— Já é tarde, estamos condenados — disse ela, em tom baixo, como que para si própria, olhando pelo vitral para a cidade que os aguardava do lado de fora. — Ah, Nicholas. O que você fez?

Aquela era de fato uma cena deprimente. Sentada ao lado do vitral, em uma cadeira rústica de carvalho, a figura esguia da velha feiticeira parecia ter se entregado ao destino que se impunha sobre todos. A cauda de vestido azul-marinho estava esparramada no chão ao seu redor, e se misturava com as pontas do manto púrpura que levava sobre os ombros. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque já um pouco frouxo, um descuido que, fossem outras as circunstâncias, jamais permitiria.

Ouviu passos atrás de si, subindo as escadas do Sanctum. Não se virou para ver quem vinha, pois conseguia adivinhar.

— Meus sentimentos pela sua perda, senhora Strange — disse, a melancolia em sua voz se arrastando pelo ar.

— Obrigada, Agatha — respondeu a recém-chegada. — O luto é um sentimento novo para mim.

— Pois se permita senti-lo, minha cara. Ele nunca desaparece, mas, uma vez que o olhamos nos olhos, se acomoda em algum canto de nossa mente.

Percebeu sua interlocutora parar atrás de sua cadeira, talvez também olhando para o vitral.

— Não posso deixar de sentir que falhei — disse desta vez, mais baixo, pois sabia que estavam próximas. — Minha própria recusa em ser mãe nos trouxe até este momento. Eu devia ter imaginado, depois do que aconteceu com Nova Salem.

— Todos erramos, Agatha. E Stephen… Ah, Stephen. Ele sempre foi um homem arrogante.

— Ainda assim, minha cara. — Agatha Harkness se virou, olhando para a mulher que a acompanhava. Os cabelos brancos de Clea Strange não eram grisalhos como o seu, mas de um tom alvo e límpido, quase celestial. — Uma mãe incapaz de amar o próprio filho. Creio que os anos me fizeram mal.

Clea também vestia roxo. Mas tinha em sua roupa detalhes em negro, que talvez fizessem menção ao plano de onde viera.

— As coisas são como precisam ser. Por mais doloroso que seja, a morte de Stephen deve servir para aprendermos algo.

— Foi mais do que uma morte, minha cara. O sangue de Stephen foi usado para os propósitos mais sombrios imagináveis. E agora estamos condenados, nosso plano já não possui seu mais fiel defensor.

— Sempre há uma saída, Agatha. É assim que ele gostaria que pensássemos. Quando nos conhecemos, eu também pensava estar condenada. Acredite, minha mãe foi para mim muito pior do que você jamais poderia ter sido para Nicholas. Mas Stephen me salvou. Me salvou repetidas vezes, da minha própria natureza.

— Nunca nos demos bem, eu e ele — respondeu Harkness, divagando. Permitiu-se esboçar um sorriso no canto da boca. — Chega a ser cômico pensar nisso agora. Nossos egos eram grandes demais para ocupar o mesmo cômodo, eu suponho.

A velha feiticeira fez menção de se levantar, mas suas pernas estavam fracas. Clea lhe ofereceu uma mão, mas recusou.

— Obrigada, minha cara. Ainda não cheguei a esse ponto.

Clea assentiu, se afastando um pouco. Em seu lugar falou outra voz, vinda da outra ponta das escadas, no andar de baixo.

— Podemos ir? — perguntou o homem que ali estava. Era Wong, sua túnica verde inconfundível visível àquela distância. — Estão nos esperando em Kamar Taj.

— Sim — respondeu Clea enquanto Agatha, já de pé, arrumava o manto sobre seus ombros. — Estávamos apenas conversando.

Com um simples movimento de mãos, abriu um portal em frente à porta de entrada. Clea desceu as escadas naquela direção, seguida por Agatha, que se movia a passos mais lentos. Atrás delas, o sol refletia o símbolo do Sanctum de Nova York, estampado no vitral. Usado por tantos anos por Stephen Strange, estava agora sem um dono.