Os seis adolescentes, sentados em um círculo no tapete cinza, estavam animados para fazer perguntas sem serem julgados por elas. Na roda, Mônica estava entre Carmem e Cebola; Cascão entre Cebola e Magali e Do Contra entre Magali e Carmem. As janelas de madeira abertas traziam um vento fresco e, ao mesmo tempo, gélido, tanto que Carmem foi pegar o cobertor que dormiria e o dividiu com Mônica; já Magali, que também estava com frio, pegou o de DC, que estava no sofá onde o Takeda dormiria, e se enrolou nele.


“Nem 'tá tão frio. Não é, Cascão?” Cebola comentou de braços cruzados.


“Fale por você, Careca! Divide aí, Magá.” ele respondeu puxando parte do cobertor.


“Podemos fechar a janela, sabe?” o Menezes disse revirando os olhos.


“Mas aí não teria graça.” DC disse com parte de seu cobertor e parte do cobertor de Carmem.


“Nossa, DC, você 'tá ridículo! Seja macho, nem as meninas estão desse jeito.” Cebola falou a DC com o cenho franzido.


“Em que mundo homem não sente frio, Cebola? Se você 'tá com calor, ótimo.” o Takeda rebateu e Cebola respirou fundo.


“Era um modo de falar.” o Menezes rebateu.


“Vamos começar logo. Quem começa?” Cascão perguntou.


“De onde venho, quem deu a ideia começa.” Carmem respondeu sorrindo.


“De onde você vem? Você vive no mesmo lugar que a gente desde sempre, garota!” Mônica disse não segurando a risada.


“Deixa ela começar, gente. Falta a garrafa.” Magali falou e a loira levantou uma embalagem de sabonete líquido, que pegara quando buscou seu cobertor.


“Você usou uma embalagem de sabonete toda em um dia?” Mônica perguntou incrédula.


“Se você tivesse feito os mesmos trabalhos que Cascão e eu, você entenderia.” ela respondeu e Cascão levantou a mão direita e se esticou até ela.


“Isso mesmo, Carminha!” ele falou e ela bateu em sua mão sorrindo.


“E você, Cabeção? Gastou um litro todo de sabonete líquido também?” Cebola perguntou ao amigo.


“Não vi você girando a garrafa pra estar perguntando, então espere a oportunidade, Careca.” Cascão respondeu na mesma hora e os demais zoaram.


“Uouuu! Eu não deixava!” Magali provocou.


“Podia ter ido dormir sem essa!” Carmem riu alto.


“Ao vivo!” DC falou juntando as mãos próximo à boca para ficar alta sua voz.


“Essa doeu em mim!” Mônica zombou e o namorado a olhou boquiaberto.


“Mônica! Até você?” ele perguntou incrédulo e ela sorriu mostrando os dentes.


“Foi mal. Zoeira é zoeira.” ela disse e todos riram da cara que o Menezes fizera.


“Sua tia não vai acordar com essa barulheira toda?” Cascão perguntou para Mônica que negou com a cabeça.


“Minha mãe disse que ela tem o sono pesadíssimo, então está de boa.” a Sousa respondeu.


“Vai, Carmem, gira essa garrafa.” Cebola disse já sem paciência.


“Calma, menino! Mas vamos lá.” a loira girou a garrafa e a ponta parou em Cebola.


“Olha só. Cebola, quando você desistiu de derrotar a Mônica?” ela perguntou e Mônica olhou diretamente para o namorado, o assunto havia voltado bem rápido.


“Acho que quando eu vi que ela não ia ficar pra sempre plantada à minha espera. Não sei como nunca me pararam! Acho que, por fora, os outros veem as pessoas fazendo burradas.” ele disse a Magali e Cascão fizeram questão de estapear a nuca do amigo.


“Dá licença que nós dois falamos na sua cara que ia dar errado!” Magali exclamou zangada.


“O único responsável pelas burradas foi você, cara. A gente tentou te alertar, mas você tinha que ajudar a gente a te ajudar.” Cascão completou e Cebola sorriu para os dois.


“Fora vocês dois.” ele disse e os dois reviraram os olhos.


“Que fofo. Gira.” Carmem respondeu apontando para a garrafa.

Quando o Menezes girou, parou apontando para DC.


“Maurício, Maurício, como foi ser trocado por mi...mentira! Por que você sempre foi assim?” Cebola perguntou e o dono do topete levantou a sobrancelha divertido.


“Assim como? Seja mais específico, por favor.” ele respondeu e Cebola suspirou e olhou para Mônica, que o olhava atenta.


“Ah, você sabe, meio...meio...estra...meio...” ele falava sem jeito e Carmem se irritou.


“Fala de uma vez, Cebola! Ninguém vai encanar com nada, foi o combinado!” ela disse alto.


“Estranho! Por que você sempre foi tão anormal? Sem ofensas, é claro.” ele perguntou e DC olhou surpreso.


“Nossa, anormal é bem raro de me chamarem. Mas eu simplesmente nunca vi sentido em ser como todo mundo, é muita falta de personalidade ser igual a todo mundo. E quem garante que o anormal era eu e não o resto? Ah, e até você falar sem ofensas não tinha ofendido.” ele respondeu e Cebola sorriu.


“Sempre tem um louco com resposta filosófica, há-há!” Cebola riu forçado esperando que o acompanhassem, mas apenas o olharam sem expressão.


“Era pra ser engraçado?” Mônica perguntou séria e Cebola ficou sem graça.


“Gira, DC.” ele falou ainda sem jeito.


“Não precisa ficar tão constrangido, Cebola.” DC respondeu com um sorriso girando a garrafa, que parou em Cascão.


“Cascão, você de fato nunca tomava banho?” ele perguntou e Carmem bufou.


“Ah, DC! Pergunta outra coisa, eu ia perguntar isso! Você teve bem mais contato com ele do que eu!” a loira reclamou.


“Que mentira! Eu nem era tão próximo assim. Esses quatro eram abertos para outras amizades e ao mesmo tempo fechados na turma clássica, nunca entendi, mas nunca julguei.” ele respondeu.


“Convenhamos que quem chama a galera de ‘turma clássica’ parece não querer incluir novas pessoas.” ela comentou rindo e DC riu junto.


“Gente, foco no jogo.” Magali disse.


“Tá bom. Cascão, o que fez você resolver tomar banhos?” o Takeda perguntou ainda com um sorriso no rosto.


“Puberdade.” Cascão respondeu simples.


“Tá, não precisamos de detalhes.” Mônica disse com uma feição de nojo.


“E essa cara de nojo? Todo mundo aqui passou pela fase do cheiro de adolescente.” Cascão respondeu.


“Você ainda passa às vezes.” Cebola brincou.


“Disse o cara que transpira perfume. Eu, hein.” o Araújo respondeu e os demais, novamente, riram de Cebola.


“Tá difícil hoje, hein, Cebola?!” Magali deu tapinhas nas costas dele ao esticar o braço.


“Ele que 'tá atravessado! 'Tá bravo, Cascão?” ele perguntou e o amigo riu.


“Você 'tá pedindo, Careca. Eu 'tô respondendo normal, você que 'tá achando que 'tô bravo.” o amigo respondeu rindo.


“Agora é sua vez, Cascão.” Carmem disse animada.

Cascão girou e a garrafa parou em Magali.


“Magali, o que você, bem no fundo, sempre quis dizer ou fazer ao Quim, mas nunca disse ou fez?” ele falou olhando diretamente para ela que olhou surpresa.


“Sinceramente?” ela respondeu com outra pergunta.


“Ninguém vai te julgar, Magricela.” Cebola falou também curioso.


“Dizer para ele procurar um psicólogo para tratar desse complexo de inferioridade quando o assunto era eu; gritar para ele que eu o amava do jeitinho que ele era pra tentar pôr isso na cabeça dele e mandar o pai dele ir catar coquinho.” a Fernandes disse de uma vez.


“E por que não disse? Achei que seria algo mais pesado.” Carmem perguntou.


“Não sei. Talvez bom senso.” a morena respondeu.


“Não acho que seja por isso, nenhuma dessas coisas faria mal a ele, talvez na hora ele se sentiria meio mal, mas depois te agradeceria. Acho que foi medo de ser vista como a vilã da história, porque, vamos combinar, muita gente acha que você terminou com ele e tem quem fale que fez bem e quem te xingue por isso. Imagina se descobrissem que você disse essas coisas para ele.” Carmem disse na lata.


“E no bairro Limoeiro as notícias voam.” Mônica comentou.


“Pode ter sido isso. Não sei, só sei que acabou e desejo tudo de bom a ele.” Magali disse e na hora DC estendeu a mão para um high-five e ela sorriu dando um tapa na mão dele, os demais apenas observaram a interação.


“Ok, gira, Magá.” Mônica disse e Magali girou e a garrafa parou em Carmem.


“Carmem, o que fez você aceitar vir conosco sem a Denise? Eu nem imaginava que você toparia vir com ela.” Magali perguntou e a loira riu.


“Sério que de tantas perguntas você escolheu essa?” a loira perguntou.


“Qual de nós está fazendo a pergunta?” ela rebateu com uma pergunta e a outra sorriu forçadamente.


“Estamos todos atravessados hoje.” Mônica brincou rindo.


“Eu queria fugir da minha realidade pós ensino médio, como todos vocês. Apenas isso.” a Frufru disse e os quatro pareceram comprar a ideia, exceto Cascão que a olhou de sobrancelha erguida. Carmem, por sua vez, apenas piscou um olho para ele que riu assentindo. Ele guardaria o segredo dela.


“Posso girar?” ela perguntou e todos assentiram, após girar a garrafa, o próximo a responder seria Cebola novamente.


“Pode isso das mesmas pessoas respondendo e perguntando?” Cascão perguntou.


“Vamos aceitar, chance única de fazer perguntas.” DC respondeu.


“Cebola, me explique qual era seu plano para derrotar a Mônica.” a loira disse e o Menezes riu.


“Carmem, perguntas não são redigidas assim, sabe? E outra, tive muitos planos infalíveis na infância, precisa ser mais específica.” Cebola falou em tom debochado sem perceber, às vezes fazia isso.


“Que engraçado. Vou reformular. Você, um cara tão inteligente, queria derrotar a Mônica para enfim poder namorá-la. Todavia, assim como seus planos infalíveis, falhou. Qual foi o plano infalível para derrotá-la? Deu pra entender ou preciso elaborar mais?” ela perguntou com a voz carregada de ironia, não gostava muito da arrogância que Cebola, mesmo sem querer, possuía.


“Nossa, Carmem. Pega leve.” Magali disse segurando o riso com certa pena de Cebola, já era a terceira vez que levava uma tirada.


“O que é tão difícil de entender? Eu já disse milhares de vezes, eu não queria derrotar a Mônica, eu queria estar à altura dela para poder namorar com ela. É isso!” ele respondeu sem paciência.


“É mais idiota do que eu pensava. Cascão, você é melhor amigo dele, devia ter mandado ele ir se tratar, porque isso não é normal. Mônica, você nunca sentiu raiva disso?” Carmem falou e Mônica revirou os olhos.


“Mesmo não sendo em mim que a garrafa apontou, sim, eu senti raiva, mas eu gosto dele. Carmem, você 'tá julgando ele, a regra dizia que ninguém ia julgar ninguém!” a Sousa exclamou.


“Foi mal. Não consegui me segurar. Gira aí, Cebola.” ela disse cruzando os braços em seguida.

A garrafa caiu em Cascão.


“Nossa, me complicou. O que eu não sei sobre meu melhor amigo? Enfim, amigão, já escolheu que curso vai fazer?” Cebola perguntou e todos os cinco bufaram.


“Ninguém quer falar de faculdade, cara!” DC falou.


“Vocês são péssimos nesse jogo, sério.” Carmem comentou revirando os olhos.


“Licença, 'tá na minha vez de fazer a pergunta.” Cebola disse e Cascão suspirou.


“Não, Careca, eu não faço ideia.” ele respondeu e Cebola crispou os lábios.


“Tá na hora de pensar, né?” ele comentou e o amigo o olhou sério.


“O que faz você pensar que eu não sei disso?” Cascão perguntou com o tom de voz um pouco elevado.


“Sei lá, é o seu futuro, né?” ele falou e todos começaram a discutir com Cebola.


“Eu vou dar uma garrafada nesse menino! Me segura!” Carmem exclamou.


“A gente ouviu isso o ano todo, muda o disco!” Magali reclamou.


“Sou obrigada a concordar com elas!” Mônica disse alto.


“Idem!” DC concordou.

“Tiraram o dia pra me atacar? Que saco! Gira logo isso, Cascão!” Cebola resmungou.

O Araújo girou a garrafa, que parou em Mônica.


“Mônica, você se sentia muito mal quando a gente fazia bullying com você?” Cascão perguntou olhando intensamente para ela com o semblante sério, os demais olharam para ele surpresos.


“Ai, Cascão, eu me irritava, mas não via como algo tão sério. No fundo, vocês sempre foram meus amigos. Mas, sinceramente, tinham vezes que as brincadeiras me deixavam mal.” ela respondeu.


“Sei que vai contra as regras do jogo, mas vou emendar outra pergunta. Teve alguma marca em sua vida?” o Araújo perguntou deixando todos surpresos com sua feição séria.


“Não sei, talvez tenha tido, mas nunca percebi. Na verdade, nunca parei pra pensar nisso.” a Sousa olhou para o nada com a mão no queixo.


"Pode ser que essa seja uma das nossas últimas chances de estar em um círculo de sinceridade, então, desculpe por aquilo, durante todos aqueles anos.” Cascão falou sincero e Mônica se levantou e foi abraçá-lo.


“Obrigada, Cascãozinho.” ela disse sorridente.


“Não vai falar nada, Cebola?” Magali sussurrou para o Menezes.


“Era coisa de criança, ela sabe que eu já me desculpei.” ele respondeu e os outros três suspiraram.

Mônica girou a garrafa, assim que se sentou, e caiu em DC.


“DC, alguma vez esse seu jeito de contrariar te pôs em algum perigo?” Mônica perguntou com cuidado e Carmem suspirou.


“As perguntas só pioram...” ela balbuciou olhando a janela.


“Sabe como é, nadar contra a maré nunca é fácil quando precisa lidar com gente de mente fechada. Mas nada muito sério.” ele respondeu sem explicar e Mônica sorriu.

A garrafa foi girada por DC e caiu em Cebola.


"Cebola, o que é anormal para você?” o Takeda perguntou.


“O cara ficou sentido mesmo.” Cascão riu.


“Sei lá, mas você se enquadra 100% no meu conceito.” Cebola riu e DC revirou os olhos.


“Ai, foi mal gente, não aguento mais essas coisas que ele fala.” o rapaz se levantou e saiu da sala.


“Vou parar também antes que apareçam perguntas que não vou querer responder.” Mônica disse olhando rapidamente para Carmem, que não viu, e saindo em seguida.


“Vou tomar banho para dormir.” Magali comentou levantando e bocejando.


“E a pergunta que eu tinha pro Cascão? Estraga prazeres!” Carmem disse olhando brava para Cebola.


“Sempre tem um apelão.” ele comentou indo para o quarto com Cascão que ria.


“Espera, Cascão, não vai me deixar na curiosidade se você de fato nunca tomava banho, né?” ela perguntou e ele deu ombros.


“Isso você sempre vai querer saber, mas não vou dizer. Boa noite, Carmem.” o rapaz disse e ela fez bico indo para o quarto das meninas decepcionada.

Não demorou para os jovens dormirem, mas eles haviam gostado da brincadeira, embora não tivessem terminado ela. O dia seguinte ainda traria novas descobertas a eles, então sabiam que precisavam descansar.