Durante todo o caminho até o aeroporto fomos em silêncio. Estava perdida em meus pensamentos me lembrando da conversa que havia escutado. Não entendia o significado, não entendia o porque, só sabia que era algo importante.

Quando sentei na poltrona, coloquei meu netbook no colo, os fones de ouvido e fui assistir Resident Evil, apenas para distrair. Quando peguei no sono, tive um sonho esquisito, muito real, mas estranho. Eu geralmente não costumava ter sonhos.

– Já estão trazendo os semideuses para cá. – Disse o homem que estava falando com um arco-íris que por acaso tinha a forma de outro homem nele. Mas o mais estranho não é esse treco do arco-íris. Esse homem tinha um cavalo na cintura. Não estava montado em um cavalo, era quase como se tivesse o tronco de um homem no lugar da cabela do cavalo.

– Espero que sim. – Disse o homem do arco-íris. – Estão vindo todos?

– Não, senhor Zeus, estamos trazendo os mais poderosos primeiro, os com cheiro mais forte. Mas se está se referindo a sua filha, sim, ela já está vindo. Mandamos um sátiro alertar a mãe dela.

– Gaia está atrás dela e de mais alguns semideuses. Espero que ela esteja segura quando chegar no Acampamento, Quíron. – Disse esse tal de Zeus.

– Ela estará. – Disse esse cara de corpo de cavalo, que devia se chamar Quíron.

O arco-íris desapareceu. E então entrou um garoto. Pele um pouco bronzeada, cabelos dourados e olhos castanhos claros, que chegavam a combinar com o cabelo e a pele.

– Estava escutando atrás da porta, Miguel? – Perguntou Quíron

– O quê? Não! Quer dizer, não muito. Só uma parte. – Falou Miguel.

– Então, já deve saber que chegará novatos aqui.

– Sim... – Falou ele esperando chegar ao ponto.

– Tudo bem, vamos lá criança, temos uma festa na fogueira agora. E os Deuses sabem o quanto eu amo aquelas guloseimas. – Quíron deu um sorriso a esse Miguel.

E então eu acordei. Já estávamos quase chegando. Que sonho tinha sido esse? Como era possível? Comecei a pensar na hipótese de poder prever o futuro, ou o passado. Não tinha imaginação o suficiênte para imaginar tudo isso.

– Vamos, filha, já chegamos. – Falou minha mãe.

Enquanto saíamos do avião, perguntei –Para onde eu vou?

– Para casa. Para onde mais?

– Me refiro a colégio.

– Ah, sim, estou cuidando disso. Sei que a língua para você não vai ser problema, estuda isso desde os 5 anos de idade. – Falou minha mãe.

– O problema é a escrita e a leitura.

– Daremos um jeito nessa parte.

Fomos para o carro com as malas. Chegando a definição de “casa” para a minha mãe, eu me surpreendi. Era até bem legal. Uma real casa, do tipo, casa de família, nada de mansões. Sempre sonhei com uma casa dessas.

– Legal. – Deixei escapar entre um sorriso.

– Que bom que gostou, vou mostrar seu quarto. – Já estava quase esqueçendo que estava brigada com a minha mãe. Mas aí eu me lembrei: Ela me tirou do Brasil só porque fiz uma birra, alegando que não era mais seguro, aí também teve a conversa com aquele cara que eu não conhecia, e ele também falou que não era seguro.

A casa já estava mobiliada, mas ainda falatava o meu toque. No meu quarto tinha uma cama, um guarda-roupas vazio, uma escrivaninha e uma cômoda. Bem em frente a cama. Esse quarto realmente precisava ser mudado.

– Gostou? –Perguntou minha mãe.

– É. Legal. – Respondi sem olhar para ela.

– Filha, sei que ainda está com raiva de mim por toda essa mudança, mas depois você vai entender.

– Então me explica! – Eu disse elevando um pouco o tom de voz.

– Depois. Agora é hora de decorar. Comece pelo seu quarto. – Ela me entregou o tablet. – A primeira coisa que fiz foi colocar internet wi-fi. Vamos lá, vá as compras. Compre tapetes, almofadas, decorações, o que você quiser.

Dona Caroline liberando o cartão? A culpa deveria ser muito grande. Isso não era uma coisa que ela costumava fazer.


Coloquei meus fones de ouvido e fui para o carro. Duas escolas em dois anos. Estava batendo meu recorde dessa vez. Só falta em ser expulsa nessa também.

– Ansiosa para ir para a nova escola? – Perguntou minha mãe enquanto dirigia.

Com a minha melhor cara de “você-está-louca?” respondi – Claro que não!

– Isa, eu sei que é difícil, mas você vai se acostumar. E eu eu acho que dessa escola você vai gostar.

– Acho bem difícil. – Respondi colocando os fones de ouvido de volta. Isso entre eu e a minha mãe sempre significou um termino de conversa. Então, ela entendeu e não conversamos até chegarmos lá.

Sinceramente, dessa vez minha mãe me surpreendeu. Uma verdadeira casa e...

– Uma escola pública. Aqui, o ensino das escolas públicas é bem melhor do que das escolas públicas no Brasil. Acho que vai gostar. – Explicou-me minha mãe.

– Tudo bem então. Nos vemos depois. – Falei pegando minha mochila do carro.

– Isabelle, ainda está chateada?

– Não, você só me tirou meus amigos, minha casa e minha vida social. Que motivos eu teria para estar chateada?

– Depois você vai entender.

– Tchau. – Disse finalizando a conversa, não queria discutir de novo.

Entrando na escola fui direto a diretoria pegar meus horários. Por incrível que parece, ninguém no caminho parou para me olhar duas vezes. Dessa vez não era a garota que tinha fama de detonar escolas, era uma outra pessoa. Então era isso que chamavam de “recomeçar”.