Divided

Inside instinct


Sam gemeu quando o tal Andrew a encostou em uma das vigas na sala, longe da porta, mas algo à vista. O marginal amarrara suas mãos com um pedaço de corda fina, com diversas voltas diretamente em seus pulsos, tão apertada que o atrito produzido por qualquer movimento machucava como o inferno a sua carne.

Entretanto, aquela pequena dor em nada se comparava a queimação e ardência em seu bíceps, no braço esquerdo, a altura do seio. Nesse momento, sentada sobre as pernas, Sam se contorcia tentando avistar a ferida e avaliar se estava tão ruim como a dor que produzia.

“Fique quieta.” Andrew gritou em sua direção, se aproximando com uma grande faca na mão.

“Meu braço.” Sam tentou explicar com a voz ligeiramente rouca, sabendo que algo piorara ali depois de ser sacudida, apanhar, ser amarrada e jogada como um trapo qualquer.

Axel se acercou, mas o baixinho o impediu de chegar mais perto.

“Só quero dar uma olhada.” Axel explicou. “Parece um ferimento feio e está sangrando muito.”

Estava mesmo. Tanto, que Sam sentia o sangue quente empapado seu braço, colando a manga da jaqueta a sua pele de uma maneira que começou a deixá-la enjoada.

Andrew deu a volta, se inclinou um pouco, garantiu uma boa olhada no corte, fazendo uma careta e se afastando. Aquele foi o incentivo para que Axel se aproximasse dela e avaliasse o ferimento também.

O loiro, que parecia a Sam ser o mais amigável dos cinco, depois da avaliação, afastou-se um momento, retornando logo após com algo nas mãos, se agachando ao lado e pelas suas costas.

“Moça, isso vai arder como o inferno.” Falou antes de derramar algo sobre a ferida.

“Meeeerda!!!” Sam grunhiu entre dentes, o corpo se sacudindo, arfando e depois respirando aos solfejos, se encostando completamente na viga quando tudo ao seu redor tomou movimento de carrossel.

“Está bem feio. Você levou um tiro?” Axel parecia achar que sim. Sam se lembrou apenas do som de dois tiros antes das portas abrirem. “Precisa de pontos.” O detento usou uma tira de pano para enfaixar a ferida. “Isso deve ajudar por enquanto.”

“Obrigada.” Sam agradeceu a Axel antes de virar o rosto e vomitar sobre os pés de Andrew.

O detento recuou profundamente enojado, xingando a garota de nomes horríveis, para se afastar e procurar algo com que limpar os sapatos. Axel também tinha recuado com um olhar de asco, braço erguido e protegendo o nariz e boca, um pouco esverdeado. Foi o momento apropriado para que Sam tateasse as snickers em busca da lâmina escondida no forro interno.

A dor e o enjoo pareceram diminuir um pouco quando sentiu a frieza da curta lâmina entre seus dedos, tão afiadas que a machucaram quando começou a cortar as cordas.

Quase soltou um grito de vitória quando as mãos estavam livres e escorregaram para a beretta escondida na parte de trás da jaqueta, ainda sem acreditar que aqueles idiotas não lhe tenham revistado em nenhum momento.

“Sua maldita esse macacão é o...” Andrew recuou quando Sam lhe apontou a arma.

Ainda no chão, a garota precisou de alguns segundos para se erguer, o carrossel um pouco mais lento, mas agora levemente inclinado.

“Se afaste da entrada.” Ordenou a Andrew quando se firmou em suas solas, equilibrada pela força de vontade e urgência em escapar.

O baixinho lhe obedeceu, porém, seus olhos inquietos revelavam que ele estudava e analisava uma forma de não deixá-la fugir, talvez sabendo que o tal Thomas não ia lhe fazer nenhuma festa quando voltasse e ela não estivesse ali.

“Você.” Pediu a Axel. “Dê-me aquela lanterna.” Ele lhe obedeceu, estendendo o objeto sem se aproximar muito dela. Sam ligou e ela funcionava. “Agora, abra a maldita porta.”

Ouviram-se alguns grunhidos no silêncio seguinte, pareciam poucos, mas sabia que não daria conta com eficiência de errantes em seu estado, mesmo com a arma, visto que ainda tinha de se preocupar com os dois criminosos. Entretanto, os errantes eram menos perigosos que os humanos e Sam sempre preferiria se arriscar com as malditas coisas do que com os vivos.

“Abra.” Sam ordenou quando o loiro hesitou.

“Oh Deus! Moça... Eles estão ali fora... Não posso...”

“Um, dois...” Sam começou e ele entendeu.

Correu a escancarar a porta, abrindo apenas um dos lados e se escondendo por trás do aço pesado desta.

Uma ave carniceira avançou, mas Sam não se moveu. Quando o errante estava a três passos, atirou e a carcaça do que fora um guarda caiu. Andrew aproveitou para avançar com a faca erguida e ela o fez parar apontando-lhe a arma novamente. O dedo coçando para apertar o gatilho, ainda que não o fizesse.

Devagar se afastou até a saída.

“Se tentar me seguir...” Não precisou concluir o aviso, sumindo em direção ao escuro corredor.

Eles não tentaram, pelo menos parecia que não. Sam cambaleou por boa parte do caminho, se escorando vez em quando nas paredes, diminuindo os passos quando sentia que podia vomitar novamente, ou pior, desmaiar, mas nunca parando.

A luz da lanterna, fraca e frágil, que mal iluminava seu caminho, tocava as paredes em busca das marcas que Glenn fizera e não encontrava nenhuma. Concluiu que sua sorte estava terminando, mas ainda lhe restava alguma porção já que não se bateu com errantes por um bom tempo. Uma pequena porção, visto sentir-se perdida quando tudo lhe parecia tão familiar que bem poderia estar andando em círculos.

Mas sua intuição lhe avisava que estava no caminho certo. Seu amigo estava em algum ponto adiante e, se Chase não viera procurá-la, algo o devia estar retardando.

Dobrou uma esquina à direita, um pouco mais zonza, a luz da lanterna acertando um grupo de errantes, fazendo-a sufocar um grito, ainda que os desgraçados, sentindo o cheiro do sangue fresco e guiados pela luz, tenham virado todos em sua direção, arrastando suas podres carcaças tentando alcança-la em completo frenesi.

Sam ergueu a automática se sentindo desesperada e atirou nos dois primeiros, abatendo um e atingindo o ombro do outro, contando as balas a cada novo disparo.

Mais dois tiros, enquanto recuava, cada clarão iluminando o bando que avançava, muito mais que a luz da lanterna que não conseguia manter firme com a mão esquerda.

Outro disparo e outro. Sete ou oito, perdera as contas, agora atiraria sem saber quantas balas lhe separava de ser devorada. Continuou recuando e atirando. Estava fraca e eles estavam perto. Os bastardos sabiam ser rápidos quando lhes convinha. Outro tiro em um mais próximo e encostou-se à parede, sabendo que se não o fizesse cairia. Apertou o gatilho algumas vezes em vão, seu cérebro sem conseguir registrar que não possuía mais balas.

Um chegou a agarrar seu braço, ativando seu instinto interior de sobrevivência. Reuniu toda a força que tinha e, gritando, lhe acertou algumas coronhadas jogando-o ao chão. Cambaleou para, por azar, agarrar o seguinte e enfiar o cano da automática direto em seu olho esquerdo, a carne podre não oferecendo resistência, fazendo o errante cair abatido de encontro ao seu corpo, lhe derrubando.

A lanterna, firmemente agarrada em uma das mãos, iluminou de relance os últimos, quatro ou cinco, Sam não tinha certeza. Dois deles tombaram nos corpos que ela havia deixado para trás. Sem conseguir se erguer engatinhavam em sua direção, galgando seus companheiros, ansiosos em agarrar a presa.

Sam continuou recuando, muito lentamente, sabendo que o fim se aproximava, confiando ter lutado tudo o que podia e de que lutaria ainda mais um tanto, mesmo que fosse inútil.

Quando o primeiro conseguiu ultrapassar a barreira dos corpos, ergueu o pé para tentar acertá-lo ao tempo em que ouviu um disparo e o errante caiu. Nenhum outro disparo seguiu ao primeiro, mas Sam escutou sons de luta. Logo a voz de Chase lhe trouxe lágrimas aos olhos. Um segundo depois, desmaiou.

“Sam?” Rick fora o primeiro a chegar nela.

Empurrando o errante que estava parcialmente caído sobre seu corpo, colocou dois dedos na sua jugular comprovando os batimentos cardíacos, para só depois passar um braço sobre seu ombro e pernas, erguendo-a com facilidade, a mente registrando o quanto ela realmente estava magra, tão diferente da primeira vez em que a vira.

“Ela está viva?” Chase perguntou com desespero se aproximando por fim e avaliando a amiga, a mão tocando quase toda ela, a luz da lanterna que carregava iluminando cada novo machucado que ela levava e em especial o ferimento no braço que sangrava abundantemente.

“Está.” Rick respondeu. “Precisamos ir.”

“Passe ela para mim.” Chase pediu já agarrando e quase puxando o corpo de Sam para seus braços.

Ela despertou nesse momento. Olhou para Rick sem enxergá-lo com clareza.

“Coloque-me no chão.” Ordenou com a voz arrastada, irreconhecível, onde Rick conseguiu distinguir medo, raiva e vergonha.

“Não.” Rick falou afastando Chase e começando a caminhar, desviando aqui e ali dos errantes abatidos. Percebendo que ela tivera uma dura batalha e resistira como poucos quando encontrava-se tão ferida.

“Chase.” Sam chamou com a voz embargada, ofendida pelo xerife simplesmente ignorar seus desejos.

Mas Chase apenas seguia ao lado deles, o que a levou a tomar medidas drásticas. Contorcendo-se quase caiu e o levou junto. Sendo assim, Rick não pode evitar colocar Sam no chão, ainda que ordenasse a Chase que o ajudasse a levá-la dali, agarrando cada qual um de seus braços e passando pelos ombros.

“Estamos quase lá.” Ouviu T-Dog exclamar com alegria e logo estavam a entrada do bloco de celas.

“Maggie.” Glenn chamou para que abrisse o portão.

Rick e Chase arrastaram Sam o resto do caminho, com Chase a carregando quando percebeu que a amiga desmaiara novamente.

“Sam!” Linn gritou de forma estrangulada quando a viu.

“O que houve?” Alguém perguntou.

“Glenn.” Maggie se agarrou ao namorado.

“Daryl.” Sofia chamou e o caçador a abraçou, procurando Carol, mas ela não estava no Bloco de celas no momento.

“Pai.” Carl correu para perto de Rick descendo as escadas, assustado ao ver Chase carregar Sam para uma das celas. “O senhor se feriu?”

Rick olhou a manga da camisa e suas mãos, percebendo o sangue da garota, fresco e vermelho vivo. Acenou que não a pergunta do filho, abaixando-se agarrou o garoto em um abraço, se afastando depois em direção a cela para acompanhar o trabalho de Hershel.

“Ela foi mordida?” Beth perguntou com a mão na boca.

“Não.” Hershel respondeu. Tinha cortado a manga da jaqueta e a camisa, deixando todo o braço da garota exposto. “Parece... Parece que levou um tiro.” Diagnosticou e encarou Rick.

O xerife olhou ao redor, empertigou-se, a mente trabalhando, calculado, imaginando e chegando a única resposta viável.

“T-Dog, Daryl, vigiem a entrada das galerias.” Olhou ao redor. “Onde estão Lori e Carol?”

“No pátio.” Sofia respondeu.

“Glenn, Maggie, vão buscá-las e tranquem a entrada do Bloco.” Olhou para todos, mas não precisou dizer o que parecia óbvio.

Com determinação e calma afastou os demais do quarto improvisado, ainda que Linn e Chase permanecessem a cabeceira da garota. Não conseguiria tirá-los dali nem se quisesse.

Ficou para acompanhar o trabalho de Hershel por alguns momentos. O ferimento não parava de sangrar e o mais velho tinha dificuldades para estanca-lo.

“O que são essas marcas roxas?” Linn perguntou notando manchas ao longo do braço da amiga e as esfoliações no pulso.

Hershel nada disse, mas Linn olhou para Rick e pode notar em seu semblante toda a raiva e, principalmente, parte da resposta. Alguém machucara Sam novamente. De alguma maneira, alguém a retivera e atirara nela.

“Nos separamos nas galerias.” Chase explicou com a voz embargada. “Pensei... Pensei que ela estava atrás de mim, quando precisamos recuar.”

Rick recordou aquele momento, quando olhara ao redor e não vira Sam, o coração falhando uma batida e se recriminando por tê-la escolhido para ir e não Maggie.

Os errantes então eram tantos que voltar não foi uma opção por quase uma hora, abrigados na solitária, até Daryl encontrar outra saída e uma rota que os levaria aos corredores em que tinham se separado dela.

Só saberiam com clareza o que acontecera com ela nesse meio tempo quando voltasse a si, o que lhe parecia impossível no momento. Sam estava tão pálida quanto o lençol sobre a cama e quase nem se mexia, mesmo com Hershel chafurdando dentro do seu braço.

“Consegui.” Greene disse com alívio. “Linn?” Chamou para tirar a ruiva do estupor em que contemplava a amiga. “Linn, preciso de sua ajuda.” Sua voz era um misto de ordem e carinho. “Pegue o estojo dentro da minha maleta.” Hershel mal se mexia, a mão firme, os dedos dentro do corte, como pinças. “Isso mesmo... Esterilize a pinça. Essa que parece uma tesoura pequena com as pontas encurvadas.”

“Halstead?” Linn perguntou agarrando a pinça correta.

“Muito bem.” Hershel tomou o instrumento e o colocou habilmente onde seus dedos estiveram. Depois se afastou enxugando a testa com as costas da mão, se erguendo para respirar um momento. “Isso vai ajudar até que dê os pontos.”

“Precisa de algo?” Rick questionou antes que se afastasse para verificar as precauções a mais que deveriam tomar.

“Tenho o que preciso aqui.” Hershel explicou. “O tiro atingiu uma veia, o que é bom, se fosse uma artéria ela não teria conseguido.”

Rick voltou a olhara garota sobre a cama e a mulher que se inclinava sobre ela, afastava com carinho os cabelos empapados de suor de seu rosto, sussurrando incentivos e chorando calada.

“Ela vai ficar bem?” Perguntou em um sussurro a Hershel.

“Não será tão grave se ela não tiver perdido muito sangue.” Respondeu.

Rick olhou para a manga da sua camisa ainda molhada com o sangue dela e estremeceu. Recuperando-se encarou fundo o velho fazendeiro.

“Confio em você.” Contou tocando no ombro do mais velho, inclinando a cabeça e lhe olhando por baixo das pestanas, quando Hershel encarou as próprias mãos e suspirou. “Hershel, ela é forte. Vai conseguir." Engoliu em seco. "Não posso perder ninguém de nossa família.”

Hershel assentiu, voltando para perto de Sam para fazer o que fosse necessário.

Rick pensou que a garota era realmente forte, muito mais do que ele chegara a imaginar e se sentiu orgulhoso.

Lançado a Sam um último olhar e se contendo para não tocar em seu corpo tão próximo, se afastou para liderar seu povo diante de um novo perigo.