Divided

Quadrilateral


Maggie e Glenn voltaram pouco mais de duas horas depois trazendo o pouco que encontraram, ainda que suficiente para as necessidades imediatas da bebê. Carol logo preparou uma mamadeira e cuidou da criança, tirando-a com muita dificuldade dos braços de Beth.

Enquanto isso, Carl ficou ao lado da mãe para que Hershel descansasse e Rick liberou Axel para cuidar de parte da segurança até terem notícias de Chase e Daryl. O xerife imaginou que, se Sam estava certa sobre Thomás, a opinião que dera sobre Axel devia ser levada em consideração e um pouco de confiança foi depositada sobre o falante prisioneiro.

Linn tinha ido render Sofia e Carol na torre, antes da chegada do casal gleggie, e resolveu permanecer por lá até se sentir mais calma.

Parada no alto da torre tinha uma visão da passarela em que Sam estava sentada. E ela lá permanecia, podia sentir, com os olhos em sua direção, aguardando que Linn recuperasse a calma, para voltarem a conversar.

Mas Linn não queria conversar, não queria ouvir explicações, nem queria ver Sam tão cedo, nem escutar qualquer merda que a levasse a entender o lado da amiga naquela questão. Ainda assim, não queria estar zangada com Sam, nem revoltada com a amiga, mas não conseguia evitar se sentir traída.

Sam nunca demonstrara qualquer interesse por Rick, pelo menos não tão evidente quantos nos últimos dias, por isso nunca tinha imaginado que ela sequer gostasse do xerife. Pensando e relembrando se deu conta de que, se fosse por Sam, Rick teria morrido, se não no hospital, depois, às portas de sua própria casa, fraco como estava quando o encontraram.

Seguia sendo difícil entender tudo aquilo, quando sempre achou que Sam tinha antipatia pelo homem, para descobrir que ela estivera o tempo todo o desejando e, pior, conseguindo mais dele do que Linn possivelmente jamais teria.

Com a espingarda a tiracolo, se inclinou sobre a mureta e olhou para os errantes começando a se amontoar nas cercas, os olhos nublados pelas lágrimas, enxugando com as costas das mãos algumas que caíam teimosas, fungando, o lábio trêmulo.

Fechando os olhos pensou na amiga, no quanto era bonita, sensata e esperta. Em como Sam parecia estar acima de muitas coisas, ou achou que estivesse. Sempre disposta a ajudar os outros e se sacrificar por quem dependia dela, mesmo que não gostasse muito das pessoas.

Talvez fosse isso que Rick vira. Alguém que era um desafio conquistar e não tão a mão como Linn se colocara. Ou talvez ele tivesse visto em Sam um igual, alguém que outros podiam confiar e seguir sem se sentir diminuído por isso.

Mas ela não queria ser como Sam. E se esse fosse o preço para ter Rick, Linn não estava disposta a mudar.

Apesar de corajosa a, não-tão-sua-amiga, temia demonstrar seus sentimentos com uma fúria e um desespero que muitas vezes Linn se perguntara se algum dia ela veria a garota sair do casulo em que se protegia. Sam não se entregava completamente a nada e nem ninguém por medo de se magoar ou por que receava que, cedo ou tarde, as pessoas que ela gostava acabariam morrendo.

Linn não era assim e não queria sê-lo.

Sentia-se livre para amar por que desejava segurar e aproveitar as boas coisas pelo maior tempo possível. Queria consumir-se no momento e ser feliz antes de ser triste, para não carregar arrependimentos. Arriscar-se lhe definia, e sempre seria assim, sendo que muito pouca coisa lhe faria mudar.

Passando as mãos no rosto para afastar as últimas lágrimas, percebeu um movimento nas árvores e avistou Daryl agitando um lenço vermelho. Rapidamente desceu da torre e correu a abrir o portão para Dixon e Chase.

Quando entraram não questionou nada, e Daryl se afastou em direção a Rick que surgira no portão do pátio. Dando às costas, voltou para a torre, sendo seguida por Chase.

Quando em cima, o amigo se aproximou da mureta, onde ela se apoiava, deu uma longa olhada para o seu rosto e franziu a testa. Contemplando o prédio ao fundo por um instante, divisou Sam no mesmo lugar em que a deixou antes de sair e suspirou triste.

O rosto de Linn não negava que estivera chorando. Como Chase sabia que poucas coisas, ou pessoas, poderiam levá-la às lágrimas, certamente a situação tinha relação com Sam, Rick ou ambos.

“Não pergunte.” Linn chiou entre dentes, ao percebê-lo tão quieto ao seu lado.

“Não preciso.” Chase deixou escapar muito baixo, virou e se recostou na mureta, cruzando os braços e observando Sam sair da passarela.

Chase percebeu que a morena estivera velando por Linn à distância, estivesse ou não envolvida no problema que abalava a ruiva, aguardando que chegasse para tomar o seu posto.

“Você sabia?” Linn questionou, virando-se de lado para ele e cerrando os lábios com raiva.

As suspeitas de Chase se mostraram acertadas.

“Sobre?”

“Não se faça de desentendido.” Linn bufou.

“Só quero saber se estamos na mesma página.” Chase deu de ombros, a blusa de flanela axadrezada se moldando aos seus braços e ombros, e a camiseta branca por baixo, levemente manchada por salpicos de sangue escuro, o que dizia que ele tivera que derrubar algum errante enquanto estava lá fora, dando suporte a Daryl.

“Você sabe como eu odeio quando você age assim.” Linn deu dois passos para longe dele e passou as mãos pelo cabelo.

Chase teve certeza então que ela sabia de tudo.

“Você gosta de Rick e todo mundo aqui não desconhece isso. Bem... Talvez Carl e Sofia.” Ele pareceu achar isso engraçado, pois sorriu de leve. “Você não é, nem nunca será uma pessoa discreta Linn.” Chase inclinou a cabeça e murmurou o resto como se não fosse algo que destruía o mundo da ruiva. “Mas Sam gosta de Rick, e ela é tão discreta que ninguém percebeu. Eu mesmo nunca descobriria, se não tivesse visto eles se beijando há duas noites.”

Chase recordou o susto que levou quando se aproximou da cela e encontrou Rick inclinado sobre Sam, ambos se devorando em um beijo tão cheio de desejo, que o fez recuar abalado, voltar sobre os próprios passos e custar a pegar no sono.

Linn franziu a testa quando se deu conta de que tinha acontecido na mesma noite em que Rick quase lhe beijara também.

“Por que não me disse nada?” Linn questionou, apesar de já saber a resposta.

Chase lhe olhou fundo, agudamente, os lábios sensuais não escondendo sua raiva.

“Acha que trairia a confiança de qualquer uma de vocês?” Perguntou sem esconder a decepção.

“Não, sei que não.” Linn deu um passo na direção dele. “Mas é que...” Suspirou e apertou as mãos em punhos, sem saber como explicar.

“Se soubesse não teria bancado a boba?” Chase completou.

Ela sinalizou que sim com um pequeno movimento de cabeça.

“Você não bancou a boba, Linn.” Chase se aproximou dela e afastou uma mecha de seu adorável cabelo vermelho, a prendendo atrás da orelha delicada. “Pelo menos não com respeito a Sam.”

“Me abri com ela, contei tudo o que sentia e Sam nunca me disse nada.” Linn não olhava para Chase, não queria ver a pena no seu rosto amigável. “Eles estavam interessados um no outro e ela me deixou lutar uma batalha perdida.”

“Você sempre precisa vencer suas batalhas, não?” Chase questionou com ternura. “Colocou Rick como um alvo, uma meta, e está frustrada por que não conseguiu alcançá-la.”

“Não é assim.” Linn negou, precisava que Chase entendesse. “Quando o encontramos ele parecia precisar de nós e senti que necessitava ajudá-lo também. Depois ele se tornou real e eu o desejei.” Uma lágrima solitária desceu pelo seu rosto onde algumas sardas lhe davam um ar jovial. “Durante os últimos dois meses esse sentimento só fez crescer, e me descobri o amando com todas as minhas forças.”

Olhou para Chase e percebeu a dor em seu rosto, mas interpretou como empatia por ela, Sam e a situação que viviam.

“Se soubesse que Sam sentia o mesmo por ele, acha que deixaria me levar por esse sentimento? Que o teria alimentado e deixado crescer?” Linn encostou-se a Chase em busca de conforto, mas ele não a abraçou de volta. “Ela é minha melhor amiga, perdeu tudo e todos, e ela é tão triste. Eu... Eu teria evitado tudo isso, teria evitado ele. Não ia oferecer-me como uma idiota...”

“Não foi justamente o que Sam fez?” Chase raciocinou, se rendendo e passando os braços ao redor de Linn, com todo o amor que lhe dedicava. “Não acho que isso surgiu a duas noites, digo, esse interesse dela, não é?”

“Sei que não.” Linn murmurou encostando a cabeça em seu ombro.

“Conhecendo Sam, ela deve ter lutado o que pôde contra tudo isso, se não por que ele é comprometido, certamente para não magoar você.” Chase concluiu.

“Mesmo assim estou com raiva.” Linn fungou.

“Se não estivesse não seria a Linn que eu conheço.”

E amo, Chase quis completar, mas entendia que aquele não era o momento para tentar nada. Linn estava tão vulnerável que mal podia enxergar todo o desejo que sentia ao tê-la em seus braços. E não se aproveitaria de sua vulnerabilidade. Linn precisava que ele lhe escutasse, abraçasse e lhe desse conselhos, não que a agarrasse e beijasse com toda a ânsia de desejo que o corroía.

“Disse algumas coisas a ela, coisas duras.” Linn confessou.

“Você sempre fala antes de pensar.” Chase sorriu sem querer, muito para disfarçar seus sentimentos.

“E como você está com tudo isso?” Linn perguntou sentindo o cheiro de suor e poeira nele, se dando conta de que Chase cheirava bem. Alguma mistura de terra e muito de homem.

“Ainda com essas ideias de que tenho algum interesse em Sam?” Chase riu sem vontade dessa vez. Um som muito parecido com o que Sam fazia quando ria. Triste e sem calor.

“Não penso que goste de Beth.” Linn fez uma careta.

“Não.” Chase encostou o queixo em sua testa. “Pelo menos, não desse jeito.”

“Me decepcionaria se fosse diferente.” Linn deu um muxoxo. “Uma garotinha sem sal, aquela lá.”

“Sam também é muito jovem.” Chase espicaçou um pouco, gostando que ela se interessasse pela sua vida amorosa, já considerava uma pequena vitória, mostrava que, em algum nível, o via como homem.

“Sam é...” Linn sentiu a tristeza voltar. “Ela é muito mais velha que você ou eu.”

“Isso é muito ruim, acho.” Ele disse pensando na primeira vez que tinha visto a garota, naquela floresta, após Kelly se suicidar. “Acredito que ela já devia ser assim antes mesmo de tudo isso.”

“Tenho a mesma impressão.” Linn encostou o corpo todo nele. “Chase?”

“Sim?”

“Me acha mesmo uma boba por toda a minha atitude com Rick?”

Chase ficou calado por alguns segundos. A aflição que sentia tomando todo o seu corpo, e isso acontecia cada vez que via Linn demonstrar seu interesse pelo xerife. Mas não, não achava que ela fazia papel de boba.

“Acho você muito corajosa por tentar.” Chase soprou. “Seria muito mais fácil manter distância, principalmente para alguém orgulhosa como você.”

“Não sou orgulhosa.” Apertou e arranhou as unhas de leve em suas costas em punição pelo comentário e Chase fechou os olhos, tomado pelo prazer do gesto.

Devagar afastou o corpo do dela e virou para o muro, tentando esconder a excitação que a atitude dela provocara. Um simples roçar de unhas destruindo todo o controle que exercera até aquele instante, tendo Linn tão colada a ele que podia sentir cada uma das suas formas.

“Chase?” Ela chamou entendendo o súbito afastamento. “Desculpe, eu não quis... Não me entenda errado...”

Estava corada e parecia arrependida, como se a excitação dele fosse algo que não desejasse. Chase resolveu continuar a mascarar seus sentimentos, sabendo que não era corajoso como Linn, para se expor e receber um não, ou pior, perder sua amizade.

“Eu que peço desculpas... Faz muito tempo, sabe? E toda essa conversa.” Ele também corou e Linn achou um absurdo, nunca tinha visto um homem corar antes, muito menos Chase. “Sou homem, é involuntário.” Argumentou o óbvio e Linn se deu conta de que ele era homem e muito.

Quis rir, mas não conseguiu, ainda estava triste demais. Deixar Chase envergonhado também não ajudava.

Ela também ficara excitada ao senti-lo, mesmo que não revelasse. Mas o que queria? A última vez em que estivera com um homem fora no acampamento do pai de Sam, fazia quase um ano, e Yagundin tinha sido o único com quem estivera. Chase era másculo, apesar de só enxergá-lo como amigo.

“Sinto falta.” Não fugiu do assunto, isso daria muita importância ao fato e o deixaria ainda mais constrangido. Aproximou-se e ficou ao lado dele, o rosto ainda vermelho, ciente da masculinidade de Chase, e a achando um pouco intimidante, ainda que soubesse que poderia lhe contar qualquer coisa. “Você?”

“Muita, muita falta.” Ele sorriu daquele jeito brincalhão que conquistara Sam e a ela com o tempo.

“Com Maggie e Glenn agindo como dois coelhos desde que chegamos aqui, quem não?” Linn deu um empurrão com o ombro no dele e Chase devolveu a brincadeira, parando e lhe olhando até que o sorriso morreu.

“Vai conversar com Sam, certo?”

“Não agora, ou hoje.” Linn foi honesta.

“Ela vai se martirizar até que conversem.” Chase pontuou.

“Vai ser seu castigo.” Linn emburrou e Chase suspirou abanando a cabeça. “Se ela vai ficar com ele no final, que sofra um pouco agora.”

“Ele tem uma esposa e dois filhos, Sam não espera ficar com ele agora ou no final.” Chase alertou.

“Para mim nada disso faz diferença.”

“Faz sim e você sabe.”

“Ok, não faz muita diferença.” Linn explicou. “E se eles se beijaram, o que mais não fizeram?” O rancor alagou cada palavra dita pela ruiva.

“Sam não faria, não com ela ainda sendo...”

“Acha mesmo que não fizeram?” Linn questionou com a raiva voltando e cortando Chase.

“Existe Lori.”

“Talvez não por muito tempo.” Linn foi cruel e Chase odiava quando ela agia assim, principalmente quando falavam sobre situações de vida e morte.

“Lori piorou?”

“Não.” Linn suspirou. “Melhorou muito essa manhã, até acordou, segundo Beth.” Torceu a boca, mas Chase sabia que era só disfarce, ela não desejava a morte de Lori. “Achei que ela não ia conseguir, mas agora... Parece até um gato, sete ou nove vidas.”

“E você nunca gostou de gatos.” Chase lembrou.

“Bichinhos ardilosos.” Linn se arrepiou e Chase colocou o braço na cintura dela, puxando-a para um meio abraço e beijando sua testa, sem conseguir manter-se afastado.

“Deve estar cansado?” Linn se deu conta. “E pelo visto não o acharam.”

Até aquele instante não tinha notado que não perguntara nada sobre o prisioneiro que eles foram caçar.

“Daryl perdeu a trilha do desgraçado em uma estrada, cinco quilômetros a leste daqui.” Chase contou. “Não consegui entender como ele o rastreou por tanto tempo. Tudo o que eu via era árvore, mato e lama.”

“Ele é muito bom caçador.” Linn admirava Daryl ainda que não entendesse o que ele via em Carol, mas ninguém escolhe quem amar.

Chase roçou o queixo em seu cabelo, o corpo tocando o dela o necessário e Linn sentiu falta de tê-lo completamente contra si.

“Vou conversar com Sam, você sabe.” Chase alertou.

Linn tinha conhecimento de que ele o faria, era amigo de ambas e, ultimamente, tinha rodeado Sam com muita atenção.

“Não fale o que conversamos.” Pediu. “Não tudo, pelo menos.”

“Não vou.” Chase assegurou. Fez menção de se afastar, mas retornou lhe olhando com carinho. “Não vai começar a chorar novamente quando eu sair, não é?”

“Não.”

“Promete?”

“Não.”

“Garotas grandes não choram.” Brincou e acariciou seu rosto, notando que o nariz de Linn não estava mais vermelho e os olhos tinham desinchado.

“Elas choram sim.”

“Não se eu puder evitar.” Chase prometeu.

Linn sabia que ele estava certo, não tinha vontade de chorar quando estava ao lado de Chase, mas ele se foi e ela ficou sozinha na torre e, sem conseguir evitar, chorou novamente.