Azula encarou o caderno aberto, com a folha direita em branco, e grunhiu. Na esquerda, sua redação impecavelmente estruturada, baseada em fatos sólidos inegáveis e escrita com argumentos convincentes. O “A+” carimbado no topo concluía o quadro de perfeição. Azula conseguia fazer aquilo. Redações eram fáceis, principalmente quando eram argumentativas. Convencer as pessoas de algo no que não realmente acreditavam era basicamente sua segunda natureza.

Dissertações particularmente pessoais e (na opinião dela) invasivas — como aquela —, nem tanto.

Releu a frase mais uma vez, embora, a esse ponto, já estivesse basicamente grava em sua memória. Quase conseguia ouvir a voz da professora em sua cabeça.

Analise a personalidade das cinco pessoas mais próximas a você e explique por qual motivo a sua combina com a deles.

Qual era o motivo daquela redação estúpida, afinal? De que modo ela melhoraria suas habilidades de escrita ou visão crítica do mundo? Pelo amor dos espíritos, Azula estava no ensino médio — os professores deveriam estar ocupados ensinando-os como passar no vestibular, não com atividades recreativas que mais pareciam as brincadeiras de primário que usavam para aproximar as crianças (que ela odiava, é importante ressaltar).

Segurando a caneta com raiva, tentou começar.

Zuko.

Estúpido, lerdo e

Covarde, chorão

Um sem-talento que não sobreviveria dois minutos sem mim

Suspirou, jogando a cabeça para trás. Se entregasse àquilo para a professora, Ursa seria certamente chamada na diretoria. Mordeu a ponta da caneta por um momento antes de recomeçar, em outra página:

Meu irmão, Zuko. Começarei por ele porque trata-se de quem conheço há mais tempo, não exatamente por grau de afinidade. Para dizer a verdade, não somos tão próximos assim. Nós sequer gostamos um do outro.

Somos muito diferentes. Ele sempre teve inveja de mim quando éramos mais novos. Acho que é porque sempre fui muito mais atlética e inteligente do que ele. Mas nossa mãe sempre o adorou por isso. Por ser esse patinho desengonçado que precisa sempre ser ajudado. Ele não possui nenhum talento, e também não é muito esperto. Mas é forte. De algum modo, deu sorte de ser escolhido para o campeonato internacional de judô um fato que eu mesma ainda não entendi por completo. Agora, ele passa mais tempo viajando do que em casa, o que me faz sentir falta de ganhar nossas brigas.

Ele é mais velho do que eu, mas é muito imaturo. Está sempre emocionado por alguma coisa boba, como vídeos de animais fofos na internet. Eu nunca vou entender.

Mas, preciso dizer, ficou muito mais responsável ultimamente. Bem, ele irá fazer 18 anos no próximo verão, então seria realmente triste se ele não tivesse. Mas... é estranho. Eu estava acostumada com ele sendo um chorão covarde, mas agora, sou obrigada a pegar carona com ele de volta para casa quando está na cidade, e ouvi-lo tentando me dar conselhos como se ele fosse algum tipo de adulto cheio de experiências e sabedoria. Que ridículo!

Outro dia, Ty Lee e eu tivemos uma briga por algum motivo bobo (ela está sempre me fazendo perder a paciência), e eu acabei contando para ele no carro. Achei que ele fosse ficar calado como sempre, mas ele me disse para conversar com ela e pedir desculpas, como se eu estivesse errada! Eu disse que era uma ideia estúpida.

Acontece que Ty Lee parou de falar comigo por uma semana inteira. Então eu tive que ir lá e pedir desculpas. E... bem, funcionou. Eu nunca direi ao Zuko que o conselho dele salvou minha relação com a minha melhor amiga, é claro.

Então, acho que ele não é tão ruim assim. Ele parece se preocupar comigo agora, e sempre manda mensagens quando está viajando. Aang (que também viaja com ele, porque faz parte do time júnior de vôlei) diz que ele fala de mim toda hora e sempre compra alguma lembrança para trazer de presente, o que é estúpido, mas... de algum modo, legal. Nossa relação melhorou um pouco depois do divórcio dos nossos pais, e ele tem se mostrado não ser um irmão tão ruim quanto eu achava que era. Nós até conseguimos conversar sem discutir agora.

Enfim, só escrevi sobre ele porque, bem, não tenho muitas pessoas próximas (minha mãe e tio Iroh definitivamente não contam!). Não é como se Zuko e eu houvéssemos realmente começado a suportar um outro.

Zuzu ainda é um estúpido bebê chorão e covarde. E só está nessa lista porque é meu irmão.

Azul pousou a caneta, sentindo-se satisfeita consigo mesmo. Ainda estava incerta sobre os elogios que havia deixado escapar (e se aquilo de algum modo chegasse à Zuko e ele achasse que ela realmente o admirava com irmão mais velho? Seria uma humilhação, sem mencionar um completo mal-entendido), mas gostara do resultado final. Conseguira insultar o irmão sutilmente, e tinha certeza que não perderia pontos por aquilo. Por fim, sorriu e preparou-se para continuar.

Seu celular vibrou sobre a mesa, distraindo-a. Ela viu o ícone de mensagem na testa e o desbloqueou. Ela tinha o grupo de amigos silenciado no aplicativo, mas a mensagem de Zuko notificou:

Zuzu [17;42]

Aang e Toph nos chamaram para comer pizza no shopping. Eu estou chegando aí, e a gente busca a Ty Lee a Mai no caminho, tudo bem?

Eu pago!

Azula digitou e enviou um simples “ok”, e fechou o caderno, guardando a caneta no estojo. Pegou uma jaqueta no guarda-roupa e calçou os tênis, descendo as escadas rapidamente para espera-lo lá embaixo. Encontrou Ursa lendo uma revista no sofá. Ela perguntou com um sorriso:

— Para onde você vai tão arrumada?

— Vou sair com o Zuzu e o pessoal — respondeu.

— Ótimo. Pergunte ao Aang qual o sabor que ele quer para o bolo de aniversário dele.

Azula revirou os olhos.

— A senhora mima demais os meus amigos — acusou.

— E mimo a senhorita também — rebateu. Alguém tocou a campainha — deve ser o seu irmão, vai lá.

Azula foi até a porta, encontrando Zuko do lado de fora. Ele atravessou o cômodo e depositou um beijo no rosto da mãe. Os dois seguiram para o carro juntos. Zuko havia cortado o cabelo, ela percebeu.

— Seu cabelo está estúpido.

— Ora, muito obrigado — ele respondeu, ironicamente, enquanto dava a partida no carro. — Por que demorou tanto para responder? O Aang até te ligou.

— É mesmo? Eu não vi — respondeu, ocultando o fato de que os únicos contatos não silenciados em seu telefone eram o dele, Ty Lee, Mai e de Ursa. — Estava fazendo uma tarefa da escola.

Zuko parou em um sinal vermelho.

— E conseguiu terminar?

Ela demorou para responder. Zuko enfiou uma mão em um bolso do casaco e estendeu um pacote de bombom para ele. Azula aceitou, abrindo o papel laminado que envolvia a trufa.

— É, mais ou menos.