Por muito tempo, Spider desejou ter a vida que tinha agora, por isso era comum, em meio às suas atividades diárias, se encontrar pensando nisso.

Por mais solto, livre e rebelde que fosse na companhia dos Sully, ainda assim sentia uma lacuna que não seria preenchida. Aqueles eram seus amigos, mas não a sua família.

Família, era justamente sua ferida. Os pais eram grandes vilões aos olhos dos na'vi, mas ainda assim, quando Quaritch retornou numa nova forma, alguma coisa profunda em seu coração o lembrou que eles eram família.

Aos poucos, ele foi diluindo a armadura durona e inescrupulosa do pai. Não conseguiu escolher não salvá-lo quando se lembrou de que eles eram família.

Foi justamente essa escolha que o levou para onde estava agora, a ilha do Clã das Cinzas, apesar de inóspita, tornou-se seu lar, justamente porque Miles e Varang o acolheram e lhe deram Mawey como irmã.

Spider finalmente tinha uma família, embora tivesse que deixar os amigos pra trás para isso.

A saudade deles batia de tempos em tempos, mas ele tentava se focar no presente. Era isso que Eywa tinha lhe entregado, então seria grato por isso.

Um dos motivos para ser grato era justamente o nascimento de Taykar, seu pequeno irmão. Ele estava contente pela chegada dele e estava satisfeito e sentindo-se no lugar certo.

Ele se divertiu com a irmã, comeu à vontade e até mesmo balançou a cabeça no ritmo da música sendo tocada. O que o despertou do seu estado de contemplação foi a presença de Guaitani.

A garota certamente nutria um interesse por ele, desde a festa de apresentação de Spider, alguns anos atrás, até o outro dia, em que ele tinha ido pescar com Mawey e a garota se juntou a eles.

Spider, por sua vez, tinha que admitir que uma certa solidão começou a se apoderar do seu coração. Ele amava sua família, porém quando observava seus pais, sendo tão amorosos um com o outro, ele não conseguia deixar de pensar se um dia viveria algo assim.

Agora, no momento, estava claro que Guaitani gostava dele, mas Spider, por sua vez, não sabia dizer se o sentimento era o mesmo para ele. No entanto, um lado mais pessimista dele lhe dizia que seria difícil outra garota por ali se apaixonar por ele, afinal, por mais receptivo que o povo tenha sido com ele, sendo humano, ainda podia ser considerado feio e desinteressante pelos na'vi em volta dele.

Não adiantava nem mesmo pensar no caso de Jake Sully, ele sempre tinha se mostrado aos Omatikaya pelo seu avatar, já Spider, estava ali exatamente como ele era.

Assim, quando Guaitani o chamou no meio da dança, só lhe restou uma coisa, dar uma chance a ela e descobrir quais eram as suas intenções.

A garota, por sua vez, achava Spider no mínimo exótico, diferente dos outros jovens da idade dela, não só em aparência, mas em personalidade. Além disso, ele era filho dos líderes, estar próximo dele certamente lhe dava alguma vantagem.

Eles dançaram juntos, agora Spider não a copiava, mas tinha seus próprios passos, pulos rápidos no mesmo lugar, agitando os braços para cima e para baixo. Guaitani se contorcia, ora se aproximando dele, ora se afastando.

Antes que a música terminasse, ela o convidou novamente com um sonoro "vem".

Spider apenas a seguiu. Os passos da garota se tornaram uma pequena corrida, ele correu mais rápido para alcançá-la até que ele parou bruscamente.

—Pra onde está me levando? - ele teve que perguntar, intrigado com tudo aquilo.

—Eu precisava falar com você a sós - ela o olhou de cima para baixo, por causa da diferença de altura entre os dois.

Perceber isso deixou Spider desconfortável. Ele procurou o galho mais próximo para subir, mas não havia nenhum ali à sua disposição.

Guaitani também notou isso e se abaixou lentamente, Spider observou os olhos penetrantes dela e suas pernas se dobrando.

—O que aconteceu? - ele perguntou, curioso, ainda um pouco apreensivo, mas tendo uma ideia do que ela queria.

—Eu tenho observado você desde que você chegou - ela confessou, sem tirar os olhos dele - eu sei que você é diferente, mas é justamente isso que me faz... gostar de você.

—Eu... obrigado... eu acho... - o rapaz ficou incerto.

—É por isso, Spider, que eu gostaria de estar perto de você - ela ergueu uma mão comprida para ele, seu indicador se dobrou, alcançando o braço do garoto, ela deixou que deslizasse pela pele dele, tinha a porosidade da fuligem, mas ainda assim, era perfeitamente macia - eu quero me conectar a você....

—Conectar? Mas eu não tenho cordão neural... - ele engoliu em seco, mas ainda assim, talvez a curiosidade o fez querer tocá-la de volta.

—Eu sei, mas não precisamos disso - Guaitani afirmou - podemos encontrar um jeito, se você quiser...

—Eu... eu quero - Spider decidiu, se lembrando do que tinha pensado antes, ela era a única ali que demonstrava interesse, era uma chance que ele não poderia perder.

—Muito bem, meu querido - Guaitani concordou.

Ela o envolveu em seus braços mais compridos, fazendo com que os rostos se aproximassem. Spider se segurou nos braços dela.

Ao estar tão perto do rosto de Guaitani agora, ele percebeu os padrões das marcas da sua pele, os pontos incandescentes laranja. Seus lábios eram cheios, do tom do céu acima dos vulcões, os olhos como duas tochas acesas.

O queixo dela poderia bater no peito dele, o nariz de Spider podia tocar entre os olhos dela. Era muito desproporcional, certamente, mas ele se lembrou que ela tinha oferecido dar um jeito na proximidade deles. Ele também daria um jeito da parte dele.

Quando Guaitani fechou os olhos, Spider percebeu que era uma deixa para beijá-la. Ele conseguiu beijar o lábio inferior dela, fazendo uma trilha ali. Mas quando Guaitani quis retribuir, ela abriu os lábios e encostou no nariz de Spider, o que o deixou um pouco atordoado, se afastando um pouco.

—Podemos tentar outra coisa - ele sugeriu.

Ele então tocou o coração pulsante dela, até que ela fez o mesmo por eles. Lentamente, eles se deitaram juntos. Se abraçaram, ouvindo o coração um do outro.

Aos poucos, uma calma silenciosa envolveu os dois, que adormeceram, sob a luz das estrelas.