindo- ele me respondeu rapidamente e voltando a sua aparência apreensiva cerrando a mandíbula

-Pai- chamei-lhe a atenção novamente - Juliet voltará para casa, isso eu posso te garantir

-Eu devia ter treinado você- ele me respondeu, agora encarando o vazio

-Você não podia prever isso!-exclamei

-Eu devia ter treinado você. Você sabe das armações da Capital! Eles não se importam de você e Juliet se matarem naquela arena! Eles só querem um bom show. Eles matam 23 crianças a cada ano. Eu devia ter treinado você, eu deveria saber que alguma hora você poderia ter sido sorteado, foi muita sorte você ter chegado a sua quinta colheita. Apesar de tudo que eu esperava, nunca pensei que pudessem jogar meus dois filhos naquela arena de uma vez só. – nunca vi meu pai chorando, mas no momento eram visíveis lágrimas em seus olhos – A Capital já me tirou tudo, minha irmã, meus pais, meus valores e até mesmo a minha esposa, agora tenho que aceitar que ela está tirando meus filhos de mim.

Eu não tinha mais o que falar, ele tinha razão, os Jogos o assombravam até hoje. Meus avós sempre trabalharam duro, mas nunca tinham dinheiro para comida suficiente,quando minha tia Nina completou 12 anos,ela se inscreveu para as tésseras. Ela era um ano mais velha que meu pai e no ano seguinte, quando ele fez 12, também se inscreveu pelos grãos. Quando minha tia tinha 14 anos, foi sorteada e morreu na arena assassinada friamente por uma Carreirista do Distrito 1,que acabou sendo a vencedora daquele ano. Aos 16 anos, meu pai foi escolhido e conseguiu sobreviver aos Jogos, porem durante o seu Tour da Vitoria, a Capital matou meus avós. Até mesmo quando minha mãe ficou doente, a Capital atrasou a entrega dos remédios para que ela morresse.

Ouvimos o barulho dos portões do edifício se abrindo e vi os Pacificadores escoltando Juliet. Me impressionei ao notar que seus olhos não estavam inchados de choro,mas eu tinha certeza que quando chegássemos ao trem ela desabaria.

Novamente fomos todos escoltados até a estação, milhares de câmeras estavam lá a nossa espera e só conseguimos nos livramos dos Pacificadores quando já estávamos dentro do trem. Próxima parada: Capital.