Domme

Capítulo 2 - The Hills


FLASH BACK ON

O universo por trás da boate mais disputada do país era muito maior do que minha mente adolescente podia imaginar. Meus dezessete anos de garota de família classe A recheada de problemas emocionais e extremamente antissocial me levavam a mergulhar de cabeça naquele paraíso de luxúria.

Conseguir o emprego para atender no bar da Domme foi mais fácil do que eu esperava. Depois de dois dias paquerando o gerente, lá estava eu com uma saia justa preta que cobria minhas coxas e uma blusa social branca, atendendo desde às 18 horas até o último cliente deixar o balcão. Se Celeste descobrisse onde eu passava minhas tardes, ela me deserdaria. Então, mantive a mentira de reforço de matemática com Mr. Mathew.

Os sorrisos eram intermináveis e eu me sentia viva dentro daquele lugar. Pessoas andando de um lado pro outro, vozes graves e agudas que se misturavam em risadas, perfumes diversos, olhares que se dividiam em três, quatro, cinco pessoas diferentes sem problema algum. Ser livre era uma obrigação naquele lugar.

Somente um mês, exatas quatro semanas, passou e eu pisei no elevador de portas vazadas, completamente vintage, que revelava a verdadeira essência da Domme.

Eram muitas pessoas atendendo, e eu passei a ser simpática e educada com todos. Éramos 12 amigos no fim do expediente. Dançávamos enquanto limpávamos as mesas e o balcão antes das portas serem abertas...

Os boatos que ouvi sobre os donos eram sempre iguais. O sucesso da Domme era quase hereditário: a cada novo sócio majoritário, maior seu “império”. E a sucessora do trono, Alex Vause, não seria uma exceção a regra, apesar de ter acabado de entrar na vida adulta. Um fato era que todos nutriam um amor platônico por ela e, ao mesmo tempo, morriam de medo. Os Vause eram conhecidos por seu charme irresistível, sua arrogância e seu egocentrismo, o que faziam dela uma pessoa antipática.

Eu não a conhecia. Para falar a verdade, não conhecia ninguém que não fosse o gerente que aceitara-me por meu rostinho bonito. Até o momento.

Tocava Tough Lover, e Dalilah, uma das meninas que serviriam o balcão comigo chamou-me pra dançar com ela. Todos pararam para ver o desafio e eu não recusei, é claro. Sempre amei dançar e cantar, eram meus poucos momentos de prazer. Me diverti cantando e, ao meio da música todos acompanhavam-me. Até a música ser brutalmente interrompida já nos versos finais. Foi instantânea a nossa reação de virarmo-nos em direção a música para descobrir que desligara. Uma mulher alta, de olhos tão verdes que pareciam esmeraldas, cabelos escuros, tão linda e claramente incomodada encarava a mim. Não era um olhar de repressão geral: era direcionado e curioso. Seu pensamento gritava: “Quem será a criatura que ousa causar em meu ambiente?” Eu podia jurar que enxergava uma aparição divina. Como alguém podia carregar toda a beleza do universo em si? Parecia improvável. Mas, eu senti que estava prestes a cometer o maior erro da minha vida. E eu não estava errada.

FLASH BACK OFF

Conseguir passe para entrar na Domme outra vez não foi difícil, não tanto quanto esconder de Stella minha apreensão em retornar àquele lugar que jurei não botar mais meus pés. Parecia uma afronta a ela.

Eu precisei jurar a mim mesma que sair da vida de Alexandra era o mais correto pra mim e pra ela. O que é um amor que não pode ser vivido, senão dores e mais dores? Eu não nasci pra me martirizar a vida toda por algo que não posso ter.

Dizem que, não importa qual seja a verdade, as pessoas vêm o que querem ver. Algumas pessoas podem dar um passo para trás e descobrirem que estavam olhando a mesma cena por todo o tempo. Algumas pessoas podem ver que suas mentiras quase acabaram com elas. Algumas pessoas podem ver o que estava a sua frente o tempo todo. E ainda há aquelas pessoas que correm o máximo que podem para não terem que olhar para si mesmas

Eu ainda me lembrava de como foi a última noite na casa de Celeste, antes de resolver passar mais tempo com a mulher pela qual me apaixonei. Lembro-me, até, da última discussão com mamãe antes de ser colocada em um Audi A8 preto com todas as minhas roupas apertadas em 3 malas enormes rumo a Manhattan, deixando pra trás o Condado de Albany e minha família perfeita. Lembro de como estava triste, mas não mais destruída do que quando peguei minhas malas na cobertura do Lotte New York Palace, com a promessa de nunca mais ser ingênua o suficiente para ser enganada por alguém.

Eu entendia perfeitamente o olhar curioso de Nichols quando me viu pela primeira vez depois de quase uma década, por exemplo. Quando Carol me disse que o amor era uma fraqueza e eu não devia nunca me esquecer disso, eu não imaginava o quão correta ela poderia estar.

A medida que eu avançava pelo saguão, eu sentia cada átomo do meu corpo agitar-se. O toque constante de Stella em meu corpo não funcionava sequer pra me acalmar, a esta altura me fazer esquecer o significado de estar naquele lugar era impossível.

Eu não era a mesma: Meus olhos azuis ganharam um acinzentado cotidiano e meu humor ficou mais ácido, o cabelo perdeu o frisado que tinha e ficou mais curto, embora continuasse loiro. A Domme não era a mesma: muito mais moderna, ela não tinha mais aquele quê de clássico cabaret francês, mas ainda tinha referências claras da arte burlesca. E, provavelmente, Alex não era a mesma.

Se a vida imita a arte, eu podia me ser a típica personagem principal que se encontra dividida entre o bem e o mal. Não havia um mocinho pra me salvar. Nunca havia ninguém pra me salvar, além de mim mesma. E eu também não podia ser considerada a boazinha. Todos os segredos que eu guardava serviram para que chegássemos aqui.

Eu de braços dados a uma mulher que não era o grande amor da minha vida, e, na verdade, só me fazia sentir segurança e poder. Stella me via como um troféu e eu a via como uma âncora. Algo que me mantém estável, no meu porto... Mas, no território inimigo, o que adianta? E a visão de Alex descendo as escadas laterais dO Bar e caminhando em direção ao antigo elevador.

O instante em que ela surgiu ao meu alcance Foi perfeito. Longe o suficiente para não ver-me, perto o bastante para que eu admirasse sua beleza. Ninguém nunca negaria a beleza exorbitante de Alex e seu gosto peculiar para roupas. O que nos fez o típico casal preppy, porém lésbico.

Acompanhar seus passos sempre foi minha obsessão. Amava observá-la ao dormir, ou como seus passos eram decididos a cada manhã. Eu amei desde o primeiro olhar que cruzamos Alex, mas passei a amar seus pensamentos mais do que qualquer coisa.

Então, por instinto ou subconsciente, me peguei apenas traçando a mesma rota que ela sempre fazia. Esperei o elevador fechar, contei os minutos mentalmente para que eu pudesse descer e não esbarrar com meu pior pesadelo. Stella já havia se perdido propositalmente.

Stella e seus respectivos casos amorosos nunca foram nosso ponto fraco - ela divertia-se com risadas e gemidos diferentes, e eu só era plenamente feliz com o trabalho há anos – mas o mesmo não se pode dizer sobre o ciúme excessivo de Stella.

Entrei no elevador e parecia ser a única a tomar aquela decisão arriscada, mas Nichols se juntou a mim.

— Eu senti falta de como você é destemida, garota. – Ela disse com seu sorriso irônico habitual.

Nick sempre teria um lugar em minha vida, tínhamos uma ligação de amizade tão cômica e tão suave, que mesmo depois de anos sem contato algum, perdidas uma da outra, era apenas nossas almas estarem no mesmo ambiente que tudo se encaixava.

— Eu senti falta de você me faz rir mesmo que eu esteja encrencada. – eu sorri em resposta e as portas se fecharam. – E eu possivelmente estarei, então, eu preciso de você. – disse, no instante em que o elevador se mexeu.

Cada célula do meu corpo vibrava ensandecida com o quão perto do perigo estávamos. Se eu precisava tanto vê-la mais uma vez, era bom ter uma amiga para aguentar as consequências comigo...