Dreamy - Sonho Simulado

Shiho e sua influência


Acordei com a sensação de que algo ruim tinha acontecido, mas preferi não dar muita atenção a este acontecimento, nem sempre devemos dar tanta atenção assim a eventos baseados na intuição, afinal um novo dia estava aqui pra me testar. Minha lista de tarefas pra hoje está bem vaga, mesmo assim, tenho de preparar alguns documentos para o conselho e fazer tudo impecavelmente na escola.

Levantei de minha cama e calcei minhas pantufas, abri minhas cortinas e a porta de vidro que dava para a sacada de meu quarto, o vento passou por mim e sacudiu as cortinas ininterruptamente ao mesmo tempo em que levantou a gola de meu pijama que no momento estava desabotoada. Fui até a cozinha e preparei um simples café da manhã que coloquei à mesa. O vapor que escapava da xícara de café me tentava a deixar todo o resto de lado e simplesmente ir até ela, mas eu sabia que devia me concentrar nas outras coisas também.

Comi minhas torradas crocantes ao som da quebra de suas fibras secas enquanto olhei pela janela, as nuvens passavam pelo céu numa velocidade razoavelmente lenta, era meio melancólico.

Acho que ainda não me apresentei. Muito prazer, meu nome é Hiyari Shiho, sou amiga de Yuuka Mizushima e, como deve ter percebido, me esforço ao máximo para ser uma pessoa perfeita à vista de outros, embora não ache isso motivo de orgulho senão uma mera obrigação que todos deveriam seguir, assim o mundo funcionaria melhor e de maneira mais racional.

Sou também a presidente do clube de música do qual participam junto comigo, Kenji Matsumoto, Yuuka Mizushima, Yumi Sato, e mais recentemente Kyaro Yoshi e Kachiharu Tsumi.

Ao terminar minha refeição, olhei o apartamento em que estava. Havia uma televisão ligada e presa à parede que refletia a luz que adentrava o espaço através da janela enquanto deixava as palavras do jornal matinal escaparem, os sofás em frente à televisão estavam limpos e apresentáveis, sem manchas nem sujeira, ao lado dos sofás havia uma pequenina mesa onde ficava um jarro de flores banhadas a água. Logo atrás do grande sofá estava a mesa com seis cadeiras a seu dispor.

Limpei tudo o que tinha sujado e guardei todas as louças depois de limpas. Fui para o banheiro e me olhei no espelho, penteei meus cabelos lisos compridos, lavei meu rosto e escovei meus dentes, usei meus cosméticos para poder manter um bom aspecto durante o dia todo. Voltei para o meu quarto e peguei meu uniforme que estava pendurado num cabide, tirei meu pijama branco listrado de verde-água para dar lugar a meu uniforme azul listrado de branco.

Ao estar toda arrumada, apenas esperei por Yuuka em frente ao computador preparando vários documentos que havia citado antes.

Inesperadamente, a campainha de meu apartamento tocou cedo demais, alguém desejava falar comigo pelo interfone, desconfiada, desliguei o monitor de meu computador.

“Agora? Quem será? Yuuka consegue acordar tão cedo?”

Levantei da cadeira de escritório que continuou girando por um breve instante, passei pelos cômodos de meu apartamento até chegar à porta. Atendi o pequeno interfone que estava logo ao lado da peça de madeira envernizada.

—Alô? Quem fala?

—Ah! Bom dia, eu estou aqui para entregar uma encomenda para a Hiyari Shiho-san, é aqui que ela mora?

—Sou eu, vou abrir a porta, espere.

Desliguei enquanto ainda era capaz de ouvir seu “obrigado” sendo abafado pela distância entre minha orelha e telefone branco em minha mão, apertei um pequeno botão para que ele pudesse subir. Indo ao corredor, vi que as portas dos vizinhos estavam fechadas na comprida linha reta, somente a minha estava aberta.

Ao fim do corredor havia uma sacada por onde parte da luz entrava, mas o resto era iluminado completamente por simples luminárias cúbicas de luz branca. No chão havia um extenso tapete vermelho sobre um piso de madeira em contraste com as paredes em um cinza bem claro, sem estampa. Olhei atenciosa para as portas automáticas do elevador que se abriram não muito longe de mim, era um garoto mais alto que eu, como de se esperar, seus cabelos eram lisos e quase brancos, digamos que prateados. Ele estava vestido com o mesmo uniforme de minha escola e estava carregando uma caixa de correio embrulhada num papel laranja, aqueles que vêm com um adesivo de informações como destinatário e remetente.

Ele olhou para um lado e para o outro, checou o número do apartamento no adesivo que estava colado na superfície superior do pacote.

—607...

—É aqui. — Ele me olhou surpreso ao ouvir minha fala.

—Você é Hiyari Shiho?

—Em carne e osso.

Ele me olhou dos pés à cabeça, como se estivesse avaliando cada aspecto de minha silhueta. Ao chegar à frente de minha pessoa, estendeu o pacote para mim, que estava escorada na parede.

—Vim lhe entregar essa encomenda, parece que é de seu pai.

Olhei o adesivo no pacote e confirmei, de fato era de meu pai, estava com alguns arranhões, mas com certeza isso era culpa deste garoto, não há dúvidas de que ele é um amador.

“Onde já se viu? Fazer o serviço desse jeito, esses amadores realmente não valem aquilo o que fazem ou entregam.”

Analisei a caixa mais uma vez, entrei em minha casa, e como dias atrás Yuuka me disse para ser mais gentil com as pessoas, convidei o garoto para entrar junto comigo. Ele adentrou o cômodo observando cada detalhe da sala de estar e dizendo coisas como “Uau! Que lugar organizado”. Não vou mentir que me vangloriei em pensamento desse elogio.

Disse a ele que iria preparar um chá, então ele poderia ficar à vontade pela casa, indiquei calmamente que o banheiro era facilmente acessível a partir do corredor e ofereci um pagamento extra pelo serviço, embora ele não merecesse. Peguei um pequeno recipiente de alumínio e enchi-o com água, liguei o fogão e coloquei a água para ferver. Em pouco tempo, as bolhas estavam vagando pelo interior do líquido, o vapor fluía pelo ar e eu apenas esperei de braços cruzados, encostada na bancada.

O garoto se sentou no sofá e virou-se para trás.

—Pelo seu uniforme... Você estuda na Teacher Gary Benson?

—Sim, sim. Se eu não me engano, você se chama Hirazo Shiro, não é mesmo?

—Wow! Como você sabe?

—Vi seu nome na lista de reclamações contra alunos do conselho estudantil. Se você soubesse o tanto de problema que você dá pra gente...

—Ugh... Conselho? Ah... Que notícia animadora.

—Não precisa se preocupar. — Disse enquanto colocava a água fervendo nas xícaras cuidadosamente — Suas infrações não foram muito graves ultimamente.

—Ainda bem, eu achei que ia ser punido ou alguma coisa assim.

—E vai se continuar cometendo esses atos. Pronto, seu chá está aqui. Não precisa vir, vou leva-lo até você.

—Que bom que minha situação não tá tão ruim.

Entreguei-lhe a xícara e ele me lembrou de que precisava receber o pagamento de quem o havia enviado até mim antes de ir para a escola, eu tranquilizei-o dizendo que havia um tempo razoável antes dele ter que sair. Então, sentei ao seu lado no sofá. Ele parecia tenso, podia notar que sua musculatura estava um pouco rígida e seu olhar fixo em algum lugar.

Então, tentando o fazer ficar mais confortável, coloquei minha mão direita sobre seu ombro com a intenção de dizer que não iria fazer mal nenhum a ele.

—Obrigado pelo chá, m-mas realmente tenho que ir.

“Você só tá nervoso.”

—Você não precisa ficar assim, já disse que não tem nada de pra se preocupar.

Nesse momento Yuuka chegou ali, foi uma surpresa, ela estava bem adiantada. Olhou-nos por um bom tempo e viu que o garoto estava meio assustado, ela focou em mim tentando entender o que havia acontecido.

—Shiho, quem é esse cara? Seu pretendente?

—O que?! — Hirazo-kun parecia realmente confuso com a situação.

—Claro que não Yuuka, ele veio me entregar essa encomenda do meu pai.

—Eh... Então era isso, qual é o nome dele?

—Hirazo Shiro.

—E o que tem dentro desse pacote?

—Acredito que seja meu novo violino.

—Não, espera, como assim “novo”?

—Eu quebrei o meu outro.

—Q-Quebrou? Como? Quando?

—Eu tava tocando ele ali na sacada, mas o som estava começando a me irritar, mesmo com ele desafinado eu consegui tocar bem, mas ele realmente tava me irritando. Então eu joguei na parede. Claro que limpei cada pedacinho depois.

—Mas como assim? Um violino é extremamente caro! — Sincronizados, protestaram os dois.

—Bem, ele estava em mau estado, então deveria ter ido para o lixo o mais rápido possível. Não fiz nada mais que o meu papel, além do mais, meu pai acabou de me enviar esse novo, então não vou ter problemas por mais um tempo.

Os dois me olharam estáticos, os únicos movimentos que eram notados naquele cômodo eram os proporcionados pelo vento que entrava pela porta de vidro. Disse a eles que iria apenas finalizar uns documentos que estava preparando em meu quarto e que eles poderiam me esperar ali na sala mesmo enquanto não voltasse.

—Ela podia aprender a ser econômica...

Andei pelo corredor enquanto os dois se apresentavam e se davam bem, entrei em meu quarto e fechei as portas que davam para a sacada, assim como as janelas, nunca se sabe quando algo estranho pode entrar por elas.

Por meio de ríspidos comandos de voz, salvei os documentos e os enviei para meu telefone celular, assim como desliguei o computador. Voltando para a sala, ajeitei o lenço que se posicionava abaixo da aba de meu uniforme, disse para os dois que conversavam animadamente que já estava tudo pronto para sairmos. Assim acompanhamos Hirazo em seu trajeto em busca do pagamento, depois disso fomos juntos para a escola passando pelas mesmas ruas e avenidas movimentadas. Parece que ele trabalhava fazendo bicos pra conseguir dinheiro e “investir” isso em jogos e depósitos bancários, talvez esteja guardando dinheiro para algum plano futuro.

...

Na escola, assim que passamos pela entrada principal, a primeira pessoa com quem topamos foi com Yarushi-san, nossa presidente do conselho com menos de um metro e meio de altura. Ela, do mesmo jeito com que ele fez comigo, o analisou por completo e perguntou com um fundo de certeza:

—Esse é o nosso marginalzinho?

—Sim, entretanto, parece que ele também pratica ações de bem.

—Por favor, não me tratem como um ex-presidiário... — Dizia desapontado.

—Ele tem razão Shiho e Yarushi-san, não deveriam dizer isso.

—Não diríamos se ele não arranjasse confusão a cada semana com os veteranos. Sinceramente, você não toma jeito nunca? — Dizia a presidente impaciente.

—Hey, vem cá, a sua ficha tá preta assim mesmo? — Yuuka o trouxe para um cantinho do corredor movimentado de alunos falantes a fim de ter uma conversa mais privada.

Não faço a mínima ideia do que ele disse para Yuuka, mas ela pareceu ficar bastante surpresa depois de ouvir sua fala. Acho que não deveria pergunta-la o que ele a disse, afinal, conhecendo Yuuka, ela acabaria defendendo o garoto ao qual acabou de conhecer e se envolveria no caso desnecessariamente.

Enquanto isso, entreguei os documentos para Megumi e discuti com ela sobre as várias tarefas que teríamos de realizar nas próximas semanas como: revisar o índice de regras da instituição, procurar novos investimentos para eventos futuros e preparar a formatura dos formandos desde agora.

No meio da conversa, Yarushi citou que precisaríamos fazer um trabalhinho e que eu devia escolher um aluno de minha preferência para poder me ajudar, depois disso, saiu dali. Após ponderar sobre o assunto ao lado de Yuuka e Hirazo no meio do corredor movimentado de estudantes que chegavam a todo o momento, olhei para os dois.

—Yuuka, você poderia me ajudar depois da aula com um serviço do conselho?

Ela me olhou desconfiada em resposta, com certeza iria recusar. Escondeu seus braços atrás de si e dobrou uma de suas pernas batendo o bico de seu sapato no chão, como se estivesse bolando uma desculpa.

—É... Eu não posso fazer isso outro dia, não? Tenho que treinar pra amostra de hoje, lembra? A-A-Além do mais, e-eu tenho que pensar sobre o plano com a Tsumi!

Suspirei e olhei para Hirazo, ele parecia estar com medo quando trocamos olhares. Não tinha jeito, iria levar ele.

—Você Hirazo-kun, vai vir comigo depois da aula ajudar o conselho.

—M-Mas eu já tenho planos!

—Sinto informar que isso não importa, afinal sua situação não é das boas.

—... Ok, ok.

—Ah! Que bom que vocês se deram bem, nos vemos depois! — Disse Yuuka enquanto deixava o lugar correndo.

—Não corra desse jeito! Vai machucar alguém!

Ela apenas continuou até sumir na virada do corredor. Despedi-me de Hirazo e ele seguiu seu caminho, apenas lhe disse que ele deveria me encontrar nos prédios dos fundos da escola, onde ficavam os laboratórios de informática e maioria da parte administrativa da instituição. Antes de a aula começar, eu ainda tinha alguns minutinhos para pensar em algumas coisas. Peguei minha lista de pontos a melhorar e a observei minuciosamente, vários pontos ali listados ainda continham suas próprias deficiências como: paciência, ternura e animação. Em minha opinião, estas são difíceis porque têm de dar vazão aos sentimentos, e todos sabemos que sentimentos atrapalham as coisas igual a um objeto que afeta a luminosidade produzindo sombras.

Andei pelos corredores, havia várias meninas conversando em grupos enquanto os meninos geralmente ficavam em trios ou duplas conversando sobre coisas triviais como jogos e filmes. Meu passo calmo permitiu que minha sombra se projetasse calmamente em aversão à luz que entrava pelas largas janelas que arejavam o prédio.

Lá fora, as árvores e os gramados da escola passavam lentamente pela paisagem conforme movia meus pés, as folhas balançavam graciosamente enquanto as flores de cerejeira caíam com compaixão sobre o chão colorido em verde vivo. Ao horizonte, vários prédios com faixadas inteiramente cobertas por vidros ou concreto. Se você olhasse de certo ângulo, perceberia que havia também viadutos e trilhos sobre algumas avenidas por onde passavam veículos de diversos portes e mesmo trens com cargas ou de passageiros. Com sorte, também conseguiria ver que no topo de alguns dos prédios havia geradores de eletricidade eólica, não era raro notar também grandes aglomerados de painéis solares.

Ponderei sobre diversos assuntos e enfim cheguei à minha sala após subir as escadas do prédio principal. Segui calma até minha mesa situada no exato meio do ambiente. Senti-me incomodada com os olhares que se fixaram em mim por todas as direções, isso me deixa raivosa. Coloquei minha maleta dentro do compartimento que ficava abaixo do terminal tecnológico educacional, uma espécie de computador integrado à mesa. Reclinei-o para melhor atender a meus olhos.

Se olhasse direito perceberia que no canto inferior esquerdo do equipamento estava a marca de seu fabricante, no caso, a famosa AdvancedFuture Technologies, a atual detentora e criadora do sistema, franquia e consoles de entretenimento de realidade virtual, Dreamy, o simulador de sonhos. Eu mesma tenho o meu, mas uso apenas para fins extremamente específicos, não desperdiço meu tempo me enganando com as ilusões que aquilo gera.

Conectei meu smartphone ao terminal pela entrada USB lateral, sincronizei meus arquivos na pasta pessoal do grande aparelho que abrigava minhas pernas abaixo de si. Todos me olhavam em silencio. Digitei, formatei e enviei alguns relatórios para o banco de dados do conselho, e depois, abri um arquivo PDF de um e-book como usualmente fazia. Eu precisei virar a página com meu dedo para que todos percebessem que não havia nada demais em minha chegada à sala de aula.

O livro que estava lendo contava a história de uma menina que junto de três amigos, voltou para a Terra um século após sua devastação total, mais precisamente no ano de 2167. Diferente do que os outros pensavam, eu lia esse livro para ampliar meus conhecimentos sobre química, física, botânica, biologia e mecânica.

De repente, quando estava para virar a 72ª página, uma janela de bate-papo foi aberta no canto do monitor touchscreen integrado à mesa, um singelo efeito sonoro ecoou pela sala junto com a mensagem de “Bom dia!”. Todos ao meu redor estranharam o acontecimento, afinal, não era comum me ver conversando com alguém via mensagens, nem mesmo nesse horário. Mas, para falar a verdade, não me impressionei muito com quem estava do outro lado da linha.

“Kyaro-kun, huh?”

Minimizei o leitor PDF e requisitei a abertura do teclado optando pelo teclado virtual em vez do físico, até porque, este último produz muito ruído. Digitei rapidamente minha mensagem.

[“O que deseja comigo senhor pegue-minha-tarefa?”]

[“Isso é jeito de se tratar um membro do mesmo clube? Ou melhor, um veterano? Eu só queria conversar.”]

[“Considerando que você estava empurrando uma tarefa sua para que nós resolvêssemos, presumi que não fosse um veterano experiente que merecesse respeito.”]

[“Puxa... Obrigado pela parte que me toca. E então? O clube vai ter atividades hoje? Ontem eu fui pra lá junto com a Tsumi, mas Matsumoto-san nos disse que as atividades tinham sido canceladas por você.”]

[“Sim, vamos ter só uma atividade hoje, todavia, vou demorar a chegar por causa do conselho, então vou notificar à Yuuka que enquanto estiver fora, ela pode treinar para sua apresentação de Pachelbel Cânone em ré maior e Pachelbel’s Nightmare.”]

[“Pachelbel Cânone? O que é isso?”]

[“Johann Pachelbel foi um compositor alemão barroco, uma de suas músicas mais conhecidas é Cânone, Mizushima vai provar que pode ser nossa pianista se conseguir tocar pelo menos uma delas para piano, embora Pachelbel’s Nightmare seja uma espécie de remix de Cânone.”]

[“Entendi, e quanto eu e Tsumi?”]

[“Ainda vamos testá-los, não sei muito sobre vocais, mas prometo me informar o mais rápido possível sobre o tema.”]

[“Bom saber, vou dizer à Tsumi.”]

Senti que a conversa havia parado por ali, então fechei a janela, contudo, ela voltou a aparecer com mais uma mensagem de Kyaro-senpai.

[“Obrigado, até mais Hiyari-kouhai.”]

“Kouhai”... Honorífico japonês destinado às pessoas de nível ou patente inferior a quem o diz. Sei que é parte das boas maneiras, mas não concordo em ser referida como tal. Chequei minha caixa de entrada e havia recebido um e-mail um tanto curioso, um ramo alternativo de minha família havia ganhado um novo integrante hoje, lhe deram o nome de Zhell Bletvan, respondi com um simples parabéns ao remetente. Voltaria a folhear meu livro no leitor de PDF se não fosse o sinal que deu início à aula.

Todos os alunos se sentaram e reclinaram seus terminais, nem todos em sincronia, mas grande parte sim. As telas de boas-vindas já começavam a aparecer e tabelas com horários e a fazeres eram colocadas no plano cristalino. A professora então entrou na sala, e sentou-se à mesa na frente de todos. Ela não era tão nova, mas também ainda não havia passado dos 30, pelo que ouvi nos boatos.

—Bom dia alunos! Hoje nossa primeira aula é de geografia. Vou introduzir vocês ao nosso continente de uma maneira mais sólida do que vocês já viram antes. Como vocês todos já sabem, nosso continente está situado no oceano índico, atualmente ele se chama Farglitch, esse nome foi dado a esta porção de terra por conter várias falhas geológicas em seu território e por estar um pouco distante dos “velhos mundos”, podemos ter terremotos e erupções a qualquer momento, mas, para alguns países, isso é até algo bom, até porque já é totalmente possível a energia elétrica geotermal. Nosso litoral é bastante recortado e possuímos dois vulcões, diversos rios, muitos golfos, baías e cabos.

Enquanto a professora falava solenemente, as janelas da sala de aula, ou melhor, seus vidros, se tornavam cada vez mais foscos e escuros. Até chegar ao ponto de não podermos mais ver a paisagem lá fora, foi aí que nossos terminais começaram a exibir modelos 3D interativos em suas telas, o brilho azul que emanava dos dispositivos iluminava o rosto de meus colegas, enquanto isso, o quadro digital da professora formava gráficos e tabelas sobre a economia do continente, sua população e dados meteorológicos em função do período anual, tirava trechos do modelo 3D para destacar falhas geológicas, criava caixas de texto com informações sobre as partes principais do conteúdo e várias outras coisas a mais.

—E, também, como todos vocês sabem, — Disse ela se sentando por cima de sua mesa — vivemos no único país de Farglitch ainda não totalmente independente dos “velhos mundos”. Por velhos mundos, quero dizer os demais continentes, vocês entendem? As negociações começaram ano passado, mas é claro que o Japão e o Reino Unido não vão abrir mão de nós, até porque somos o único país desse continente que lhes restou como colônia. Sim, os dois fizeram um tratado chamado de Metrópole Anglo Nipônica. No caso, ambos são metrópoles e nós somos a colônia devendo prestar conta de tudo a eles. O interesse deles se deve principalmente porque somos um complexo industrial com grande potencial em extrativismo mineral e vegetal.

Ela se levantou da mesa e soltou seu cabelo ruivo que estava, em parte, preso num coque, pegou uma espécie de tablet prancheta em seu braço esquerdo e com a mão direita segurou um bastão metálico fino para apontar coisas em seu quadro. Ajeitou um pouco seu laço de linha que estava por baixo da gola de sua camisa branca coberta por um terno feminino. Assim que ela apontou o bastão para o centro do quadro, todos os dados desceram para uma de área de transição onde ficariam guardados até serem usados novamente, um mapa do continente se formou no grande plano informatizado.

—Atualmente, 10 países e uma colônia formam esse continente. O nosso é o Complexo Industrial Ekio. Temos também os países de Zissu, Muena, Utue, Mull, Myphin, Ikommob, Estados Unidos de Atta, Reino de Efli, Shion e Chib. Sendo que mesmo com a queda da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), os países de Chib e Mull continuam com este regime político econômico. Nossa história se inicia em 1900, somos o mais recém-descoberto continente do mundo, e evoluímos muito bem com o passar do último século. Pode-se dizer que somos a Fórmula 1 da economia. Entretanto só fomos capazes disso porque os outros países, excluindo nossos colonizadores, não prestaram muita atenção em nós. Também somos o continente mais sustentável do planeta, funcionamos à base de ventos, luz, ondas e imãs.

A professora abriu um navegador e este já havia carregado uma página de notícias da região. Só para deixar claro, tudo neste continente foi colonizado por Reino Unido e Japão, então falamos inglês, japonês e temos uma mistura das duas culturas, porém a que predomina e é mais praticada é a japonesa.

—Os países que formam Farglitch se uniram e criaram juntos o CDCN, o BECN, a FACN, FTCN, e a FMCN. Respectivamente eles seriam o Conselho de Defesa, o Bloco Econômico, e as forças militares aérea, terrestre e marítima, todas do mar do Cristal Norte que fica logo na borda superior de Farglitch. Mas, tem um detalhe nessa história que nos deixa à parte do que nos rodeia, por sermos ainda uma colônia de países de fora, não somos totalmente beneficiados pelo que acontece nos demais territórios.

—É por isso que vão fundar a EICN. — Comentei.

Surpresa a professora apontou para mim, e disse um animado “Isso!”.

—Correto! A Organização dos Estados Independentes do Cristal Norte é uma confraternização que está sendo planejada junto com todos os países de Farglitch. Vai ser uma espécie de integração total de todos os cidadãos. Ou seja, todos vão ter extrema liberdade de ir e vir com a mínima burocracia já vista na Terra, os países vão se ajudar como se fossem uma única nação e vão se apoiar em tempos de dificuldade coletiva. Mesmo quem pertence ao regime socialista vai ser completamente aceito no resto capitalista do continente. Como disse, é uma integração total. Um exemplo disso pode ser aplicado a vocês, todos vocês querem prestar exames de admissão em instituições prestigiadas de ensino, não querem? Se a EICN realmente for fundada, e o nome Farglitch for mudado para a sigla, então vocês poderão estudar em qualquer escola do continente que preferirem.

Todos os alunos ficaram admirados com as vantagens citadas pela professora que falava animada sobre o assunto. Mas... Em minha opinião, estamos caminhando para o fim da humanidade como a conhecemos.

“Quanto mais e maiores as organizações, mais interesses, quanto mais interesses, mais conflitos, ganância e inveja, quanto mais dessas coisas, mais guerras e destruição. Por que estamos eufóricos com nosso fim?”

—Contudo, mesmo com a abolição do uso de combustíveis fósseis em vários lugares do velho mundo, muitos ainda continuam a usá-los e estes já estão escassos, por isso algumas nações de fora fizeram pactos econômicos de investimentos com Farglitch em troca da busca por petróleo, e minérios por preço acessível. E o foco dessa busca é o nosso país. Portanto, várias linhas ferroviárias estão em construção e sendo integradas à malha internacional para ampliar a quantidade de matéria prima escoada e aumentar os ganhos de Ekio.

“É verdade... Meu pai que o diga, o magnata das linhas férreas, fez um trato com o governo em troca do aumento da malha ferroviária da própria companhia.”

—Se não me engano, seu pai é o dono das Corporações WorldExpress certo? Hiyari Shiho-kun.

—Sim, sim.

—Tem alguma coisa a declarar sobre ele?

—Bem, meu pai é um homem muito ocupado, então não tem muito tempo pra mim. Ele conversa comigo uma vez a cada bimestre por e-mail, me deu um apartamento pra morar sozinha com tudo pago, um violino novo pra praticar, uma boa escola pra estudar, sempre me enche de metas a cada conversa e estabelece alvos pra me desenvolver como pessoa e assumir o lugar dele. Ele vive cercado de assistentes e de vez em quando me chama para ser sua secretária pessoal pra me treinar. Ele estudou economia, administração, engenharia, mineração, mecatrônica, nanotecnologia e várias de suas formações foram simultâneas. Todos os dias ele conversa com a mesa de diretores que conseguem cada vez mais acionistas colocando a empresa no topo de qualquer bolsa de valores.

“Por isso me convenci de que tenho de ser perfeita. Para assumir o lugar dele e provar que sou a pessoa mais competente que já existiu.”

Não que eu me orgulhe disso, porém, ter alguém regendo cada milímetro de sua vida é um tanto irritante. Meus colegas de classe me olhavam com receio, talvez com um pouco de medo, afinal a filha de um magnata estava em seu meio. A professora, ao contrário, me olhava com olhar subestimado.

—Bem, mas mesmo antes de ser filha de magnata, você é só uma garota, não é mesmo? — Essa mulher estava me desafiando?

—Com certeza, minhas notas podem ser as melhores dessa sala, posso ter o máximo desempenho dessa escola, saber administrar meu patrimônio como ninguém aqui sabe, mas sou apenas uma garota, assim como minhas colegas.

Cochichos fluíram pela sala com clima tenso, as garotas talvez estivessem interessadas num “embargo interpessoal” comigo, os garotos, que eu podia ouvir claramente, faziam apostas de quem se atrevia a tentar namorar comigo.

Em suma, a partir dali, o clima ficou tenso.

...

—Hiyari-san, você é mesmo filha de alguém tão rico? — Me perguntou a representante recém-eleita de minha classe.

—Sim, por que eu mentiria?

—Ah! Por nada... Me desculpe.

—Agora, com sua licença, vou me retirar, preciso resolver assuntos referentes ao conselho. Se ainda precisar de mim, estarei na sala do clube de música depois de algum tempo.

—Eu também estou indo pra lá... — Disse desapontada com a minha saída enquanto ainda falava à minha pessoa.

Saí da sala carregando minha maleta de estudos. Uma coisa que talvez tenha ficado estranha e eu gostaria de esclarecer, talvez pensemos que seja inútil trazer maletas de estudo quando temos nossos terminais educacionais, não é mesmo? Entretanto, se esses terminais tiverem seus arquivos corrompidos, forem bloqueados pela quarentena do sistema de segurança, quebrarem ou não conseguirem estabelecer suas conexões com os servidores da escola, temos um tablet de emergência e provisório que podemos usar para fazer anotações até que os terminais estejam prontos novamente, além disso, portamos o carregador, alguns documentos e papéis caso precisemos fazer uso destes. Alguns alunos gostam mais de usar o papel, outros gostam da maleabilidade do tablet e outros se conformam com os terminais como são.

Caminhei por várias salas e mudei de prédios várias vezes até chegar aos fundos da escola. Adentrei no ambiente, havia muitas pessoas do corpo docente trabalhando ali, na maioria, correndo e gritando, fazendo pedidos de documentos e fichas, entregando e preparando cafés e chás, folhas de papel estavam voando pelo ar, aquilo era uma bagunça com vários professores correndo e se esbarrando o tempo todo. Era um furdunço só. Por mais incrível que pareça era assim o ano inteiro, tudo para preparar as fichas dos alunos, sinceramente, esse sistema tinha que ser reformado. Não veem que ficar guardando arquivos de texto fragmentados em diversos discos rígidos é um atraso de vida pra juntar depois? Passei calmamente por entre o cenário violento me esquivando de objetos voadores que as pessoas ali jogavam para acelerarem seu rendimento. Era como um centro de operações da polícia. Havia um grande telão e extensas fileiras de bancadas com pessoas sentadas em frente a terminais administrativos, o nome da pessoa em foco era colocado num grande telão com suas informações básicas, sendo assim a função de todos era reunir o máximo de informações da vida escolar e profissional da pessoa até então, todos eram os veteranos que saíram da escola. Assim que todos os dados fossem compilados, eram enviados para os servidores federais onde eram computados e distribuídos entre as organizações e instituições que procuram funcionários, estudantes, profissionais ou mesmo políticos para exercerem suas devidas funções conforme as habilidades das pessoas catalogadas permitissem.

Dirigi-me à lateral esquerda do cenário, onde, por uma escada, subi numa plataforma, um tipo de segundo piso. Havia várias portas indicando diferentes partes do setor administrativo, segui para a que se referia ao conselho estudantil. Abri a porta e segui. Tudo o que tornava o ambiente claro era a luz que entrava pela janela, o ambiente parecia um tanto escuro, um cenário formado para uma discussão. Todos os novos líderes de turma estavam em pé logo atrás dos antigos que estavam sentados às mesas que formavam um quadrado fechado. Todos estes últimos estavam com um broche de uma estrela amarela com uma pequena faixa onde podia se ver escrito “líder”. Olhei adiante e vi que Yarushi-san apenas esperava minha chegada, a cadeira ao seu lado esquerdo estava vaga. Era a minha cadeira, mas não me sentaria.

—Vejo que estamos completos agora, líderes, passem a diante sua posse. — Disse Yarushi se levantando e erguendo sua mão em orgulho para o lado.

Os alunos se levantaram formalmente e, virando-se, entregaram seus broches aos novos líderes que se sucederiam por um ano. É claro que alguns ali não precisaram fazer isso, pois foram reeleitos, outros, porque já não estavam mais ali, isto é, os formandos.

Assim que terminaram a pequena cerimônia, os antigos formaram uma fila em frente à porta e se curvaram, saindo assim de sua memorável honra de trabalhar em conjunto com o conselho estudantil da Teacher Gary Benson.

—Muito bem, que todos sejam bem-vindos. Começa hoje o mandato de vocês em suas respectivas salas, mas antes de entrarmos em seus méritos, falemos um pouco sobre esse pequeno arranjo de alunos. Todas as semanas temos ao menos uma reunião, vocês são responsáveis por recolher dados secretamente dos alunos, todos eles permitiram isso quando assinaram os Termos de Uso da escola ao fazerem suas matrículas, isso dá o direito de espionarem que for preciso para descobrirem se estes estão praticando ações ilícitas dentro dos limites da instituição. Assim podemos manter controle total da situação e consertar o que está errado.

Alguns se viam com medo de nossa presidente, afinal, não sabiam que podiam ter sido espionados todo esse tempo antes de se tornarem líderes.

—Todos vocês têm de jurar sigilo e fazerem o máximo para não revelarem o segredo. Vale lembrar que diversos alunos já o tentaram, mas nós sempre conseguimos os deter com algum tempo de antecedência. Então, tudo o que vocês souberem aqui dentro, fica aqui dentro, do contrário, vocês vão se renunciar e se transferir de escola “voluntariamente”.

A conversa se desenrolou a partir dali com várias expressões de medo e insegurança, a luz que descia da janela em nada ajudava a manter um clima confortável, me recostei à parede esperando pelas controvérsias que seriam lançadas.

Consigo entender que a carga e a pressão colocada sobre os novatos eram imensas e que eles deviam estar se roendo em apuros, mas assim que ela terminasse de introduzi-los ao conselho, meu papel era de acalmá-los.

—Seus deveres como líderes são de manter a paz entre os estudantes, fazer negociações entre os outros líderes e promoverem o interesse de sua turma, que fique claro que não estamos proibindo a rivalidade. Portanto fiquem à vontade para se ofenderem com qualquer coisa que outros líderes disserem, afinal, a regra de denúncia só não é válida para relacionamentos líder para líder.

—Isso quer dizer que nós podemos nos matar que a escola e o conselho não farão nada? — Disse um garoto que já ajustava sua gravata para aliviar a tensão.

—Não chegaríamos a este ponto. Temos um nome a zelar por nosso querido fundador. — Retrucou — Mas, em parte, vocês podem até se agredirem fisicamente, desde que mantenham o sigilo das ações do conselho.

—Mas isso é errado! Além de invasão de privacidade é omissão de socorro assim como injustiça! É in-jus-ti-ça! — Atacou uma menina as palavras de Megumi.

—Digo à moda de nosso amado Maquiavel, “Os fins justificam os meios”.

—Eu não aprovo estes métodos! Quero renunciar agora!

—Que pena, o regulamento da escola prevê que os novos líderes só podem se renunciar pelo menos depois de uma semana de mandato para que então haja uma reeleição segura. Eu sei que devem estar assustados, portanto, quero que escutem as palavras de Hiyari Shiho-san, nossa conselheira.

Não havia outra saída, eu tinha de agir, podia notar certo receio em seus olhares. Aproximei-me de um pequeno quadro eletrônico no canto da sala, liguei-o e comecei a explicar porque não deveriam ficar tão assustados, uma suavização das palavras de nossa presidente.

“Sinceramente, se fosse por ela, cabeças rolariam todos os dias...”

—Quero que me escutem com toda a atenção, vocês agora são os representantes de suas salas, assim como a presidente Yarushi lhes falou, é dever de vocês promoverem a paz entre o corpo discente. Não queremos ouvir histórias de que andaram se agredindo todos os dias, por isso, sejam amigáveis uns com os outros. — Olhei para a representante de minha classe — Vocês serão parceiros na luta contra as irregularidades cometidas pelos alunos. Não que eu aconselhe vocês a fazerem isso todos os dias, e nem por motivos pessoais, mas podem usar de espionagem se a situação requerer. Queremos que usem os dados coletados para melhorar a situação dos alunos, e, se não conseguirem, tragam o caso para o conselho ou usem métodos alternativos para a melhora. Não queremos índices de reprovação altos embora os requisitos de nossa escola também sejam.

A conversa prosseguiu por um tempo razoável até o fim do horário de almoço. Mas, como garantido pela escola, os líderes poderiam chegar a suas classes um pouco atrasados depois de sua primeira reunião. Por incrível que pareça, no fim eu consegui convencer todos a permanecerem em seus cargos. É claro que desmereci algumas palavras de nossa presidente pra ganhar a confiança deles, contudo expliquei que tudo que ela havia dito era verdade.

...

Sexta-feira, 6 horas da tarde, terceiro dia de Abril de 2037. Andei rapidamente pelos corredores, Hirazo já devia estar me esperando sob a luz alaranjada do sol. Andei sobre uma plataforma que atravessava o pátio por cima ligando um prédio a outro. No caminho, encontrei-o segurando uma lata de lixo. Observei a cena e ele me cumprimentou formalmente.

—Boa tarde, Hiyari-san.

—Boa tarde. Então você estava pra limpeza hoje?

—Sim, era desse compromisso que eu tava falando.

Pensei por um instante e perguntei:

—Vocês já terminaram tudo por lá?

—Sim, sim, eu só preciso levar essa lixeira de volta.

—Isso é bom, então venha comigo. — Puxei-o pelas costas beliscando seu uniforme.

—Espera! A lixeira!

—Depois você volta, só venha.

Seguimos caminho até os laboratórios onde Yarushi junto com o vice-presidente nos esperavam, havia ali quatro salas cheias de computadores que precisávamos checar. Como estávamos em quatro, dividiu-nos em um par para cada dois laboratórios.

Não vou mentir que a intenção de me trazer aqui era pra espionar Hirazo.

No interior do inóspito cômodo, trocamos monitores, consertamos cabos mal encaixados, verificamos a conexão com os servidores e notamos sistemas operacionais OSBoxes com arquivos corrompidos.

—Esse aqui também tá mal... — Disse ele.

—Só coloque aqueles adesivos que eu te falei.

Até que fizemos o serviço bem rápido. Shiro estava testando seu último computador, era a hora de investigar.

—Hirazo-kun, o que você falou hoje pra Yuuka?

—Err... Eu tenho mesmo que falar?

—Dependendo do que disser, eu posso te acobertar ou te entregar, desde que não faça de novo, você decide. — Me sentei na cadeira ao lado dele, para simular uma intimidade. Precisava dele confortável se queria descobrir algo.

—Em que sentido depende?

— No sentido de que se você insultou alguém, eu te acoberto, se você quebrou um patrimônio eu tento aliviar, se você bateu em alguém, eu te entrego, se você matou alguém, a gente negocia.

—“A gente negocia”? Como assim?

—Se você matou alguém, é claro que pode me matar também pra não correr riscos, então é melhor negociar do que acabar comigo por aqui.

—Sua mente é tão obscura assim?

—Não que seja obscura, só estou aberta a possibilidades!

—Mas e seu eu não quiser dizer?

—Bem, aí já é outra história.

Pergunto-me se tentar seduzi-lo produziria resultados, com Kyaro certeiramente daria. Só que, conheço ele há pouco tempo, não pude investigar o suficiente. Enquanto eu estava num impasse, Yarushi e o vice-presidente entraram na sala dizendo que já haviam terminado e que deixavam o resto da tarefa em nossas mãos.

Era o momento perfeito pra passar a perna nele, contudo, ainda não havia me decidido. Encontrei um método melhor, acho que uma chantagem pode ser mais eficiente.

“O que eu posso usar...? Ah! Já sei.”

—Hey, Hirazo-kun, você... Sabe que eu sou do conselho não sabe?

—Mas é claro!

—Então você sabe que eu tenho acesso ao banco de dados da escola porque sou muito próxima profissionalmente da presidente não é?

—O que você quer dizer com o banco de dados?

—O banco de dados... Bem, é onde estão suas notas, e elas só ficam como não regraváveis a partir do fim de cada semestre porque esse processo de mudança de atributos demora muito tempo.

—E...?

—E daí que se você não disser, eu posso zerar todas as suas notas a partir de amanhã.

—E como você vai fazer isso sem deixar provas?

—Meu desempenho em informática foi o segundo maior dessa escola.

—A escola tem câmeras de segurança.

—Mesmo que parcial, o conselho também tem acesso a elas.

—Tá bem, tá bem, eu falo.

—Bom garoto.

—Eu arrumei confusão com os veteranos porque nós fizemos uma aposta e eu perdi. Era isso.

—Hmm...? Uma aposta? Dentro ou fora da escola?

—Fora.

—Vocês brigaram porque você não queria pagar?

—Sim, umas duas vezes.

—Alguém se machucou?

—Não, em nenhum momento.

—Quanto você tá devendo?

—Acho que Fa$ 200,00 (Fargs – Moeda oficial de Farglitch).

—Você anda apostando alto assim?!

Eu olhei um pouco pra ele e com um suspiro desapontado, propus o seguinte:

—Bem, não vou te entregar, você não fez nada muito ruim, mas não deveria brigar com eles dentro da escola como vem fazendo. Só vai piorar o seu lado.

—Então o que eu faço?

—Pague-os! Só isso e tudo termina bem.

—Mas como eu vou arranjar tanto dinheiro?!

—As pessoas sempre têm um pouco de dinheiro guardado, você deve ter também.

—É... Não vou negar que tenho, mas eu não queria gastar...

Olhei para um lado e para o outro e estava em dúvida se deveria fazer isso.

—Sinceramente... Eu não sei o que faço com você.

“Yuuka, sempre me atrapalhando em momentos assim...”

—Acho que posso...

—Huh? Pode o que?

—Posso pagar pra você se quiser.

—Mas o que?! Você não pode fazer isso! É muito dinheiro!

—Você quer ou não gastar suas reservas?!

—B-Bem... Não, não quero...

—Então deixa comigo, eu cuido disso daqui pra frente!

Cruzei meus braços e resmunguei mil frases sobre a incompetência dele dizendo que ele era preguiçoso, delinquente, pobre, desatencioso entre várias outras coisas, contudo, no fundo, ele parecia nem se importar. Apenas desligou o computador que havia acabado de testar. E se curvou diante de mim agradecendo.

—O que a senhorita quer como pagamento?

—Pagamento? Não precisa ser muita coisa, só me agradar tá bom.

—Claro, claro. Estou a seu dispor madame, mas... O que quis dizer com isso? Quer que eu te chame pra sair?

—Se foi isso o que você entendeu... O que eu quero é que você me agrade.

—E como eu vou saber como fazer isso?

—Você não vai saber, só tente.

Com isso dito, saí dali e disse que quando ele saísse era para ele trancar a sala e levar a chave para a secretaria, caso fizesse algo estranho, estaria de olho. Andei para a sala do clube, onde Yuuka e os outros estavam me esperando enquanto ela treinava. Como sempre, não acho que estava uma maravilha, ela estava tocando razoavelmente bem, todavia, bastou eu pensar isso e ela errou uma nota. Os outros membros a consolavam com todos os seus esforços para que ela não ficasse abatida.

Abri a porta deslizante e me deparei com ela, percebi que o corpo de Yuuka se endureceu ao me ver enquanto todos se viravam para minha direção.

—É agora. Yuuka — me aproximei dela e me sentei em frente ao teclado fazendo um gesto para que todos me acompanhassem, e assim foi feito — pode começar.

Ela respirou fundo e ajeitou seu uniforme. Uma brisa entrou pela janela aberta logo atrás de si.

Começou a tocar, uma calma melodia, um tanto triste. Kenji a olhava atencioso, Tsumi fazia uma pequena torcida com seus punhos fechados, Yumi se deixou levar pela melodia e começou a fazer uma espécie de dança, já Kyaro, ele não fez nada senão olhar.

Deslizando seus dedos com destreza sobre as teclas brancas e pretas, o som do piano soava em harmonia até que mais acordes começaram a ser exigidos, em seu rosto já se formavam os primeiros traços de expressões faciais da dificuldade. Ela deu seu melhor e o tempo em que as notas eram tocadas era muito bom, talvez algumas notas não fossem tocadas com a duração ou consistência que a música exigia, porém, no final Cânone foi aprovada por mim, só não dei meu sinal de aprovação.

—Próxima.

Ela me olhou surpresa, ficou totalmente pálida, senti a desconfiança fluindo pelo ar. Creio que ela não treinou bem o bastante a segunda música. Mas mesmo assim ela começou a tocar, esta ao contrário da primeira, já começava agitada e depois da introdução exigia o máximo de atenção e prática, várias notas tocadas ao mesmo tempo e uma após a outra.

“Será que ela é capaz?”

Apenas observei a situação, vi que ela suava frio e estava totalmente concentrada nas pequenas teclas que pareciam olhar para ela como se a desafiassem. A melodia se estabilizou e por um tempo pude sentir sua tranquilidade, pena que não foi por muito tempo. A mão de Yuuka percorria oitavas inteiras tentando atender a extensão e a precisão de complicados acordes.

Estavam todos admirados com Mizushima, afinal, ela não havia errado até o momento. Como uma montanha-russa, essa melodia poderia levar qualquer um à loucura, e com bravura ela decidiu enfrenta-la.

“Passamos dos quatro minutos, ela foi muito bem.”

Sua franja, atrapalhada, desceu sobre sua visão, ela estava em apuros, e ninguém podia ajuda-la, se não, sua apresentação estaria acabada por ali.

Ao passar do sexto minuto, ela parecia bastante desgastada, entretanto, ainda havia mais quatro a serem percorridos. Petulante, desafiou a integridade de seu próprio corpo e mente, sempre mantendo ótimos tempo e sincronização. Arrisco dizer que ela estava tocando melhor esta música do que a primeira.

“Talvez ela funcione melhor sobre pressão...”

Aos sete minutos e meio, um tom sinistro dominou a melodia sendo seguida de uma breve pausa, de modo inteligente, ela tomou ar antes de continuar com a dura rotina de movimentos e notas as quais a partitura à sua frente exigia.

Perto do nono minuto temos a maior semelhança com a música original, a qual Yuuka tocava com confiança, a partir dali, o jogo estava ganho.

Como muitos dizem: “É só correr pro abraço”.

Se esforçando uma última vez, na virada do décimo minuto, porém, ela cometeu um equívoco e se perdeu em meio às notas.

“Péssimo erro...”

Percebi que o medo escorreu em seu rosto assim como o sangue que lhe deixara a face sem cor. Persistiu e continuou tocando, o tempo estava levemente fora de sincronia e por várias vezes ela acabou tocando duas teclas de uma vez, apenas seus extremos, não conseguia mais acertar apenas os centros.

Sem escolha, ela finalizou a música, que, naturalmente tinha um tom sombrio.

—...

Yuuka me olhou com um fundo de esperança.

—Não.

—N-Não o que? — Perguntou ela.

—Não posso aceitar isso.

—Eh?! Por quê?!

—Se numa trilha de dominós, o primeiro cai, o que acontece com o resto?

—Mas foi um erro só, nada que um pouco mais de esforço e treino não resolvam — Defendeu Tsumi.

—E-Ela está certa Hiya-chi! — Protestou Yumi.

Permaneci em silêncio.

—Com certeza ela vai se sair melhor na próxima Hiyari-san.

Surpresa, olhei para trás, Hirazo Shiro estava ali. Kyaro estava mais que espantado.

—Shiro? O quê que você tá fazendo aqui?

—Eu tava ajudando a Hiyari antes de vir pra cá, e ela me pediu um favor que não sei como cumprir, então vim pra cá pensando sobre isso e não pude deixar de observar a situação.

—Mas o clube de Kendo não tá tendo atividades agora?

Por algum motivo ele gelou no mesmo instante.

—É... É que, pois é né?

—Para de enrolar, você nem foi ver como as coisas funcionam lá, né?

—Por favor, não diga a verdade de forma tão dura, haha... Voltando ao assunto, não vejo problemas em a senhorita pianista entrar pro clube de música, ela tocou muito bem. E você não pode negar isso Hiyari-san.

Eu virei o centro das atenções mais uma vez, francamente, acho que tenho que dar um julgamento a favor de Yuuka.

“Tudo bem, vou relevar dessa vez.”

—Já que é assim, aprovo a permanência de Yuuka Mizushima como pianista no clube de música da escola Teacher Gary Benson.

Tive o prazer de contemplar a felicidade saltitante nos olhos de minha amiga que foi abraçada pelas meninas que estavam conosco, Kyaro comemorou ao meu lado e Shiro só se recostou à porta vendo a manifestação de alegria dos participantes do pequeno grupo de estudantes.

—Ah é. O que você pediu pra ele Shiho?

—Por que não saímos pra tomar um sorvete? Todos nós por minha conta. — Sugeriu ele.

—Eu topo!

—Kyaro! Só porque ele é nosso vizinho você não pode aceitar fácil assim!

—Deixa, esse Mané sabe o que tá fazendo.

—Não me chame de “Mané” logo agora!

—Ótima ideia Mané-kun! Vamos todo mundo! — Gritou Yuuka.

...

“Sério mesmo que eu tô aqui?”

Segurava nervosa um guardanapo em minha mão, não conseguia acreditar que estava numa mesa com todo mundo, aguardando nossos sorvetes. O interior do Shopping movimentado mostrava a pressa das pessoas que andavam para os mais variados lados através da praça de alimentação com o intuito de cruzar o edifício e encontrarem o objetivo de sua vinda ali. Escadas rolantes, esteiras, caixas, funcionários, compradores, crianças, anúncios em grandes faixas e telões, passarelas suspensas, papéis de presente, palavras e conversas, a luz alaranjada que entrava pelas cúpulas de vidro ao telhado já eram confrontadas pela branca proveniente dos iluminadores e luzes internas do shopping.

Eles conversavam alegremente na mesa, numa fileira estavam por ordem: Yumi, Yuuka, e Kenji, e na outra, Tsumi, Yoshi, Shiro e eu.

“Por que eu tenho que ficar do lado desse palhaço?”

Duas garçonetes chegaram à mesa segurando bandejas em suas mãos com diferentes tipos de taças e diversas bolas de sorvete, cada uma com seus sabores e adicionais como cremes, coberturas e granulados.

Colocaram-nas sobre o plano de madeira envernizada e se despediram nos desejando um bom apetite.

—Atacar! — Gritou Yumi.

—Mas o que?! — Kyaro se surpreendeu.

—Ela sempre fica assim quando come ou vai comer coisas com bastante açúcar, acho que ela tava merecendo pra relaxar um pouquinho. A Shiho também gosta de sorvete, mas não sai muito por que tem medo de ficar como a Yumi.

—Poxa... Vocês falam de mim como se eu tivesse uma doença! Isso não é justo!

—Não se preocupe Sato-san, pode aproveitar seu sorvete em paz, eu pago o quanto você quiser. — Dizia Hirazo confiante.

—Kyaro... Por que você não avisa pra ele que ele não devia ter dito isso? — Disse Yuuka em sussurro — Ele vai acabar na sarjeta desse jeito!

—Eh...? A situação é tão difícil assim?

Enquanto todos conversavam, Tsumi se encolhia no canto da mesa. Olhava para ela pensando em algo para agir, afinal, tínhamos prometido lidar com esse problema junto com Kyaro-senpai. Sem querer, me peguei olhando para Hirazo-kun. Kyaro logo percebeu e atiçou uma curiosidade.

—Ah! Eu tava querendo perguntar isso desde antes, mas, como vocês se conheceram mesmo? Digo, você e o Shiro.

—Eu tava andando no corredor e ela tava correndo, quando virou o corredor, esbarrou em mim e nós dois caímos no chão, um em cima do outro.

—É mentira. — Retrucou o amigo.

—Eu nem terminei ainda!

—Certamente é mentira, eu não corro pelos corredores da escola em momento algum. Respondendo sua pergunta, eu precisava realizar uma tarefa do conselho e tinha direito a chamar qualquer estudante de minha preferência pra me ajudar.

—Mas aonde o Shiro entra nessa história? Você não escolheria alguém que não conhece assim, não é Hiyari-san? — Tsumi entrou na conversa.

—Na manhã de hoje eu recebi uma encomenda de meu pai com meu violino novo, e quem a entregou foi o Hirazo-kun, a partir dali, eu e ele fomos pra escola juntos.

—Juntos? Que interessante! — Dizia Yumi alegre enquanto colocava toneladas de sorvete em sua boca.

—Então, como Mizushima não poderia me ajudar com o trabalho por causa da apresentação, tive que escolher Hirazo.

—E se deu muito bem! — Acrescentou com um grande sorriso o garoto com cabelo prateado.

Dei um forte tapa em sua nuca para ver se ele aprendia a se comportar em público, ele realmente estava me irritando. Conversamos animadamente enquanto provávamos e trocávamos sorvetes e sabores entre nós. Ficamos com dor de cabeça por causa do sorvete, é claro, porém, foi um pequeno momento feliz naquele dia. Com isso, dei um fino e discreto sorriso, genuíno.

Sem que percebesse, Shiro, por um acaso, cruzou olhares comigo e notou o que eu não queria que ele notasse.

—Ohoho! Parece que minha donzela está feliz agora! E então madame? Consegui realizar seu desejo?

—O que? N-Não! É claro que não! Isso é impossível!

—Então por que você estava sorrindo agora há pouco?

—Não enche! Eu não te devo satisfação.

—Ah, vamos! Eu só quero ouvir um “estou agradecida”.

—Cale a boca seu bastardo!

A mesa se silenciou num instante.

As pessoas ao redor olharam para nós, as crianças ficaram assustadas, as garçonetes com medo e quem estava ao celular foi forçado a interromper a conversa. Deixei minha impaciência e raiva escaparem. A única coisa que me restava era sair dali, até porque não tinha nenhum problema nisso mesmo. A conta é dele, ele se comprometeu.

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Nervosa, saí dali deixando-os vidrados.

—A-Ah! Hey! Shiho, me espera! Desculpa Hirazo-kun... É que isso acontece às vezes. Por favor, aceite minhas desculp—

—Sem problemas... — Ele estava cabisbaixo, em frente às vazias taças que refletiam as luzes que vinham de todas as direções do imenso ambiente comercial — Ela não falou nada mais que a verdade.

Yuuka se assustou um pouco com a fala dele, Kyaro e Kachiharu apenas abaixaram suas cabeças como Shiro, decepcionados com a tamanha falta de respeito de sua presidente de clube.

—E-Eu vou deixar um pouco de dinheiro pra ajudar a pagar, é o mínimo que posso fazer... Venha Yumi. Precisamos ir. Obrigado por tudo, e, mais uma vez, me desculpe pela Shiho.

Shiro apenas levantou sua mão em despedida.

...

Andei para fora do grande prédio, o sol já estava escondido no horizonte, contemplei o brilho dos postes das largas ruas andando com passo apertado em direção à estação de metrô mais próxima. Ouço passos atrás de mim, e então sinto uma força e um aperto em meu braço.

—Shiho! Espera! — Yuuka me virou e tentou conversar forçadamente comigo.

—Eu não tenho que esperar nada! A culpa foi daquele idiota que não sabe agir em frente às outras pessoas!

—Eu compreendo que ele pode ter passado um pouco do limite... Mas isso nunca seria motivo pra gritar como fez agora! Volte e peça desculpas!

—Eu não estou errada pra fazer isso! Ele disse que ia pagar tudo e o objetivo dele era me agradar, se ele já conseguiu isso, então eu não preciso mais ficar lá! Agora me deixe ir!

—P-Por favor, presidente... Peça desculpas. — Dizia Yumi Sato de modo tímido.

—Nunca! E você não pode mandar em mim! Afinal, quem é você pra me pedir algo? Suas notas não chegam nem perto das minhas, sua família não é rica, você não toca bem, aliás, ninguém naquele grupo toca!

“Ninguém pode me vencer naquele lugar!”

Mizushima comprimiu meu pulso o máximo que podia em sua palma da mão. Aquilo chegou a doer.

—Chega Hiyari-san.

A frieza com que ela pronunciou meu sobrenome me fez parar de falar.

—Chega. Vá para casa. Você já causou problemas demais por hoje.

Por um instante, senti medo de Yuuka, ela estava com um olhar sério enquanto atrás dela, Yumi enxugava o princípio de lágrimas com a manga de seu uniforme. Meu corpo ficou estático, ela me fez ver que tinha acabado de piorar meu estado na busca pela personalidade perfeita. Ao retornar do transe, balancei meu braço me livrando da mão de Yuuka. A raiva e o orgulho eram mais que notáveis em minha face.

—Não preciso de alguém que me diga o que fazer.

Virei-me e comecei a andar novamente, ainda podia ouvir Yumi chorando e gemendo enquanto Mizushima tentava a consolar.

Hiyari Shiho, 14 anos, melhor amiga de Yuuka Mizushima (ou talvez não), a pessoa orgulhosa em busca da personalidade perfeita que desapareceu entre as pessoas na calçada movimentada enquanto deixava suas amigas desamparadas para trás.

Será que fiz tudo certo? Claro que fiz.