“A política é uma guerra sem derramamento de sangue, e a guerra uma política com derramamento de sangue”.

Mao Tse-Tung

Thirty Seconds To Mars - This Is War

Engraçado como o orgulho é uma coisa perigosa em todos os aspectos. Alguns o têm em excesso, outros lacam dele em demasiado, mas em ambos os casos isso gera apenas problemas e preocupações para todos. Essa, pensou o homem loiro olhando todos os presentes, é com certeza a pior característica humana, a frieza nada faz sem uma chama de orgulho a mantendo em pé, a passividade não passa da falta dessa chama, todos os defeitos humanos parecem ter ligação com essa característica tão inerente a todos. Honestamente às vezes ele deseja simplesmente virar as costas e deixar aquele bando de orgulhosos cabeças duras resolverem seus problemas sozinhos, pena que essa não é uma opção viável por uma série de razões, mas principalmente porque fazer isso nessa situação atual levaria quase que certamente a uma nova guerra. Deus sabe que eles estão a um passo disso.

O homem suspirou pesadamente pelo que pareceu a milésima vez, sua cabeça doendo graças ás constantes discussões que é forçado a escutar e participar a dois dias, uma particularmente acalorada acontecendo neste instante e rapidamente se elevando até os envolvidos estarem ao ponto de gritar. Quem diabos se importa com o que aconteceu na quarta guerra mundial numa hora dessas? Alguns deles nem eram vivos nessa época e a maioria dos que eram não passavam de crianças! O rei estava considerando bater as mãos na mesa de mogno polido e gritar por silêncio quando uma mão masculina, porém suave posou-lhe no ombro e elevando os olhos azuis tão claros que parecem brancos encontrou olhos de uma tonalidade safira vibrante, o cunhado o encarou com simpatia e pronunciou-se em voz baixa:

—Sinto muito por termos arrastado a você e seu reino a isso Ludwig- O tom apolégico soou cansado em seus ouvidos e ele estava prestes a dispensar as desculpas quando o outro o interrompeu com um gesto- Não, nem tente. Sei que é injusto o que estamos fazendo. A Alemanha nada tem a ver com esse incidente, mas você acabou preso nele por minha causa. Sinto muitíssimo meu caro amigo, deve ser estressante presenciar tantas discussões assim.

Ludwig apenas acenou em reconhecimento vendo a verdade nas palavras do cunhado, mas sinceramente ele não se importa de apoiar o outro, o Reino Unido é um dos maiores aliados de seu país e o vem sendo bem antes do casamento entre sua irmã e Vincent, ele nem mesmo se incomoda em coordenar esses encontros internacionais, o problema são essas brigas infantis que vivem desviando-os do assunto principal e só servem para elevar ainda mais os ânimos já exaltados. O cunhado virou-se para a discussão com olhos sombrios e a boca em uma linha fina de tensão, é estranho ver Vincent de modo tão sóbrio e frustrado, o homem de cabelos escuros tem sempre um sorriso e uma frase esperançosa para elevar os ânimos, a última vez que Ludwig viu uma expressão similar em seu rosto o Reino Unido e a União Russa entraram em um combate que durou quase 8 anos.

O rei da Alemanha foi forçado a desviar sua atenção do cunhado quando um quase grito o trouxe de volta ao problema de agora- Por que exatamente aqueles dois estão discutindo ele não pode entender, a Suíça e a Bélgica nem estão diretamente envolvidas no assunto em pauta. Ludwig sentiu sua paciência esgotando-se com cada palavra trocada, o pulsar em sua cabeça só contribuindo para sua frustração e finalmente o rei conhecido por sua temperança levantou-se subitamente e bateu as mãos na mesa chamando a atenção de todos que fixaram os olhos nele:

Chega! Será que é apenas isso que vocês saber fazer? Discutir como crianças pequenas que não sabem conversar? Vocês são reis e rainhas pelo amor dos céus! Comportem-se como tal ou retirem-se dessa sala nesse instante porque essas discussões sem sentido não estão servindo de nada para resolver os confrontos já existentes- O alemão foi duro em suas palavras, o sotaque pesando com sua raiva reprimida e a voz próxima a um grito.

Sua explosão pareceu acalmar os ânimos, talvez por acontecer com tão pouca frequência, e todos se sentaram civilizadamente e em silêncio, porém o clima tenso e irritado permaneceu como uma cortina de fumaça sufocante, Ludwig suspirou pesadamente esfregando as têmporas e deixou seus pensamentos vagarem enquanto analisava os presentes tentando descobrir como retomar o assunto delicado sem provocar outra rodada de gritos. Perguntou-se de leve mau humor porque ele acabou como mediador de uma reunião como essa, eles estão na Suíça exatamente por ser um território neutro, então exatamente como um aliado do Reino Unido ficou responsável por negociar o cessar dos problemas- Sejam eles quais forem- vai ser sempre um mistério.

Nem mesmo ele sabe o que motivou a tensão entre as atuais potencias mundiais, claro elas nunca foram exatamente próximas umas das outras, mas o relacionamento civil desmanchara-se deixando um clima pré-guerra no período de apenas dois meses. Escusado dizer que uma guerra é a última coisa que qualquer um precisa, a quarta guerra mundial acabou há 43 anos, a terceira a 56, eles não precisam de outra nesse século, não quando alguns países nem terminaram de se reestabelecer. Com quatro reinos poderosos e seus aliados lutando entre si as chances de uma nova guerra mundial são grandes demais para o conforto de qualquer um. Se um combate estourar ele será um daqueles a pegar em armas, assim como todos naquela sala de reuniões, é de interesse de todos tentar chegar a um consenso, mas é difícil quando ninguém sabe qual é o problema e os envolvidos nada revelam.

Sua irmã senta-se rigidamente ao lado do marido, Amelia ostenta uma expressão séria que ele não vê desde que os médicos disseram o risco de sua última gravidez, ele pode reconhecer uma faísca de raiva nos olhos dela, Vincent mantem a expressão sombria, uma pose altiva, mas incrivelmente pacífica- Sempre foi um diplomata ao invés de um guerreiro. O rei da Noruécia exibe um rosto hostil, é um dos que mais discute e provavelmente uma das maiores fontes das dores de cabeça de Ludwig, o único que ganha dele- Por muito- é o Czar da União Russa, o homem é simplesmente detestável e sua esposa não abriu a boca desde a chegada deles, o marido parece capaz de irritar qualquer um que chegue perto dele com sua natureza arrogante e inflexível, fora a causa da maioria das discussões quase todas com Lukas ou Vincent. Nem mesmo os regentes irlandeses sempre tão calmos e abertos em suas intenções- Abertos demais se você o perguntar- não dão a menor pista do que pode estar errado. Os demais são outros governantes de reinos aliados das quatro potências, representantes de quase toda Europa estão reunidos ali e nenhum deles sabe o que motivou a tensão, mas embarcarão numa guerra sem hesitar se o destino assim levar. Orgulho, pensou Ludwig com desprezo.

As discussões se estenderam por horas sem chegar a nenhum acordo razoável, pelo menos desta vez com calma e sem gritos desnecessários. Ludwig apertou a ponta do nariz ao ouvir o rei Lukas defender-se de acusações vindas do Czar, alguma coisa sobre sua mania de perseguição e lavagem cerebral. Sinceramente Ludwig prefere mediar às brigas entre seus filhos, ao menos os dois não ficam remoendo a mesma coisa por dias a fim em seus ouvidos. O rei Ibérico deu uma risada leve chamando atenção dos outros, ninguém entendendo o que exatamente é engraçado no momento, ao ver os olhares dirigidos a ele o senhor explicou com sua voz rouca e um sorriso divertido nos lábios:

—Ora, ora tantas discussões assim... No meu tempo nós resolvíamos isso com casamentos! Se havia tensão entre dois reinos logo se dava o jeito de prometer uma filha ou irmã, mesmo prima, e logo o ofendido sossegava quietinho e com a barriga cheia. Essa geração de vocês é certamente uma de crianças problemáticas.

—Os tempos mudaram rei Antonio- Ivan comentou em tom de desprezo- Talvez seja hora de você perceber isso e parar de interromper assuntos importantes com memórias de um homem velho.

—Assuntos importantes? - O senhor riu abanando a cabeça- Ora tudo que eu vi foram você e o rei Lukas trocando insultos, acho que a diplomacia mudou muito também não? E lembrar do passado é uma dádiva garoto, não se esqueça disso.

—Eu não sou um garoto- O homem russo comentou secamente

—Um garoto- Voltou a afirmar o português com calma, seus olhos se estreitando ligeiramente- Eu tenho 86 anos rapaz, tive três esposas, sete filhos e até agora doze netos, estive presente em duas guerras mundiais, enfrentei crises e guerras civis, conheci ao menos duas gerações da família de cada um daqui, sou rei há 65 anos e só a morte vai me tirar essa coroa. Eu acho que tenho o direito de chamar-lhes de garotos quando agem como crianças briguentas.

A verdade é que Ludwig não gosta de ser chamado de garoto também, mas entende o que o velho rei quer dizer. Antonio Bragança é um homem sábio e atento, além de ser um forte aliado do Reino Unido e consequentemente da Alemanha e nesse momento está se tornando a pessoa favorita do rei alemão. Talvez casamentos ainda sejam a resposta, só não do jeito tradicional. Sorrindo pela primeira vez no dia pediu a atenção de todos:

—Se todos concordarem proponho que encerremos a reunião por hoje e nos reunamos novamente daqui a dois dias. Tenho uma ideia de como podemos resolver o impasse e gostaria de apresentar uma proposta formal aos diretamente envolvidos, mas preciso desses dois dias para melhor formulá-la.

Todos assentiram e se retiraram rapidamente, provavelmente cansados. Dois dias é pouco tempo Ludwig sabe, está apressando as coisas e tomando um grande risco, mas também sabe que eles não vão chegar a lugar nenhum com reuniões internacionais como essa, o que quer que seja o problema deve ser resolvido pelos governantes das quatro potências e eles apenas, mas para isso acontecer a Europa precisa ter seus ânimos acalmados de algum modo. E o que acalma melhor o povo do que uma história de amor, mesmo que falsa?