Dramático
Rato e Flor...
Nezumi não admitiria, mas sentia calafrios cada vez que via Shion sair por aquela porta.
Paranoias passavam por sua cabeça, atormentando-o. Imaginava o menino grisalho indo embora, deixando-o sozinho, depois de tudo. Só mais um rato no subterrâneo. Sentia seu coração falhar uma batida incômoda, e o estômago se revirar.
Estava se tornando um dramático, acreditava.
Devia ter interpretado Shakespeare vezes demais para uma pessoa só. Porém, uma voz no fundo de sua mente insistia em envenena-lo, com frases que, infelizmente, faziam sentido.
Além de dramático, Shakespeare era um... apaixonado. Sacudia a cabeça, tentando livrar-se daqueles pensamentos, mas de nada adiantava.
E o veneno se espalhava...
De súbito, começara a achar que Shion estava saindo vezes demais de casa, e com certeza não eram os trabalhos a mais da Guarda-cães, como tentava afirmar. Claro que não.
Devia estar se encontrando com alguém, outra... ou outro.
Mais uma vez, Nezumi levantou-se do sofá, vestindo a jaqueta e a capa, envolvendo-a no pescoço. Saiu para a tarde que, apesar de com sol, era gélida, e o vento soprava sem dó. Não demorou muito para alcançar o menino, que sorriu, e corou com a companhia do moreno. Como havia feito nas últimas semanas.
Mais uma vez, aquilo se repetia. Aquela mesma ação e reação, e voltavam para casa enquanto escurecia.
Não havia mais jeito, o veneno já havia tomado conta. E Nezumi poderia ser incrivelmente desagradável quando queria.
-Shion - Nezumi sorriu sem emoção, estirando-se no sofá - Desculpe por atrapalhar seu encontro hoje.
O menor corou.
-E-encontro? Por que está falando isso, Nezumi? - perguntou, tirando o suéter claro, dobrando-o e colocando sobre os pés da cama.
-Ah, não precisa mentir... com quem você esta saindo? - seu tom era amargo, muito dele acobertado com grosseria.
-Ninguém, Nezumi - começou a sentir-se mal... por que Nezumi pensaria aquilo dele?
-Ah, mas me diga quem é ela... ou seria ele? - sorriu maroto.
Entristecido, Shion sabia que, quando o moreno colocava alguma coisa na cabeça, era quase impossível tira-la. Bastava esperar, para que essas ideias sem nexo parassem de atormentar a ambos. Se retirou, desaparecendo de cabeça baixa entre as estantes. Nezumi foi atrás.
Segurou o menor pelos ombros, virando-o para si- Ora, por que você não--
-POR QUE VOCÊ 'TA FAZENDO ISSO, NEZUMI?! Eu não sou esse tipo de pessoa! Eu não me trairia assim! - gritou, os punhos cerrados. De repente, estava sussurrando - Eu... não trairia você assim... - seus olhos lacrimejaram.
Já era triste para o menino acreditar-se rejeitado por Nezumi, e este ainda o insultava, dizendo que saia com algum qualquer, isso era demais para ele.
Nezumi se assustou, arregalando os olhos. Percebera agora, que o veneno desanuviara sua vista, deixando-o ver somente que desejava... Shion.
Envergonhado pelo ciúme tolo, abaixou os olhos, pegando a mão do menor e levando-a até a lateral do próprio pescoço, próxima á nuca.
Shion ergueu os olhos chorosos para o rato.
-Se quisesse, poderia me imobilizar, e me matar agora... - sussurrou.
-Mas eu não quero....
-Eu sei... - olhou-o, sentia suas mãos tremerem, ameaçando-se gaguejar - Eu confio em você, Shion. Já me chamaram de insensível, egoísta e rato, mas... e-eu não quero ser isso pra você... eu quero... q-quero... - suspirou, não conseguindo verbalizar.
Colocou a mão na cintura de Shion, e a outra em seu queixo, trazendo-o, acanhado, para mais perto. Tocou seus lábios trêmulos de leve, num selinho demorado. Descolou os lábios, enquanto enlaçava forte sua cintura com os braços, apoiando a testa no ombro do outro, envergonhado.
-Eu te amo, Shion - sussurrou, para que Shakespeare não os ouvisse entre as estantes - Eu não quero ficar longe de você...
-Eu também te amo... - sussurrou Shion de volta.
Nezumi ergueu o olhar, encontrando, com marcas de lagrimas sob os olhos, sua flor radiante sorrindo para ele.
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