"Mas se eu não era feliz, ao menos, vivia alegre."

Quando ela percebe que estou me aproximando para saber o que realmente está acontecendo com ela, Amy se afasta feito um animalzinho ferido tentando esconder o rosto e como se não tivesse me visto.

Agarro seu pulso e ela demorando alguns longos segundos até poder se virar de frente pra mim. Vejo que ela tenta disfarçar a tristeza e o quase choro. Não sei se quero soca-la por ser tão idiota ou se dou risada dela por ela ser tão idiota.

— Por favor, não ria de mim.

Seguro meu piso e solta-a.

— Afinal, porque você está chorando Amy? – ela desvia o olhar e não me responde de imediato. Talvez ela nem vá me responder. Resolvo insistir no que já parece obvio e claro. — É por causa daquilo?

Ela finge não me ouvir.

— Amy, não seja tola! Podemos acabar com isso agora mesmo. Eu vou até lá, chamo o Jesse e vocês conversam. Diga a ele o que você sente!

— Isso não! – ela meio que grita arregalando os olhos castanhos. — Não posso! Agora mais do que antes, preciso de um tempo. Jesse precisa ver que sou o melhor...

— Amy, qual é o seu problema? – interrompo-a. — Vou te falar duas coisas. Primeiro: ele só está conversando com ela. Até agora nada de anormal aconteceu. Pode acontecer, mas você pode evitar. Segundo: tudo depende de você. Porque não acaba logo com essa enrolação?

Ela me olha, seca.

— Hayley, você não entende! – e sai batendo o pé e se desviando na multidão em direção a saída.

Eu poderia ir atrás dela, sei que ela não está legal. Mas sei também que ela está exagerando e precisa de um tempo sozinha para refletir sobre isso. Quem sabe até ela veja o quão de razão eu tenho em facilitar as coisas ao invés de complicar.

Quando Brandon e eu namorávamos, muitas vezes me senti paranoica, assim como Amy está. Eu enxergava coisas que não existiam. Tudo por causa do ciúme. Claro que sentir ciúmes é algo muito normal quando se gosta muito de alguém. Mas o ciúme é algo maluco, que me meche com o psicológico da gente.

— Sozinha aqui? – me assustei com a voz que se aproximou e dei um passo para trás com a mão no coração acelerado. Fui realmente pega de surpresa. — Desculpe pelo susto.

— Ah, não, tudo bem. – tento sorrir, um tanto constrangida com a situação. — E ai, curtindo a festa?

— Na verdade, não. – ele é bem sincero e damos risadas. — Eu até estava indo pro quarto, dormir.

— Sério? Mas ainda são apenas onze e meia – confiro as horas no visor do meu celular. — Não, não vai embora agora. Ainda há muito que se aproveitar. Vem! – puxo-o. — Vamos fazer algo legal.

A oportunidade perfeita para conhecê-lo melhor. Mais tarde, Amy poderá me agradecer por isso.

Deito no gramado do jardim do colégio, em um lugar mais afastado dos casais e dos grupos de amigos ali presentes. Onde podemos observar o céu repleto de estrelas e ouvir o cantarolar dos grilos.

— Qual é? – virei-me para ele. — Não vai deitar? A vista é linda! Eu não vou abusar de você. Não se preocupe.

Rimos. E ele se deita ao meu lado sobre a grama.

— Não é esse o problema. Até sei que você e o Tyler, do time da escola, ficam juntos. – Jesse comenta. — É que... Bom, nós mal nos conhecemos e você age tão naturalmente. Digamos que eu nunca tenha estado com uma pessoa como você... Espontânea.

— Ah – olho para o céu. Sentindo uma saudade imensa de Brandon e do calor de suas mãos entrelaçadas as minhas. — Ainda não nos conhecemos. Mas isso vai mudar essa noite.

Ele sorri, satisfeito.

— E ai, qual é a sua e a da loirinha? A Alexa. – pergunto sem rodeios. Se estou interessada em saber não tem porque fingir que não.

— Ah – notei que ele pareceu ficar constrangido tamanha meu descaramento. — nós só conversamos por um tempinho. Ela é legal!

Não digo nada, não tenho nada a complementar. Afinal, eu mal conheço a Alexa. Mas sei que ela é querida por todos.

— E você e o Tyler? Estão juntos há muito tempo?

— Na verdade, o que temos juntos não pode ser considerado um relacionamento igual ao que está se acostumado a ver por ai. Só estamos juntos, desde que entrei aqui. Apenas isso. Não somos namorados, não somos um casal formal. Gostamos um do outro e gostamos de estar juntos quando temos vontade. Isso basta.

Ele balançou a cabeça em um gesto afirmativo, como quem diz que compreende.

— E o que mais você sabe fazer além de tocar piano e tocar bateria?

— Sei tocar alguns outros instrumentos. Não muitos, mas sei. E participo também na composição das músicas. São poucas que realmente pertence à banda.

Jesse virou a cabeça para poder me olhar.

— Mas me fala de você. O que sabe fazer?

— Nada de especial.

— Eu duvido! Não seja modesta.

— É verdade. – sorrio. — Gosto de pintar quadros, mas não me dedico por inteira. Quando pinto me sinto liberta. – não entrei em muitos detalhes do verdadeiro motivo de gostar de pintura: Brandon. — Fora isso, qualquer outra coisa que eu faça não é legal.

— Isso não pode ser verdade. – ele sorriu descontraído.

— Estou falando a verdade. É porque você ainda não me conhece!

— Mas você mesma disse assim que chegamos aqui, que essa noite isso pode mudar. Ainda podemos nos conhecer melhor.

— Sim, é verdade – olhei para ele impressionada com seus olhos. Será que eu me acostumaria tamanha semelhança aos de Brandon? — E mesmo que você não goste de quem eu sou. Isso nunca vai mudar. Eu sou assim, sendo aceita ou não.

Percebi que uma nuvem encobriu a lua.

— Gosto de você.

— Você pode acabar mudando de opinião.

Sorrimos um para o outro. Assim, de perto, vi o quanto o sorriso dele é bonito mesmo metalizado. Agora entendo o porquê de Amy ter se apaixonado por ele. Fico me perguntando quantas outras mais são também.

— Pare de ficar me olhando assim – sorriu sem graça, voltando minha atenção para o céu escuro.

A nuvem já não encobre mais a lua e ela parece sorrir.

As estrelas me trazem boas lembranças de Brandon. Como se ele fosse uma delas. Eu posso ver, mas não posso tocar.

— O que foi?

— Nada – ele sorri sem jeito, desviando o olhar. Sinto que sua mão jogada ao lado do corpo, acaba esbarrando na minha. — Gosto de você.

Porque ele insiste em dizer isso? Mal sabe quem eu sou ou o que faço ou no que me tornei.

— Jesse! – alguém grita, vindo em nossa direção. Para acabar com o desconforto entre nós, me sento. — Cara, estava procurando por você.

Jesse se senta também e não tira os olhos do companheiro.

O garoto, com um cabelo negro brilhoso e pele pálida como a minha, como quem não vê o sol há décadas, se aproxima ofegante. Quando para diante de nós, ele se curva e apoia as mãos no joelho como quem tenta recuperar o folego.

— Hayley, esse é o Andrew. O vocalista da banda. – tento sorrir o mais simpática possível para o tal vocalista.

Fico me perguntando onde esses garotos se enfiam que não os vejo pelos corredores do colégio. Passam o tempo todo ensaiando, isolados, trancafiados? Para mim, parecem novos por aqui.

— Precisamos de você, Jesse. A dona da festa, hum, como é mesmo o nome dela? – Andrew pensa por um momento. — Trace! Isso! A Trace pediu que nós tocássemos para a galera.

— Agora?

— Agora, Jesse. Vem!

Jesse parece incomodado com o convite, ou melhor, a convocação repentina para tocar. O acompanho de volta até o salão da festa. Andrew é muito comunicativo e simpático, tem uma voz sensual.

Antes de subir ao palco, Jesse se despede com um aceno. Não vejo empolgação em seus olhos como nos olhos de Andrew e os outros três garotos. Eles são cinco. O nome da banda é Snackers e não tem nenhum significado particular. Todos eles cantam por hobby e não pretendem seguir a carreira como músicos. É mais um passatempo. Pelo menos foi isso que o Andrew me disse.

As três primeiras músicas são deles. Mas como poucos sabem cantar e a empolgação parece mínima, os garotos resolvem fazer alguns covers das músicas mais pedidas. Eles são maravilhosos! São quase profissionais o que mais me admira neles, é o fato de não desejaram a música como meio de viver.

Acordo no outro dia, sábado de manhã, com a cabeça doendo como se algo martelasse dentro dela. Por sinal, acho que estou sozinha no quarto. Fui dormir às cinco e meia da manhã e estou acordado as onze. O que me parece suficiente. Não sou de dormir muito.

O restante da festa foi legal. Fiquei ouvindo os garotos tocarem e confesso que prestei mais atenção em Jesse. Ele é muito talentoso! Mas Tyler logo me tirou a atenção quando me encontrou. Bebemos, fumamos e ficamos juntinhos conversando e dando risada com seus amigos. Durante todo o tempo não vi nem Amy e nem Natalie e o namoradinho. Mas vi que Alexa deixava evidente seu interesse por Jesse. Se Amy não se cuidasse, a loirinha iria acabar fisgando seu gatinho. Eu não diria isso a ela, é claro. Não quero ver Amy chorar outra vez feito uma idiota.

Tomei banho morno e vesti algo confortável para passar o dia. Faz calor lá fora, o que é um bom sinal, apesar de eu não gostar muito do sol.

Mas sol representa energia. Quando se fala em calor se vem na cabeça água, gelado e diversão. Há muitas maneiras de aproveitar um belo dia de sol.

Aproximo-me de uma das piscinas e aceno amigavelmente para alguns conhecidos. Mas não vejo Tyler, Amy, Natalie ou Oliver. Estou de óculos de sol escuro estilo Retro. Uma regatinha branca, shorts jeans pretos rasgados nas coxas e chinelos. O cabelo azul está preso em um coque alto mal feito no centro da cabeça e alguns fios estão soltos e bagunçados na lateral da minha cabeça para dar um ar mais natural.

Resolvo me sentar ali perto até que qualquer conhecido me encontre, mas antes de me sentar sou interrompida. Alguém tapa meus olhos com as duas mãos. A pele é macia e as mãos são médias. Quem pode ser?

— Surpresa! – ele aparece sorridente na minha frente segundos depois deixando a mostra seu sorriso metalizado.

Os cabelos dourados e ondulados de Jesse estão meio bagunçados, seus olhos cor de âmbar estão cobertos por óculos escuro Aviador e por incrível que pareça ele usa blusa de mangas compridas e bermuda jeans.

— Não está com calor? – resolvo perguntar. Sinto calor por ele. Realmente faz muito sol e o ar está muito abafado, mal dá pra respirar.

— Ah – ele olha confuso para si mesmo. Meio desnorteado e coloca as duas mãos pra trás. Um tanto acanhado. — Não muito.

Sentamos juntos em um banco na sombra.

— Gostou do show de ontem? – ele quebra o silêncio. Não posso ver se ele realmente está olhando pra mim, por causa dos óculos. Mas tenho a impressão que sim. Ele está me olhando.

— Vocês foram um máximo! – sorriu. — A galera toda gosta muito de vocês. Todos cantaram e pareciam bem animados. Parabéns! – eu própria estou muito assustada com a minha simpatia exagerada. Eu não costumo ser assim. Mas gosto dele. Normalmente sou mais isolada. — Hum, você não quer dar um mergulho?

Já estou tirando minha regata e deixando a mostra meu biquíni preto não muito pequeno como de muitas garotas ali presentes.

— Não, eu não quero. Obrigado mesmo assim. – ele sorri, olha pra frente, mas depois volta a olhar pra mim. Tenho a impressão que ele avalia discretamente meu corpo magro. Mas talvez eu esteja enganada, talvez ele só observe minhas tatuagens.

Deixo minhas coisas ali de lado: chinelo, regata e óculos. E saio para cair na piscina para me refrescar. Lembrando que não sei nadar, mas fico ali, parada, em pé, com meus pés tocando o fundo da piscina e com as duas mãos firmes, segurando a beirada.

Quando me viro para olhar, Jesse não está mais lá.

É hora do almoço e estou faminta. Pego minha bandeja e me aproximo da mesa onde estão os amigos de Tyler. Ainda nenhum sinal dele, é melhor eu perguntar ao Jake, que além de ser um de seus amigos mais próximos, é também um dos que mais gosto ali.

— Aquele safado ainda está dormindo! Depois que você se foi, ele ainda continuou na festa por um tempão. – Jake riu descontraído. — Hayley, eu gosto muito de você. Por isso volto a te alertar: tome cuidado com o seu namorado. Ele é um safado!

Jake está sempre brincando com todos. Eu rio.

— Quantas vezes vou ter que te dizer que não somos namorados?

— Então quer dizer que, o caminho está livre pra mim?

— É... sim. Desde que você não se importe em ficar com o seu melhor amigo. Por mim, tudo bem. – dou de ombros, contendo o riso.

Estou deitada sobre a minha cama, balançando freneticamente os pés, enquanto ouço uma sequencia das minhas músicas favoritas na rádio.

Natalie entra bufando no quarto e bate a porta. Sento-me assustado e até diminuiu o volume do som. Ela está brava, eu sei. Mas não quero perguntar o motivo, pois não quero me envolver. Talvez ela não goste do que eu tenho a dizer a respeito.

Pergunto pela Amy, estou preocupada.

— Você pode me dar um tempo aqui com o Eric? – ela ignora a minha pergunta me cobrindo com outra. — Nós brigamos. Precisamos conversar. Eu sei que aqui é proibida a entrada de meninos...

— Tudo bem. – calço meus chinelos. — Vocês podem ficar a vontade. Afinal, o quarto também é seu. Só tome cuidado com um dos inspetores. Não quero problemas.

— Eu sabia que podia contar com você, Hayley. – Natalie me abraça apertado, mesmo sabendo que não gosto de contatos muito íntimos. Sinto-me sufocada, desde que não seja a pessoa que amo ou gosto. Não que eu não goste dela, só não tenho o costume... Ah, deixa pra lá. — Ah, e a Amy está na biblioteca.

Amy é a única na biblioteca. Ela senta em uma das mesas próxima as grandes janelas que basicamente ocupam toda a parede, do teto até o rodapé no chão. A luminosidade do sol bate em sua pele. Ela está lendo um livro qualquer. Nem percebe minha aproximação.

— Você é a única que não está lá fora aproveitando o dia de sol – puxo a cadeira para me sentar ao seu lado. — O que está acontecendo?

— Nada. – ela nem se move, nem tira os olhos do livro para prestar a atenção em mim. Isso me irrita profundamente.

— O Jesse tá lá fora aproveitando o dia com a Alexa. – minto, pois sei que ela vai prestar atenção no que eu disse. Ela fecha o livro, atordoada. Como se estivesse caído da cadeira. — É isso mesmo que você ouviu.

Ela pisca.

— Tudo bem. – dá de ombros, evitando me olhar. Se fazendo de durona, mas no fundo eu sei que ela está se corroendo. — Ela gosta dele. E ele gosta dela. Porque não?

— Porque você gosta dele! E não vai deixa-lo escapar assim com tanta facilidade.

— Porque você realmente se importa? – ela me encara feio, mas não tenho medo. Porque sei que falar sobre Jesse é como cutucar sua ferida.

— Gosto de você! E prometi ajudar.

Ela parece convencida com a minha resposta, que é sincera e real.

— Vem, vamos fazer algo divertido!

— Tipo o que? – levantamos.

— Sei lá, a gente inventa na hora.

Amy não tem muitos amigos, creio que ela só tenha a mim – que não sou grande coisa – e a Natalie. Deve ter um ou outro a mais. Assim, aproveitando sua empolgação, faço com que ela se entrose entre os muitos amigos de Tyler. Dos quais já conheço a maioria, apesar de não termos muita intimidade. Eles têm a ideia de jogar algum jogo divertido. Concordo muito animada. Gosto muito de jogos. Gosto de descarregar toda minha energia em algo que eu goste.

No começo, Amy tenta fugir. Ela não é boa nos esportes. Digo a ela que eu também não. Mas prefiro tentar, mesmo passando vergonha, do que deixar de me divertir por não saber. Assim, ela aceita e entra no meu time que é o mesmo de Tyler. Jogamos handebol dentro da piscina, na parte rasa. É mais difícil, porém muito mais divertido.

— Eles são legais! – ela diz por fim, pegando uma toalha e se juntando a mim que também tento me secar. Já é fim de tarde.

— É, eles são quando querem. – sorrio satisfeita. Agora é a vez de tentar secar o cabelo. Cabelo azul que fica muito difícil de pentear quando tem contato com o cloro da piscina.

— Foi divertido, mas – ela pausa. Já está seca e joga a toalha molhada de lado. — cadê o Jesse? Você disse que tinha o visto.

Pensei que ela acabaria se esquecendo desse detalhe.

— Ele estava aqui – tento disfarçar meu embaraço. — agora a pouco. Mas não está mais. Deve está por ai.

Antes do jantar, vamos até o quarto tomamos um banho quente e trocamos de roupa. Lá fora o ar é suave e o céu escuro é encantador. Amy e Natalie ainda estão se emperiquitando enquanto espero já arrumada. Não gosto de esperar por muito tempo. Esperar não é comigo.

— Encontro vocês lá em baixo. – saio do quarto.

Desço as escadas cantarolando sem me importar com a galera que passa a minha volta. Estou feliz. Mas ainda não sei o real motivo para isso.

— Te encontrei. – ele reaparece, me pegando de surpresa.

— Estava me procurando é? – sorrio torto, desconfortada.

— Mais ou menos. – ele solta um risinho. Gosto da risada dele. — Está indo jantar também?

— Estou, porque? – ainda estamos caminhando em direção ao refeitório. — Quer ir comigo?

— Na verdade, tive uma ideia melhor – ele sorri agradavelmente me puxando para o lado oposto. — O refeitório está cheio! Vamos a outro lugar.

Jesse fecha a grande porta logo atrás, depois de termos entrado na grande sala envidraçada. É possível se ver as estrelas dali. Todas elas. Mas tento evitar dá tanta importância. Pois elas sempre me lembram de Brandon e quando penso nele, inevitavelmente fico triste.

— Tá tudo bem? – ele quer saber, se aproximando.

— Tá. – forço um sorriso. — Mas porque estamos aqui? – olho em volto e vejo que somos só nós dois.

Há uma grande porção de todos os tipos de instrumentos a nossa frente, em um dos cantos, muitos que eu desconheço o nome. Não sou muito ligada nessas coisas. Mas Jesse deve saber.

— Não queria ter que enfrentar a fila da comida. Não ainda. Deve está enorme – ele se afasta, de costas. — Quero te mostrar algo.

Jesse senta atrás da bateria, é evidente a familiaridade que ele tem com o instrumento. Tomando cuidado e acertando os pratos. Ele pega as baquetas e gira entre os dedos. Sento-me em um banco próximo a ele.

— Estou esperando. – dou-lhe meu melhor sorriso.

Ele sorri olhando pra mim, abaixa os olhos, sinto que está um pouco envergonhada, ou talvez esteja só se concentrando. Em menos de um minuto ele começa a tocar. Algo que me parece familiar.

Shadow On The Sun - Audioslave.

Jesse não canta, apenas toca sua parte instrumental na bateria, mas de longe eu poderia reconhecer uma das minhas músicas favoritas de uma das bandas de rock norte-americano que mais gosto de Los Angeles.

Quando ele termina, eu o aplaudo de pé.

— Acha que ficou bom?

— Eu simplesmente adorei. – volto a me sentar, passando os cabelos de um ombro para o outro. — Já disse que vocês, a banda, são demais?

— Disse sim, obrigado. – ele parece sem graça.

— Mas porque está me mostrando isso? Logo pra mim.

— Umas fãs “novas” da banda fizeram alguns pedidos ao Andrew. Entre os pedidos ele selecionou essa música. Estamos ensaiando há alguns dias. Queria saber a opinião de alguém de fora.

— Eu adorei. Aliás, eu amo essa música. O que ela tem a dizer, a letra, me faz pensar em... Algumas coisas.

Por um momento me arrependo do que acabo de dizer, tenho medo que Jesse possa perguntar em que coisas eu penso ao ouvir a música. Me ajeito da cadeira onde estou, me sentindo desconfortável.

— Eu sabia que você gostava da música. – pra minha sorte, posso respirar aliviada, ele não perguntou.

Ou eu disfarcei bem ou ele simplesmente entendeu, através dos meus pequenos gestos que eu não estaria a fim de falar mais a respeito.

— Como sabia? – o encaro, arqueando uma das sobrancelhas.

— Fácil – ele sorri brincalhão. Ainda estou sentada perto dele e ele ainda está atrás da bateria. — posso perceber através da forma como você caminha, se veste, como fala. A música é o espelho da alma.

Concordo com ele.

— Você fica reparando em mim? – brinco para descontrair a tensão.

— Não. – ele ri também. — Mas não tem como não notar você. Olha só esse seu cabelo. É azul! Quantas meninas aqui no internato têm o cabelo azul? – não resposto. Não é uma pergunta. — Nenhuma. Só você.

— Eu gosto do meu cabelo. – passo a mão entre os fios levemente ondulados nas pontas. Ainda estão molhados. — Você não?

Ele se levanta sem me olhar, sai de trás da bateria e vem em minha direção. Percebo que, pode está fazendo o calor que for lá fora, ele sempre está com uma camiseta fina de mangas longas.

— Eu gosto também do seu cabelo. Gosto de azul.

Sorrimos. Percebo que o que está acontecendo entre nós pode se considerado um flerte. Mas então, o rostinho de Amy sorrindo docemente aparece em minha mente. Sinto-me culpada. Acho que estou delirando. Não estamos flertando, apenas conversando como bons amigos.

Por um momento me desligo, lembrando-me de quando Brandon e eu flertamos o tempo todo quando precisávamos ficar separados. Isso geralmente acontecia em algumas aulas. Alguns professores faziam questão de nos separar desde que souberam do nosso namoro.

Colocavam-me do outro lado da sala longe dele para não conversamos ou nem nada do tipo durante a aula para não atrapalhar as explicações. Juntos éramos impossíveis e queríamos ficar perto um do outro o máximo possível, o que irritava a algumas pessoas. E mesmo eu do lado oposto da sala, trocávamos olhar o tempo todo. Eu sorria e ele sorria. Ele piscava e eu sorria envergonhada. Eu mandava beijos soltos pelo ar e ele sorria carinhosamente recebendo-os. Não havia magia maior. Era como se só houvéssemos nós dois.

— Hayley? Oi. Você tá ai ainda? – a voz de Jesse me resgatou de uma viagem distante. As lágrimas estavam prestes a escorrer de meus olhos, mas ao voltar a mim, tento limpa-las antes delas me entregarem.

— Ah. Oi. Desculpe – forço um sorriso. — O que mesmo você estava dizendo agora a pouco?

— Então, eu estava dizendo que pouco depois de nos conhecermos aquele dia na aula de Geografia, você comentou que existam pessoas que reparavam em mim enquanto eu me apresentava com a banda. Quando eu perguntei pra saber quem seria essas pessoas, você acabou desconversando e apenas disse que era uma longa história, que essa pessoa ainda não se sentia preparada para se revelar e que algum dia você poderia me contar quem é ela. Será que, esse dia, pode ser hoje?

— Mas é claro que não. – eu ri. — Isso ainda tem que ser segredo. Mas vou logo dizendo: não sou eu. Porque se fosse eu as coisas seriam bem diferentes. Acredite. – desvio o olhar. — No dia em que nos conhecemos você também disse que não gosta que as pessoas te vejam tocar. Então, o que foi que aconteceu agora a pouco?

— Ah isso – ele desvia o olhar também, quando eu finalmente resolvo o encarar a espera da resposta. — bem, é que, digamos que, estejamos nos tornando bons amigos. Eu achei que... Bom, achei que seria legal que você, que é uma pessoa que eu gosto muito, dissesse o que achou.

— Eu gostei muito. Se for isso que te preocupada.

Depois, o silêncio entre nós ficou um tanto constrangedor. Olhei as horas no relógio e levantei-me.

— Vou comer. Vai comigo? – pergunto, antes de sair.

— Agora não. Obrigado.

O refeito estava realmente bem mais vazio aquela altura. Procurei por um conhecido, mas não encontrei ninguém. Tive que comer sozinha em uma mesa vazia. Não que eu me importe. Às vezes, estar sozinha é bem melhor pra organizar as ideias na mente.

A segunda aula do dia seguinte é de Geografia, o que me empolga bastante, porque sei que vou continuar a fazer meu trabalho em dupla com Jesse, pois ainda não finalizamos. Alana ainda tem muita raiva de mim por isso, mas não posso fazer nada por ela. Eu não permitia que alguém como ela se aproveitasse dele.

— As placas tectônicas estão em constante movimentação sobre o magma do manto – Jesse diz com atenção para ninguém em especial. Ele dita para si mesmo enquanto escreve em uma folha a parte para ser entregue no final da aula. — podendo se afastar ou se aproximar uma das outras. Esse processo é classificado em...

Gosto do som da voz dele. Escuto-o com atenção enquanto ele escreve. Jesse tem uma letra bonita, com boa aparência, bem desenhada, redondinha. Diferente da minha que é um garrancho preguiçoso.

— Não consigo entender como alguém como você – comento no final da aula, logo depois de estregar nossa folha, com nossos nomes, para o professor Bryan. — está aqui, entre nós, preso em um internato.

— Ora Hayley – ele sorri enquanto saímos da sala de aula. — Cada um de nós tem uma história por trás de tudo isso.