Disturbed

Capítulo Único


A raiva borbulha e eu sinto as barreiras tão bem postas ao redor do coração caírem uma a uma. Como eu havia chegado a esse ponto? Eu não saberia dizer. Minha namorada era uma atriz pornô, foi assim que eu a conheci. E esse seu jeito sujo, sua boca que não via motivos para não dizer tudo o que queria e quando queria, sua sensualidade absurdamente irresistível e seu modo de pensar tão único, que haviam me atraído pra aquele anormal relacionamento no qual eu me encontrava. Eu amava aquela mulher, amava mais do que queria, amava mais do que admitiria um dia. Mas Jenna não precisava ouvir; ela se contentava com o que eu oferecia, um amor sem muitas declarações, sem exigências. Um amor que não exigia mais do que as duas poderiam oferecer e receber em troca. O que não simplificava as coisas.

O que eu sentia agora era muito além do que eu poderia me permitir sentir, não era certo, não estava nos planos. Nunca estava nos planos essa fúria irracional – ou racional demais – que eu sentia quando ela tinha um novo trabalho a fazer. Fúria essa que sempre recaía sobre algum objeto daquele apartamento terrivelmente bagunçado. Enquanto os cacos de um abajur escorregam pela parede com a qual ele se chocou, o sentimento em vez de aplacar, apenas piora. Imagens de lábios desconhecidos, femininos ou não, passando por aquele corpo tão conhecido invadem minha mente e parecem tão reais. São tão reais justamente porque eu sei que é exatamente o que está acontecendo. Sendo essa cena imaginária, com beijos acalorados e ela retribuindo, ou então nada disso, de alguma forma aquilo estava acontecendo. E sempre se repetia. Bocas diferentes, mãos diferentes, línguas diferentes depravando e invadindo um corpo que de coração pertencia só a mim - ou era o que minha mente perturbada queria acreditar. Me sentia idiota, imbecil, suja, traída, idiota e muito idiota por sentir aquela raiva abrasadora. Raiva que me fazia sair de mim e me transformar em um monstro. Eu era um monstro por acabar em situações com as quais eu não sabia lidar e descontar toda minha fúria e frustração no alvo disso tudo. E era isso que eu estava prestes a fazer.

Reorganizo a bagunça que meu rosto virou quando as lágrimas que eu nem sabia que escorriam mancharam toda a maquiagem bem feita, escolho a roupa mais curta, mais óbvia para meu objetivo e saio do apartamento, não me preocupando em trancá-lo. O início de noite está frio, mas não diminui a raiva nem coloca racionalidade nos meus planos. Eu já sabia o que faria e nada seria capaz de me desviar do meu objetivo. Abro a porta do primeiro bar que vejo e percebo que já estive aqui mais vezes do que gostaria de lembrar. A fumaça de cigarro circula pelo ambiente e invade minhas narinas, que inspiro satisfeita, incapaz de ignorar o vício. Caminho enquanto observo o ambiente, os olhos procurando um alvo, uma escapatória, uma fuga para aquela coisa horrível que havia se alocado dentro de mim sem permissão. Deixando a mente vagar por alguns segundos, as imagens imaginárias e a loucura se renovam enquanto volto a focar no objetivo principal. Sem demora, sem precisar pedir algo pra beber, sem precisar ir atrás de alguém, uma moça de longas pernas que apareciam pelo vestido curto se aproxima de mim. Sem dizer nada, sem esperar mais do que um sorriso meu, segura minha mão e me leva para fora daquele lugar, mostrando um motel barato a poucos metros dali, que também era muito conhecido por mim. Ao chegar no destino final, lábios que não eram os que eu queria beijar e um corpo que não se encaixava tão perfeitamente ao meu ocupam o resto da minha noite, enquanto transformo em desejo a raiva que ameaçava me partir ao meio. Não era certo, não era normal, mas era meu jeito transtornado de lidar com o que eu sentia. Era sempre o que eu buscava quando as imagens daquele corpo tão meu nas mãos de outro invadiam minha mente e nublavam meus pensamentos. Era meu refúgio, o monstro que eu era se sobrepondo a tudo. E sempre acabava do mesmo jeito.

***

Quando abro a porta do apartamento no dia seguinte com as roupas desalinhadas, uma mente dividida entre satisfação na dor que tinha certeza que conseguira provocar na morena e culpa ao pensar no monstro que eu era capaz de ser, encontro Jenna com as mãos na cabeça, sentada na nossa cama encarando os cacos do novo objeto quebrado ao chão. Estava esperando por mim, mais uma vez. E mais uma vez em seus olhos eu enxergo raiva e culpa, ódio e tristeza. Conhecia sua expressão tão bem e mesmo assim meu coração afundava perante aquele olhar. Ela levanta e termino de fechar a porta esperando pelos gritos que eu sabia que viriam.

— SUA IDIOTA, IMATURA, FILHA DA PUTA! PORQUE SEMPRE FAZ ISSO TAYLOR? PORQUE? SÓ PRA ME MACHUCAR? ME PAGAR COM A MESMA MOEDA? ACHEI QUE JÁ TINHA TIDO TEMPO DE CRESCER!

E em meio aos xingamentos, raiva, culpa, desejo e algo que só poderia ser chamado de amor, por mais estranho que esse amor fosse, ela caminha até mim lentamente em um gesto inconsciente e automático.

— Cala essa maldita boca! Você sai pra foder com outro e espera que eu fique chorando pelos cantos me lamentando pela merda de vida que eu tenho? Eu nem sei porque ainda achamos que somos um casal, porque essa merda que nós somos tá longe de ser um!

— É meu trabalho, o que você quer que eu faça? Mude por amor? Você enlouqueceu? Vá à merda Taylor e leve essa porra de amor distorcido com você!

Meus pés se movem e eliminam a distância que nos separa. Seu olhar magoado, enfurecido, refletindo exatamente o que eu sentia, mas naquele rosto que tanto me desarmava e tirava a lógica dos meus atos, faz com que a briga perca o sentido. Logo suas mãos estão nos meus cabelos e minhas mãos passeiam por aquele corpo magro e curvilíneo e eu não faço ideia de quem começou tudo isso. O desejo e a raiva se misturam e eu só quero aquele corpo junto ao meu. O corpo que era meu por direito.

Nossas bocas se separam buscando repor o ar perdido e ouço um “eu te odeio tanto Taylor” sussurrado antes de ter os lábios tomados pelos seus novamente. Roupas caem no chão, lábios substituem toques pelo corpo e logo nada mais importa além do calor que emana de nós duas.

Era sempre assim. Nossa relação conturbada ultrapassava e muito os limites de um relacionamento saudável. Vivíamos nessa montanha-russa de sentimentos, de idas e voltas, de pedidos de desculpas não feitos e de promessas não cumpridas. Nesse misto de amor e ódio, nunca sabíamos exatamente o que nos fazia sempre voltar. Voltar pra mesma casa, pra mesma cama, pro mesmo amor perturbado e irracional, pra mesma pessoa. Só podia ser amor, não é? Um dos piores tipos de amor. E cada manhã que eu acordava ao seu lado e sorria sabendo que estava exatamente onde devia estar podia ser considerado um final feliz.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.