Daryl e Glenn saíram em busca de Sofia e Carol, enquanto Chase e Linn voltaram para buscar Sam. Com a morte de T-Dog, algo que Rick não estava preparado para enfrentar no momento, sobravam muito poucos para manter o local protegido do prisioneiro que escapara. Assim, trancou todo o bloco e colocou Beth, Carl e, ainda que não confiasse plenamente, Axel na guarda.

Voltando, ficou a parte, observando Hershel e Maggie trabalharem no parto de seu filho, mesmo que acreditasse que a criança não era sua.

Não estivera presente durante o primeiro parto de Lori e ela sofrera sozinha com o medo e as complicações que trouxeram Carl ao mundo. Mas agora estaria ali, mesmo que não tivessem muito mais em comum que apenas uma aliança que ainda não arrancara do dedo por causa de seu filho e de sua própria maldita criação e valores.

Encostou-se à parede quando Hershel fez a incisão em sua barriga e Lori nem mesmo se mexeu. Virou o rosto sentindo-se nauseado.

Estava acostumado com a morte e foi-se o tempo que a visão de vísceras ou qualquer uma dessas merdas lhe deixava enjoado. Contudo, ali na maca improvisada, estava a mãe de seu filho, a mulher que tinha amado um dia, alguém que prometera cuidar até que a morte os separasse e não estava preparado para vê-la dessa maneira.

Recuou para as sombras e fechou os olhos, tentando afastar a mente do que acontecia com ela e no muito que isso causava-lhe dor e preocupações, pelo tão pouco que tinham de medicamentos para lhe cuidar, tornando tudo muito perigoso.

Pensou no desespero em que estivera mais cedo, correndo pelos corredores, tentando chegar a sala do gerador, sendo guiados por um Axel que muito pouco conhecia do caminho. Da luta contra os errantes até chegar ao local e depois no combate com Andrew que, inexplicavelmente, seguia vivo, antes de desligarem a sirene.

Ao pensar nisso deu-se conta de que toda a situação fora sua culpa. Não tinha matado Andrew, nem mesmo tinha ficado para se certificar que os errantes tinham dado cabo do bastardo. Teve escrúpulos quando não deveria. Quis se eximir da culpa em sua morte, do sangue em suas mãos e o resultado seguia sendo desastroso.

Carol e Sofia desaparecidas, Sam deixada sozinha para que seus amigos pudessem salvar sua esposa e Lori entrara em trabalho de parto, quase morrendo e arriscando a vida de outros, inclusive Carl, para tentar trazê-la até Hershel.

Isso nunca mais aconteceria. Jamais deixaria de tomar a decisão certa para todos, não importando as consequências para si mesmo. Nunca...

O choro o pegou desprevenido, mergulhado como estava em pensamentos e recriminações. Um pranto forte, agudo, muito mais como um lamento do que uma vitória.

Rick pensou que a criança parecia adivinhar, ou intuir, que o mundo prestes a recebê-la não passava de um montão de ruínas, uma selva, onde os fracos precisavam do dobro de cuidados e, principalmente as crianças, não podiam ser a carga de felicidade que teriam sido em tempos antigos.

“Uma menina.” Maggie falou se aproximando, um longo minuto depois, com o bebê limpo e enrolado em uma manta.

Rick não olhou ao embrulho, mas sim além da mulher e sua carga, para Hershel e seu trabalho.

“Rick?” Maggie chamou estendendo a menina. “Tome ela, preciso ajudar meu pai.”

Com os olhos muito abertos estendeu as mãos e agarrou a pequena figura. Devagar a aproximou de seu corpo, procurando abrigá-la de tudo o que pudesse lhe causar perigo, ainda que não imediato.

Ela se mexeu inquieta e Rick por fim lhe encarou procurando em suas feições a culpa da traição da esposa. Mas nada viu de Lori em sua face, ou mesmo de Shane. E se sentiu triste. Por que mesmo odiando o bastardo do amigo no final, ainda o amava o bastante para desejar que algo do companheiro e, por muitos anos seu irmão, alguma coisa boa e pura daquele homem que sempre estivera ao seu lado até aquele dia no campo, seguisse viva.

Contudo, o que viu foi uma face pequena e enrugada, sem traços definidos. Um montículo de cabelo claro, castanhos como os seus, tão diferentes dos escuros e abundantes com os quais Carl viera ao mundo.

Amou a criança naquele instante. Sem se importar que não fosse sua, mesmo que seu coração lhe gritasse que não poderia pertencer a qualquer outro. E agradeceu mentalmente aos companheiros que se arriscaram para que Lori pudesse lhe dar aquele presente, enquanto passava o dedo levemente pela sua face e a criaturinha se contorcia, lhe arrancando um sorriso e algumas lágrimas.

Voltou a encarar Hershel cuidando da esposa. Pensou em perguntar como ela estava, mas ele parecia tão tenso que temeu atrapalhar.

“Vou te levar para conhecer seu irmão.” Sussurrou e se afastou de Lori, sem olhar para trás.

***

No mesmo instante em que o bebê deu seu primeiro grito, Sam atingia o errante com sua faca e se afastava do corpo que tombava ao seu lado.

De alguma maneira a ave carniceira entrara ali, provavelmente atraída pelo cheiro do sangue de Lori nas roupas jogadas em um monte do outro lado do aposento.

Arrastando-se Sam se aproximou de uma vão, no canto mais afastado da porta e se encolheu em suas sombras, atenta a qualquer novo perigo. Os amigos já tinham partido há muito tempo, apesar de não poder precisar quanto.

Encolhida e quieta a sensação de enjoo não era tão forte, mas estava tão fraca que seu corpo custava manter-se desperto e alerta. Seus olhos pesavam e custava-lhe um absurdo mantê-los abertos. Não teve sucesso.

Acordou assustada, se dando conta de que cochilara e não podia precisar por quanto tempo, apesar da luz filtrada pelas janelas gradeadas dizer que não foi muito.

Apurou os ouvidos e escutou o som de passos. Escorando-se a parede ergueu o corpo e apertou a faca na mão, enquanto mantinha a esquerda próxima ao corpo para evitar machucá-la mais que o necessário, caso precisasse lutar com mais de um errante.

Quando a sombra se projetou ao longo da parede, avançou contra o vulto, sendo detida a tempo por Linn.

“Sam!” Ela gritou e a morena recuou deixando os braços caírem ao longo do corpo.

Esteve perto de esfaquear um amigo.

Chase não ligou, se aproximou e lhe abraçou apertado, muito mais para manter a garota em pé do que por qualquer outro motivo, ainda que o bastante por sentir-se aliviado ao encontrá-la bem.

“O errante lhe machucou?” Ele perguntou aludindo ao corpo que encontraram ao entrar.

Afastou Sam um pouco para observar seus braços nus, a camiseta azul suja de sangue escuro, chegando a conclusão de que ela estava bem, na medida do possível.

“Vocês demoraram.” Sam brincou e sorriu para afastar as lágrimas de medo que teimavam em subir-lhe aos olhos.

Linn percebeu que a amiga estava assustada. Meditou que não podia esperar nada diferente, visto que ela fora deixada sozinha e machucada por duas vezes em menos de dois dias. Afagou seu cabelo e encostou a cabeça a dela formando, os três em pé e tão juntos, uma bela visão que dizia muito de amor e amizade.

“Ela está bem?” Perguntou aos dois, enquanto lhe ajudavam a subir as escadas e chegar até a saída.

“Hershel estava cuidando dela quando saímos.” Linn respondeu sabendo sobre quem ela perguntava.

“Ela desmaiou quando ainda estávamos nas galerias e não tinha acordado quando a deixamos.” Chase lhe deu mais detalhes.

“Um dos prisioneiros escapou.” Linn informou. “Teremos que ter mais cuidado ao voltar para o Bloco C.”

“Thomás?” Sam perguntou.

“Sim.” Chase e Linn responderam juntos se encarando.

“Matou T-Dog.” Linn jogou a informação como uma bomba em direção a Sam.

Esta parou no topo das escadas e ofegou um instante, muito pelo esforço e em parte pela notícia da morte de um companheiro.

“Os outros?” Perguntou um pouco pálida.

Linn pode escutar o nome de Rick, mesmo que a amiga não o tenha falado, e a percepção desse fato a incomodou.

“Todos estavam bem, com exceção de Carol e Sofia...” Chase começou a explicar.

“Sofia? Ela está...” Sam agarrou a camiseta de Chase e suas unhas o machucaram levemente em seu desespero.

“Não sabemos.” Chase explicou. “Elas não voltaram.” Chase segurou sua mão. “Daryl e Glenn foram procurá-las.”

Sam encostou-se a Chase e este a amparou novamente. Ele meditava que, em menos de quarenta e oito horas, cuidou de Sam e a tocou bem mais do que nos quase nove meses em que se conheciam.

Olhou para Linn sob a cabeça da garota e viu em seu semblante algo incerto no modo como a ruiva encarava a amiga. Pareceu a Chase que Linn tentava resolver um problema ou encaixar as peças de um quebra-cabeça e não gostava do resultado encontrado.

“Temos que ir.” Linn saiu do devaneio e falou se aproximando da porta, faca em punho, sua arma sem munição pendendo no coldre da perna.

Aproveitaram que não havia errantes por perto e seguiram pelos corredores sem contratempos. Demoraram mais que o previsto, com Sam não bem o suficiente para apertar o passo, mas não deixando que Chase a carregasse em nenhum momento.

Logo voltaram para o seio do grupo, com Carl abrindo os portões para que entrassem.

“Sofia e Carol?” Foi a primeira coisa que Sam perguntou quando passou por Carl.

“Daryl ainda não voltou.” Ele respondeu se afastando e trancando o portão, a arma com silenciador na mão, o chapéu escondendo seus olhos.

Sam notou que mesmo cuidando do portão, a maior parte da atenção do garoto estava concentrada no homem loiro e ainda vestido com o macacão de prisioneiro, parado na outra ponta do portão.

“Olá moça.” Ele ergueu a mão a guisa de saudação quando Sam o encarou.

Foi estranho, mas Sam retribuiu a saudação com um gesto de cabeça, sem nenhum tipo de hostilidade para com um dos homens que a manteve presa na cafeteria. Linn só pode pensar que a amiga tinha visto algo de bom naquele tal de Axel, por que ela era boa nisso de ler as pessoas.

Chase colocou Sam na cama. Logo Hershel se acercou dela para verificar o ferimento e fazer um novo curativo, depois lhe deu um comprimido para dor e mandou que ela descansasse.

“Como ela está?” Ouviu Sam perguntar baixinho.

“Repousando.” Hershel suspirou. “Tentei fazer meu melhor, estávamos preparados para essa eventualidade, mas temos que esperar para ver como ela reage.”

“E o bebê?”

“Uma menina.” Hershel sorriu. “Muito saudável, perfeita.”

Sam sorriu e encostou-se à cabeceira da cama, ainda sentada.

“Deveria descansar agora.” Falou para Hershel tocando seu braço ao notar que ele parecia acabado.

“Talvez Carol ou Sofia precisem de cuidados.” Respondeu. “Preciso estar alerta.”

Fez menção de se levantar, mas Sam o reteve, as palavras seguintes cheias de uma lógica que o idoso não poderia refutar.

“Não vai poder ajudar ninguém se não estiver bem. Não pude, e a sensação é horrível.” Ergueu as sobrancelhas e sorriu levemente. “Descanse um pouco Hershel, por favor.”

Ele balançou a cabeça concordando, depois partiu, Linn viu, para a sua cela onde caiu na cama e adormeceu para um justo descanso.

“Beth.” Cinco minutos depois Rick chamou da cela de Lori e a garota correu ao seu lado. “Pode ficar com Lori e a menina?”

“Ok.” A loirinha respondeu satisfeita, entrando no catre, onde uma caixa fazia às vezes de berço e estava colocado longe da cama, onde Lori dormia sedada, por via das dúvidas.

Carl cedeu o lugar a Chase, quando este pediu, e se afastou ao encontro do pai.

“Vá descansar um pouco.” Rick mandou.

O menino quis argumentar, mas o pai lhe deu um olhar severo e ele foi para o seu quarto.

“Vocês estão bem?” Rick chegou perto de Linn e olhou para o lugar onde Sam estava deitada e parecia adormecida.

“Não.” Chase respondeu e deu de ombros diante do olhar agudo de Linn. “Mas não me importo de ficar de guarda.”

Rick olhou a dupla, Linn e Chase, e se mexeu incomodado, mãos na cintura, meio de lado. Passou os olhos na cela de Lori e voltou a encarar os dois.

“Não agradeci por terem se arriscado para trazê-la aqui... Por se arriscarem.” Desviou os olhos meio sem jeito. “Se não tivessem feito isso, ela teria morrido.” Enfrentou Linn. “Obrigado.”

“A ideia não foi nossa.” Linn explicou enfrentando ele também.

Rick olhou para Chase, mas ele abanou a cabeça em negativa.

Linn viu a compreensão em seus olhos, e algo mais, antes que ele se voltasse na direção em que Sam estava. Ele passou as mãos no cabelo, pescoço e depois sobre os lábios, deixando que o braço caísse ao longo do corpo, sem se mexer muito mais que isso, os olhos cravados em Sam.

“Como ela está?” Ele repetiu a pergunta que Sam fizera a Hershel.

“Ainda muito fraca.” Linn respondeu. “Mas estará bem em pouco tempo.”

Rick desviou os olhos de Sam e se voltou para a ruiva.

“Sei que não deve ter sido fácil.” Apontou para Sam. “Deixá-la para trás e se arriscar por...” Ele hesitou.

“Por alguém de quem não gosto?” Linn completou.

Seu olhar foi compreensivo apesar da fria crueza da observação de Linn.

“Mas somos um time agora.” Linn continuou. “Precisamos nos ajudar... Sempre.”

Rick balançou a cabeça em um lento afirmar e voltou a encarar Sam, o que fez o estômago de Linn embrulhar uma e duas vezes.

“Haverá tempo para agradecimentos depois.” Linn pontuou. “Ela está muito cansada.”

“Eu sei.” Ele sussurrou. “Você deveria descansar também.”

“Não.” Linn negou. “Vamos aguardar o retorno dos outros.”

Meia hora depois Glenn voltou, com Daryl carregando Carol e Sofia caminhando na retaguarda com a arma em punho, tão alerta e preparada quanto Carl.

“O que houve?” Rick e Chase perguntaram ao mesmo tempo.

“Nos batemos com o desgraçado do Thomás.” Daryl ofegou levando Carol para uma das celas embaixo, até poderem seguir para a deles em cima.

“Ele tinha feito as duas de refém e estava tentando escapar pela área administrativa.” Glenn completou.

“Vocês o mataram?” Linn questionou com raiva, abraçando Sofia e beijando sua cabeça com carinho.

“Eu acertei um tiro nele e o Daryl também.” Sofia explicou erguendo o rosto sorridente para Linn.

“Boa garota.” Linn parabenizou.

“Ele correu para a floresta e o teríamos seguido, mas aquela parte está com as cercas no chão e havia tantos errantes que achamos melhor recuar.” Glenn informou.

“Posso rastreá-lo...” Daryl começou.

“Não hoje.” Rick foi firme. “O sol está se pondo e você apenas se arriscaria lá fora.”

Rick tocou o ombro de Daryl, sabendo que ele estava lembrando-se de Andrew e do que deixá-lo vivo quase lhes custara.

“Amanhã.” Falou olho no olho.

Daryl anuiu e se afastou, ergueu a mão para Sofia e partiu para junto da mulher que amava.

“Ele pode voltar.” Glenn discordava.

“Mas não hoje.” O xerife estava certo e todos sabiam.

O maldito Thomás estava ferido, tentando escapar dos errantes e sem muito conhecimento sobre eles. Provavelmente, caso não fosse devorado, tentaria encontrar um abrigo, cuidar do ferimento e tentar se manter a salvo.

Rick delegou as funções após conversar com os que conseguiam se manter em pé, levou Axel para uma das celas e o trancou lá, até o seu turno de vigília, e correu para o lado da esposa e da filha. Mas Linn observou que ele só fez tudo isso após dar um longo e demorado olhar para Sam.