Disque Vórtice Temporal para Emergências e Festas!

Operação Festa Surpresa: ninguém esperava por isso


Eram onze e meia da manhã e o quarto continuava escuro. Isso porque a dona do aposento ficara acordada grande parte da madrugada, conversando e rindo com sua amiga em uma chamada de vídeo, no computador, e como já era esperado que acordasse tarde no dia seguinte, certificou-se de fechar muito bem as cortinas, para evitar a luz do dia. Bianca não costumava agir assim sempre, mas naquela semana, seus pais haviam viajado a negócios, e ela teria a casa só para ela. Diante das atuais circunstâncias, é de se esperar que a rotina fosse para o espaço.

Mal deu onze e trinta e cinco, o telefone tocou. Bianca moveu-se embaixo dos lençóis, mas não levantou. A pessoa que ligara era insistente, mas o sono da jovem não ficava atrás. Dez toques seguidos e ela nem se atreveu a sair da cama.

Por fim, o telefone parou de tocar. A pessoa havia desistido e Bianca suspirou, mudando de lado na cama.

Contudo, houve apenas um intervalo de segundos, para seu celular começar a tocar.

—Arrrrr –resmungou ela. Uma mão preguiçosa tateou o criado mudo às cegas, em busca do celular. Ainda de olhos fechados, Bianca localizou o aparelho e levou-o à orelha.

—Alô... –disse com voz de sono.

—Oi mana! Como é que tá? –saldou uma voz masculina, que pertencia a alguém já há muito desperto.

—Guto?

—E você por acaso tem outro irmão? –perguntou o rapaz, em tom brincalhão. –Você foi dormir tarde de novo? Já está virando um hábito...

—Ah, cala essa boca –ela retrucou, mas num tom bem humorado. Bianca e Guto eram o que se podia chamar de “irmãos amigos”. Eles raramente brigavam, tinham gostos parecidos e cultivavam mais semelhanças do que diferenças. Talvez o que mais divergisse entre os dois fosse a idade (ela tinha 19, e ele 24) e o tom de cabelo (ela era loira e ele puxava mais pra um castanho claro).

—Enfim, porque me ligou? –prosseguiu Bianca.

—Adivinha –Guto fez suspense. –Nosso tio favorito vai estar na cidade este sábado! Ele arrumou uma folga no trabalho e vem nos visitar.

—Caramba! –Bianca sentou-se de uma vez na cama. –Essa é a melhor notícia que poderia receber!

—Eu sei!! –enfatizou, animado. –E é por isso que eu estava pensando em nós dois fazermos uma festa surpresa pra ele.

—Guto, isso é uma excelente idéia! Eu super topo fazer parte desse rolê!

—Eu sabia que iria concordar –sorriu, do outro lado da linha. –É o seguinte: como vai ser sábado, nós ainda teremos tempo para planejar tudo... Podemos usar os fundos da casa da vovó, como espaço pra festa. É um quintal bem grande...

—Sim! A vovó certamente irá ceder o quintal. Ela adora festas!

—Exato! Também precisaremos de comida, música, convidados e uma decoração bem legal...

—Eu posso ficar encarregada dos convidados e decoração. Sou boa em recrutar gente e decorar ambientes.

—Ah, e eu não sei disso? –sorriu Guto. –Você sempre arrasava nas reuniões de família...

—É. Modesta parte, eu sou muito boa. –Bianca disse com ar convencido, dando uma risada gostosa em seguida.

—Você é mesmo –Guto riu, com o jeito cômico da irmã. –Bom... Então eu fico encarregado da comida e música. Vamos nos falando durante a semana para ir planejando as coisas, tudo bem?

—Pra mim está perfeito.

—Ótimo. Então até breve!

—Até breeve!

***

*Quarta feira –faltando três dias para a festa surpresa de Sábado.

Bianca passou a manhã toda revirando as gavetas do escritório que seu pai tinha em casa, em busca de uma determinada agenda. Não uma agenda qualquer... Esta em especial, a auxiliaria na busca por convidados –nada menos que necessários –para a festa, já que pertencia ao seu tio; Alguns meses atrás, na última visita que fez à família, o tio a esquecera no quarto de hóspedes, e graças a isso, Bianca tinha uma pequena vantagem que ajudaria muito a conduzir essa etapa do plano.

Assim que a localizou, passou boa parte do dia selecionando pessoas –de acordo com algumas marcações que o próprio tio havia feito sobre elas, nos cantos das páginas—e ligando para elas, confirmando sua presença no evento surpresa de sábado.

Lá pelas quatro e meia, após muitas horas de ligações e uma única pausa para ir ao banheiro e mais outra para enganar o estômago com um bauru e refrigerante de acompanhamento, eis que a missão estava finalmente concluída. Comendo uma pequena barra de chocolate branco, Bianca apreciava os resultados de seu trabalho, revisando com o olhar orgulhoso, a longa lista de nomes de pessoas que compareceriam à festa.

—Primeira etapa: completa –disse, com satisfação, fechando a agenda em seu colo.

Assim que Bianca fechou a agenda, num movimento espantosamente sincronizado, eis que o livro cuspiu um pequeno papel... Um post-it azul bebê, que foi expelido às pressas, como se estivesse doido para escapar dali. Impulsionado por uma brisa que adentrou pela janela aberta, o post-it alçou voo, livre leve e solto, por grande parte do escritório, até aterrissar sob o telefone do pai de Bianca e Guto.

Bianca –que estivera perseguindo-o por um breve intervalo de tempo –parou diante do telefone e segurou o papel, enfim inerte.

—Estranho –falou, ao ler seu conteúdo. Nele estava escrito: “Tel Vórtice Temporal”, embaixo constava um número e, abaixo deste, mais uma nota do tio: “JAMAIS perder esse número. Essencial. De extrema importância. O melhor auxilio do universo. Em uma frase: Pau pra toda obra”.

—Muito estranho –acrescentou Bianca, duas vezes mais intrigada. Porque será que o tio escrevera uma notinha tão acentuada? O que esse número podia ter de tão especial? E talvez a pergunta mais relevante: quem seria o dono do telefone?

—A notinha diz “pau pra toda obra”... Seja quem for, deve significar muito pro meu tio. –dando de ombros, a jovem digitou o número no telefone sem fio do pai e esperou na linha.

No total, Bianca tentou cinco vezes refazer a ligação por meio do redial, e em todos os casos houve alguma coisa que atrapalhou o processo. Na primeira tentativa, bipou até dizer chega e não houve manifestação. Na segunda, a linha emudeceu misteriosamente. Duas subseqüentes deram “fora de área” e uma última ainda teve a cara de pau de anunciar “chamada perdida”.

—Tá legal. Já chega disso! –Bianca enfiou o fone na base, irritada. –Como meu tio pode enaltecer tanto um número que sequer leva a alguma coisa? Quer saber... Eu tô exalta. Vou esquecer isso, tomar um banho e ligar pro Guto, avisando que consegui uma lista bem farta de convidados.

E assim fez, indo dormir cedo aquela noite, pela primeira vez na semana.

***

*Quinta feira –faltando dois dias para a festa surpresa de Sábado.

No dia seguinte, Bianca desceu animada as escadas de sua casa, martelando os pés nos degraus de madeira. Ela tinha combinado com o irmão, de irem juntos à casa de praia da família, buscar a decoração para a festa de sábado –antigamente, a decoração costumava ficar na garagem da casa na cidade grande, mas então houve o episódio da mesa de sinuca... uma peça de madeira esculpida manualmente pelo bisavô de Bianca e Guto, que morreu de repente, deixando-a de herança para eles. Logicamente, a família precisou arranjar espaço na casa para guardá-la, e assim, as caixas da garagem migraram para a casa de praia, pois, afinal de contas, era mais fácil transportá-las do que a mesa de sinuca.

Bianca estava tomando café, quando recebeu uma ligação de seu irmão.

—Fala Gu! Já tá vindo pra cá? Não está um pouco cedo? Esse horário você normalmente tá trabalhando...

—É por isso mesmo que eu liguei, Bia. Teve um imprevisto aqui e eu não vou poder levar você pra buscar os enfeites hoje. Foi mal mana...

Ih. Entrou areia.

Ah, isso era ruim. Não, era péssimo! A casa da praia era longe, Bianca não sabia dirigir –apesar de já ser maior de idade, a garota ainda não tinha tomado coragem de tirar carteira de motorista –, tinha conhecimento de que sexta feira, o rodízio do carro do irmão proibia o veículo de rodar de manhã, e que eles com certeza se atrasariam na organização da festa, se deixassem para ir buscar os enfeites no sábado em si...

—Ai não, Gu...! E agora? Sem os enfeites, a festa vai ficar incompleta!

—Eu sei mana... –ele disse, refletindo, do outro lado da linha. –Hum... A não ser que...

—Ai graças a Deus! –Bianca suspirou, esparramando-se na cadeira.

—Calma, eu nem falei minha idéia ainda, sua maluca –ele riu.

—Mas eu conheço seu tom de voz. Você tem uma saída, e isso me deixa aliviada.

—Bom, mais ou menos. Tá mais pra uma “idéia improvisada”, mas vamos aos fatos: Hoje cedo, uma das pessoas que você entrou em contato... um dos... amigos do tio, veio até mim. Nós conversamos bastante e eu esclareci melhor nosso plano para ele. O cara pareceu gente boa. Sabe? Um tipo que passa confiança. Se você não se importar, eu posso enviá-lo para levar você à casa de praia. Ele disse que podíamos contar com ele para o que precisasse, e isso evidentemente parece com uma emergência.

—Bom, se não tem outro jeito... então tudo bem. Pode enviar ele.

—Falou mana.

***

Mais tarde, Bianca estava no sofá de sua casa, fazendo uma lista das coisas que ia precisar pegar para a decoração da festa, quando a campainha tocou.

Sem perder tempo, ela se deslocou até a porta e abriu-a, deparando-se com um sujeito simpático de gravata borboleta.

—Ah, olá! Como vai você? –ele saudou, animadamente, como se os papeis estivessem trocados; ele fosse o dono da casa e Bianca a visita.

—Hã... vou bem, eu acho –ela deu uma risadinha, cruzando os braços e apoiando-se no batente. –E você?

—Ah, eu estou num dia ótimo! –compartilhou, gesticulando como um italiano empolgado, em sua melhor forma. –Você tinha que ter me visto mais cedo. Eu fui fantástico hoje, mas não tinha ninguém para ver. –suspirou. –Isso já está virando um hábito...

—Ah que interessante –Bianca estava se esforçando para não dar risada. De fato eles não se conheciam, mas de repente estavam conversando casualmente, como se fossem velhos amigos. –E quando você diz que foi fantástico, está se referindo a alguma ação em particular?

—É claro! Essa manhã eu pilotei um ultraleve com os pés. Foi realmente muito divertido.

—Uau! Que habilidoso.

—Eu costumo ser –ele fez um movimento, abanando o ar, dando a entender que aquilo não era nada.

—Estou muito impressionada, hãm... como é mesmo seu nome?

Antes que o rapaz animadinho à porta fosse capaz de responder, ouviu-se passos dentro da casa. Passos que rumavam para a sala com certa agilidade.

—Oi. Voltei. –anunciou uma segunda voz masculina. -Você está pronta? Podemos ir? –o recém chegado parou, com as chaves do carro de Guto na mão. Uma expressão estupefata no rosto. A face pálida, como se tivesse visto um fantasma. Bianca franziu a testa.

—Está tudo bem, John?

—John? –o rapaz de gravata borboleta emendou, erguendo as claras sobrancelhas inquisidoramente para o companheiro de all stars.

—Smith. –completou o outro, dando uma leve arregalada de olhos. –É o meu nome.

—Ah, sim, claro, claro. Isso costumava ser usual. –falou o rapaz dos gestos, debilmente. –Nunca entendi o porquê. Podíamos ter escolhido mudar de vez em quando...

—Acho que podemos concordar que mudança é com a gente mesmo. Diante de tanto revertério, algumas coisas tem que permanecer intactas.

—Hum... Falou como um verdadeiro velho rabugento.

—Olha só quem fala. Você é mais velho do que eu!

—Só de idade, camarada. Não de alma.

Observando a ambos interagirem, Bianca concluiu que eles se conheciam –e não parecia ser pouco –, contudo, pareciam não muito satisfeitos com a presença um do outro.

Talvez fossem irmãos que não se dessem tão bem quando ela e Guto. Ela ouvira falar sobre isso. Na verdade, parecia uma coisa bem comum dentre a maioria das pessoas.

—Ah, tô vendo que vocês dois já se conhecem... –a garota comunicou o obvio, lembrando-os de sua presença no recinto. –Isso é ótimo, na verdade, porque se conhecer leva tempo e nós ainda temos que pegar estrada... –então se voltou para o rapaz parado à porta. –Se bem que eu continuo sem saber seu nome.

O homem na calçada afastou a lapela do casaco, revelando suspensórios vermelhos, que combinavam com a gravata.

—É Joh... –ele começou, na força do hábito, então parou, sendo detido pelo olhar incisivo do rapaz dos all stars, que sinalizava para ele não continuar. Anteriormente, o primeiro já havia se apresentado como “John Smith”, e certamente seria um bocado estranho se o outro fizesse o mesmo. Após um momento de raciocínio rápido, jogo de cintura e um leve gaguejar, o rapaz à porta prosseguiu. –Joh... Johnny. Johnny... Smith.

Às costas de Bianca, John Smith estapeou a própria testa, achando que o outro havia posto tudo a perder. Todavia, por incrível que pareça, Bianca acabou engolindo aquela história sem nexo.

—Johnny? –a garota deu risada. –Não é um nome muito comum por aqui... Mas eu tenho certeza de que já ouvi em algum lugar...

—Sim, “Johnny”, como o personagem de Patrick Swayze no filme Dirty Dancing! –emendou o rapaz, empolgado.

Nossa. Que referência super discreta e nem um pouco exagerada... –ironizou John, se aproximando do outro.

—Então vocês são John e Johnny Smith. –analisou Bianca.

—É. Nós somos parentes.—inventou John, numa tentativa desesperada de manter a farsa.

—Primos! –completou Johnny.

De 4º grau.—acrescenta John, provocativo. –Primos bem, bem distantes.

—Que não se vêem há muuuuito tempo –acrescentou Johnny, inclinando-se para Bianca, como se fosse lhe confidenciar um segredo. –Ele é meio bipolar, sabe? Uma palavra agradável para “problemático”. Na adolescência, deixou a família toda de cabelos em pé. Ele sempre gostou de andar de moto e sair de madrugada, e uma vez até... AI! –parou bruscamente. Aparentemente, não fora tão discreto quanto poderia ter sido, pois antes mesmo de terminar de falar, levou um tapa no braço.

—Você mereceu e sabe disso –John, agora também na calçada, apontou um dedo acusatório na cara dele.

—É, ta na cara que vocês não se dão –Bianca disse simplesmente, fazendo os dois voltarem-se para ela, desarmados.

—Não, não é isso... É que... sabe...

—Não é que a gente não se dá...

—É. É como ele falou... é uma coisa...

—Complicada.

—É. Disse tudo.

Bianca olhou de um para o outro, sem reação aparente, então virou de costas e entrou em casa, batendo a porta. Houve um momento levemente constrangedor, em que nenhum dos dois sabia exatamente como agir diante daquilo.

—Eu não entendi bem... ela fechou a porta na nossa cara?

—Sabe que eu não sei. Ela não parecia nervosa o suficiente para ter feito isso.

—Talvez seja só impressão nossa... –no meio de sua frase, a porta reabriu e Bianca apareceu, trazendo as malas consigo e as chaves de casa. Ainda sem se dirigir a eles, começou a trancar tudo.

—Hã... o que você tá fazendo? –perguntou Johnny, curioso.

—Você não ficou brava com a gente, ficou? Porque se trancar para fora da própria casa como forma de protesto, certamente não é a melhor forma de reagir nesse caso... –ia dizendo John, então Bianca se voltou para ele, tomando a chave da picape do irmão, de suas mãos.

—Nós vamos viajar. Não esperavam que eu fosse largar tudo destrancado, ou esperavam? –passou direto por eles, levando suas coisas para o carro.

John e Johnny se entreolharam.

—Espera aí... eu... vou junto? –perguntou Johnny, surpreso.

Bianca revirava a bolsa deliberadamente. Logo encontrou o que tanto procurava: seus óculos de sol. Tomada por uma determinação imbatível, ela colocou-os e fitou a dupla por detrás das lentes verde-escuro.

—Mais é claro! Você veio até aqui, não veio? Coincidentemente, o John também, e num golpe de sorte do destino, ambos acabaram se reencontrando depois de tanto tempo... –disse conferindo o horário no celular. –Bom, meninos, o acordo é o seguinte...

—Acordo? –disseram em uníssono.

—Vocês me levam para a casa da praia, para que eu possa buscar os enfeites da festa de sábado, e eu ajudo vocês dois a se entenderem de uma vez por todas.

As caras de espanto eram mútuas.

—O que?

—É sério. Não vou deixar vocês dois continuarem desentendidos. Se depender de mim, no final dessa viagem, os dois já vão ter deixado as diferenças de lado e serão grandes amigos! –anunciou e entrou no carro, decidida. John e Johnny ficaram estancados no mesmo lugar, pasmos com a atitude de Bianca, e também com o rumo que as coisas levaram. Vendo que nenhum dos dois se mexia, Bianca baixou o vidro do motorista e buzinou para eles. –Vocês vem ou não vem?

***

—Nós já chegamos? –perguntou Johnny pela terceira vez, desde que embarcaram na viagem.

—Você sabe que não. Tá vendo alguma praia por aqui? Estamos presos em um engarrafamento, e dos grandes. Além do mais, faz só meia hora que saímos da casa da Bianca. –retorquiu John, ao volante.

Mentiroso. Você disse a mesma coisa meia hora atrás. Que parte de “cheque o horário antes de comunicar aos navegantes”, você não entendeu?

—Navegantes? Isso aqui nem é um barco!

—Você me entendeu!

—Por que não confere você mesmo o horário? –John resmungou, rabugento. Ele não mentira sobre o engarrafamento.

—Ora, não é obvio? O led do relógio digital do espelho retrovisor está queimado. Só você consegue ver as horas no painel do carro.

—Eu consigo ver no meu celular também –Bianca estendeu o aparelho para Johnny poder pegar. –Pode ficar com ele se quiser, durante a viagem. Só me avise se meu irmão ligar, por favor. Não quero deixá-lo preocupado comigo.

—Pode deixar! Obrigado, viu? Isso foi de extrema bondade e utilidade.—fez questão de dizer bem alto, encarando severamente a nuca de John. O rapaz revirou os olhos. –Bianca é uma garota legal de verdade. Diferente de certas pessoas...

—A propósito, agora que somos amigos, e minha vida está literalmente aos seus cuidados, vocês podem me chamar de Bia, se quiserem. –a jovem sorriu, amigável.

—Tá legal, Bia—Johnny abriu um sorriso carismático, enquanto John olhou para ela e fez um aceno de cabeça, um sorrisinho contido, de canto de lábios, formando-se brevemente, e logo desmanchando-se a medida que ele voltava a olhar para a marginal, com o trânsito parado. Entrementes, Johnny soltou o cinto de segurança e projetou o corpo para frente, emparelhando-se aos dois bancos da frente, onde Bianca e John estavam sentados.

—Vocês tão a fim de fazer alguma coisa pra matar o tempo? Podíamos jogar algum jogo ou então cantar uma música...

Não. Nem começa com isso!—cortou John logo de cara.

—Eu achei uma idéia legal –disse Bianca, num tom doce, ao que John ficou levemente embaraçado. Ainda por cima com Johnny ajudando a complicar tudo, encarando-o como um falcão convencido e vitorioso, diante da presa tola e turrona.

—... Tá, vai. Mas por favor, não vamos nos exaltar. Faz muito tempo que eu não pego num volante, além do mais num engarrafamento desses. Céus... De onde saiu tanto carro? –olhou para o céu, sugestivamente. –Eles parecem brotar do nada como uma maldição infernal!

—Vai por mim, se tem alguém amaldiçoado nesse veículo, e azarado o suficiente para nos conduzir a uma situação dessas...

—Se terminar essa frase eu vou aí atrás te esganar.

—Nós dois sabemos como ela termina, “John”. –Johnny cruzou os braços, ainda sentindo-se por cima.

—Tááá legal. Já deu né? Chega de intriga por hoje, né meninos? –Bianca se pôs no meio. –Por acaso lembram do objetivo da viagem?

—Hã... levar você pra buscar seus enfeites na casa de praia? –sugeriu John, confiante.

Eee... ajudar vocês dois a se entenderem, ou será que já esqueceram? –mal ela disse isso, ambos tiveram reações de esquiva: John se pôs a buzinar, depois colocou a cabeça pra fora do carro, imitando alguns motoristas vizinhos, irritadinhos, e gritou para o nada:

—SAI DA FRENTE CYBERLERDO! A CULPA NÃO É MINHA SE NÃO TE FIZERAM UPGRADE!

Um Dalek insano extermina muita genteeee—Johnny deliberadamente começou a cantarolar alto, no banco de trás, com os dedos nos ouvidos.

—O que? Não! Vocês dois prometeram que iam... –protestou Bianca, em vão. Entrementes, John voltou a se sentar corretamente no veículo, tomado pela adrenalina.

—Ah, agora sim! O trânsito tá começando a andar de novo... –o carro da frente já havia se afastado um bom bocado quando John resolveu dar o arranque. Começaram a se mover, quando inesperadamente, um engraçadinho da faixa vizinha cortou a frente do veículo, pegando todo mundo de surpresa e fazendo o trio gritar desesperado, a medida que o carro freava ainda em tempo de escapar de uma batida.

Saíram ilesos, mas o susto não foi pouco.

Ainda com os corações martelando no peito, John deitou a cabeça no volante, frustrado.

—Em nome dos Reptilianos... Por favor, alguém faça um buraco em baixo da terra e me puxe pra dentro aqui mesmo!

***

Era uma hora da tarde. A marginal ficara para trás há bastante tempo e agora só havia a estrada vazia em sua frente. John Smith dirigia tranqüilamente –sempre cuidadoso, mantendo o limite de velocidade –enquanto eles três ouviam música (Shiny Happy People do R.E.M tocava na rádio), conversavam e riam juntos. Apesar de terem tido um começo difícil –tanto na estrada quanto no relacionamento –agora e cada vez mais, a medida que a viagem prosseguia, as coisas pareciam estar entrando nos eixos.

—... Não, não... fala sério! –riu John, abertamente. –Você não fez mesmo isso...

—Eu tive que fazer! Era inútil continuar persistindo naquilo –disse Johnny, ao que John e Bianca caíram na gargalhada, imaginando a cena.

—Meu Deus! E você estava sem roupas?

—Pois é. Foi tudo culpa do Hipopótamo Venuziano. Ele queria saber mais do que podia.

—Então você apostou a sua língua? Assim... do nada? Não tinha nada melhor pra apostar?

—E eu tenho cara de quem carrega nos bolsos alguma coisa mais interessante do que botões e figurinhas colecionáveis?

—Mas você perdeu suas roupas! E tinha gente assistindo!!

—Eu vejo por outro ângulo: pelo menos eu não perdi minha língua.—replicou, mostrando-a como forma de ilustração.

—Bom ponto –Bianca riu, então seu estômago produziu um ruído alto e constrangedor que a fez silenciar bruscamente e se encolher.

—Tudo bem? –perguntou John, amigável.

—Eu acho que estou com fome –disse, apertando a barriga. –Tem mais alguém com fome?

—Eu tô sempre com fome! –disse Johnny. –Quero dizer, nas horas vagas, quando não estou ocupado me metendo em confusão e tirando pessoas da confusão em que me meti inicialmente.

—Muito explicativo –brincou John, que sabia exatamente do que ele estava falando. –Bom, então somos três famintos. Quem topa fazer uma parada na estrada para comer alguma coisa?

—Ah, isso seria perfeito... –Bianca mudou de posição no banco. –Eu já fiz essa viagem várias vezes com a minha família... Costumava ter uma lanchonete de beira de estrada em algum ponto depois da placa do Motel Guatemala.

—Ah, acho que eu vi essa placa já faz alguns quilômetros... Logo devemos encontrar a lanchonete então –concluiu John, tranqüilamente.

—Isso é uma ótima notícia –suspirou Johnny, se abanando no banco de trás. –Escuta... Tem banheiro nessa lanchonete, né? Acho que talvez eu precise usar.

Bianca voltou-se de imediato para o banco de trás.

—Você está bem?

—Eu não sei... Me sinto meio mareado.

—Ih, alerta amarelo, temos um passageiro enjoado! –John fez uma careta. –Alguém trouxe um balde? Saquinho de vomito? Não? Isso pode ser um problema... Acredito que seu irmão não vai gostar muito da surpresa que o Johnny vai aprontar no banco de trás.

—Não se preocupa com isso. –disse Bianca, prontamente, arregaçando as mangas. -O que a gente precisa fazer agora é abrir bem os vidros do carro e deixar o ar entrar. Com sorte ele agüenta até a gente encostar o carro em algum acostamento que surgir...

—Ih... Olha só... acho que não vai precisar... –John esterçou a direção, estacionando enfim, na vaga da lanchonete que Bianca mencionara pouco antes. Por fim, desligou o carro e voltou-se para os passageiros. –Pra nossa sorte e da do Johnny, nós acabamos de chegar.

Bianca abriu sua porta do carro e correu para abrir a de trás, ajudando Johnny a sair do veículo. Ele estava sem o casaco, a gravata-borboleta estava frouxa no pescoço, e a gola da camisa estava desabotoada. Havia rodelas de suor em baixo de seus braços e em outros pontos da camisa. Ele devia estar cozinhando naquela roupa. Onde já se viu sair vestido assim para uma viagem de estrada em baixo de sol escaldante?

—Como você está? –perguntou ela amavelmente. Ao contrario das coisas que pensou ao seu respeito, vendo-o naquele estado, ela tentou não demonstrar nada que não fosse preocupação, consolo e encorajamento.

—Melhorando aos poucos. –ele se apoiava nos joelhos.

—Abaixa um pouco a cabeça, se precisar. –aconselhou. -Só de você estar com os pés no chão, respirando ar fresco, já é de muita ajuda.

—Sim... Sim... –ele arfou, esticando a coluna e apertando os olhos ao fazer o movimento. –Caramba... eu quase me sinto novo já –sorriu calorosamente para ela, segurando em seu ombro. –Muito obrigado Bia. Você é minha heroína!

—Tem que agradecer ao John também. Foi ele quem estacionou rapidinho... –Bianca sorriu, passando a mão nas costas dele. –Se sente melhor então?

—Sim. Muito. –Johnny suspirou, renovado. –Acho que um milk shake de morango cairia bem agora...

Bianca caiu na gargalhada.

—Você é maluquinho –ela desgrenhou seu topete úmido e bagunçado (graças ao suor e calor excessivo). –Vem... Vamos tentar começar com um bom e velho copo d’água. Depois falaremos de milk shake.

—E bolo! Será que eles têm bolo de chocolate? Eu bem que gostaria de um pedaço agora.

—Se está conseguindo pensar em bolo numa hora dessas, você definitivamente já está melhor.

***

—Eu adoro drinque de banana, eu já disse isso pra vocês? –perguntou John, de um jeito débil, no banco de trás. Ele estava um pouco delirante, mas ainda assim, comportado.

—Você não devia ter tomado aquele coquetel. Te deixou fora de órbita e um tanto bobo –avaliou Bianca, ao seu lado.

—Não deixa o drinque de banana te enganar, Bia. Ele já é assim por natureza. –provocou Johnny, dessa vez no volante.

Aaah, cala esssssa boca... –John retrucou, de um jeito arrastado que fez Bianca reprimir um sorriso.

—Ok, como é que tá indo aí na frente, Johnny? –sondou a garota.

—Tudo na mais perfeita ordem. –garantiu ele, eficiente. –Ah... É... Exceto que tem uma luzinha piscando insistentemente no painel do carro e eu não sei afirmar o que significa.

Naquele segundo, o coração de Bianca disparou.

—Ai por favor, diz que não é gasolina... diz que não é gasolina... –com receio, ela precipitou-se para o banco da frente, parando ao lado do ombro de Johnny e conferindo o painel. –Ah. É só o pisca alerta. Você esqueceu de desligar. –então franziu a testa. –Por que ligou o pisca no meio da estrada deserta?

—Eu vi um guaxinim na estrada e pensei que apertando uns botões aleatórios, ele conseguiria me ver a tempo de sair do caminho.

—Ah, é serio? Eu nem percebi que isso aconteceu.

—É brincadeira. Eu ativei o pisca sem querer—admitiu Johnny, bem humorado, apertando novamente uma seqüência aleatória de botões, que casualmente ativou o limpador de pára-brisa e mais umas funções, até que finalmente conseguiu desligá-lo.

—Johnny... assim, só de curiosidade... cá entre nós... Você sabe dirigir um carro?

—Eu estou dirigindo, não estou? –perguntou, bestamente.

—Sim, está, mas... enfim, você parece um tanto quanto perdido.

—Bom, só sei de uma coisa: se aquele camarada bêbado lá trás, consegue, eu também consigo.

—É assim que se fala! –na empolgação, Bianca lhe deu um beijo espontâneo na bochecha, que o deixou bem animadinho. –Mas olha... não se empolga demais, ou então, bem... não queremos que isso vire um acidente fatal, com direito a mortes e uma matéria trágica no telejornal.

—Caramba, você sabe mesmo como traumatizar alguém. –arquejou, levemente aflito.

—Você nem faz idéia... –ela crispou os lábios, dando tapinhas no ombro dele, e seguidamente, voltando ao banco de trás.

Passaram algum tempo na tranqüilidade. John finalmente cedeu aos efeitos sonolentos da bebida e adormeceu. À essa altura, Bianca passara para o banco da frente, ficando assim, na companhia de Johnny. Conversa vai, conversa vem... Eles ligaram o rádio... então puf! Lá estava uma Bianca dormindo profundamente no banco da frente.

A princípio, a ausência de conversas não incomodou Johnny de forma alguma. Mas então, como o avançar dos minutos, ele foi ficando entediado. Tão entediado que nem o rádio o distraía...

Tentou mudar de estação. Não conseguiu. Pelo contrário: assim que tocou no dial, só conseguiu sintonizar chiado. Todas as rádios pareceram desaparecer num passe de mágica e ele agora tinha como sua única companhia, o silêncio arrastado da estrada bucólica.

—Ai droga –resmungou, um pouco ansioso. –Tá. Isso não é bom, mas eu não vou me concentrar nisso. Vou pensar em coisas boas... Como por exemplo o bolo de chocolate que nós três comemos na parada que fizemos. Hum... aquilo estava bom demais. Adoro lanchonetes de beira de estrada. Elas geralmente são temáticas. Adoro espaços temáticos.

E começou a tagarelar consigo mesmo, para passar o tempo. Contudo, não passou muito, se aborreceu com um comentário que ele próprio fizera e acabou ficando de mau humor.

A estrada estava muito calma. Tão calma que chegava a ser maçante.

Droga. Maçante era sinônimo de sono. E ele não podia dormir no volante!

Mas... –e fora por causa desse “mas” que ele se desentendeu consigo mesmo –ele sabia que havia comido um pedaço grande de bolo e que a junção do açúcar com as horas seguidas de sol escaldante e calmaria, o fariam, pouco a pouco, começar a sentir sono.

—Não durma Doutor. Não faça isso logo agora. Você tem se saído tão bem... –ele deu uma olhadinha rápida para o lado, observando Bianca e sua regeneração anterior, ambos dormindo profundamente. –Viu só? Eles confiam em você! Confiaram suas vidas inteiramente à você, Doutor, e você não pode decepcioná-los. Se não confiassem, não te deixariam no comando, pra começo de conversa. –e foi no meio dessa conversinha, que ele deu suas primeiras pescadas no volante. –O QUE? HÃ! –Acordou, segundos depois, de sobressalto, quando o carro desviou levemente do percurso em linha reta. Corrigindo rapidamente o curso do veículo, ele verificou se os amigos continuavam dormindo. A resposta era afirmativa. Eles nem haviam percebido o que havia acontecido (para seu alívio).

—Ai, nossa... Essa foi por pouco... –e passou mais algum tempo acordado, atento a tudo que pudesse vir a sabotá-lo, inclusive ele mesmo; Então... estrada vai, estrada vem... um sol forte brilhando no céu... a pressão baixa, criando uma espécie de transe hipnótico... as pálpebras pesando, e... –Roooonc...

Lá estava mais um Senhor do Tempo capotado. Enquanto dormia –sem saber ao certo por quanto tempo durou sua escapada daquele plano material –ele pegou-se refletindo sobre aquele dia e tudo mais que havia ocorrido.

“Fala sério!” –a voz de sua consciência inconsciente praguejou.– “Não faz nenhum sentido!”

E de fato não fazia mesmo.

Sim, ele recebera uma ligação (ou algo parecido)... uma espécie de sinal fraco e pulsante, que na noite anterior, fizera o telefone da TARDIS tocar.

Ele não chegou a tempo de atender, mas ainda assim, conseguiu rastrear a origem do sinal, sendo automaticamente levado à época de Bianca e, simultaneamente, à sua casa.

Ao aparecer lá, ele pretendia inventar uma história qualquer... Apenas para se aproximar dela e tentar coletar mais informações sobre a suposta ligação. Contudo, as coisas ficaram completamente fora de controle, quando ele deu de cara com sua 10ª regeneração, junto de Bianca –o que claro, não fazia o menor sentido, já que –sendo a 11ª regeneração de si próprio—ele vivera tudo que o outro já viveu, e deste modo, teoricamente deveria se lembrar de ter conhecido Bianca, e daquele confuso e improvável encontro de versões suas.

“Impossível!” –queixou-se sua consciência, ainda intrigada, se recusando a aceitar aquela história.

Tinha que haver alguma coisa... algo que ele estava ignorando completamente, e que de certo, estava ocasionando tudo isso.

Bom, inicialmente, havia uma tática toda envolvida, para coletar informações. A troca de nomes, por exemplo, não estava no esquema. Fora uma coisa improvisada e somente feita graças a intervenção do 10º rosto. Ele adorava se esconder atrás de codinomes. Já ele, o atual ele, preferia as coisas mais claras possíveis: ou seja, sem rodeios, teria se apresentado como Doutor e em menos de trinta segundos, Bianca já conheceria sua ficha inteira –ou quase. Só o básico já estava de bom tamanho; Porém agora, ao esconder sua verdadeira identidade, se tornava mais difícil chegar em Bianca e lhe perguntar logo de cara o que ela tinha a ver com toda essa história. Quer dizer, como ela conseguira juntar dois Doutores? Por que estavam ali exatamente? Sem dúvida era uma coincidência muito estranha –se é que era coincidência;

Mentiras, distrações, confusão. No fim das contas, uma coisa levou à outra, e quando deu por si, ele, e seu 10º ele, haviam embarcado nessa viagem, sem saber o que fazer, nem o que esperar.

VRRRRRRRUUMMMMMM

Uma combinação terrível de buzina com ruído de caminhão fez todo mundo despertar no carro, aterrorizado demais pra falar.

O 11º Doutor fez de tudo para controlar o carro, que ziguezagueava alegremente por todas as pistas existentes –não saindo da estrada por puro milagre; Depois de um longo momento de tensão, as coisas se normalizaram, mas ainda assim, o rapaz achou melhor encostar o carro no acostamento, e deixar o 10º –já novamente sóbrio –assumir o volante.

—Parece até piada –dizia John, passando novamente para o banco da frente. –Não acredito que você quase nos fez chocar com um caminhão. Um caminhão de almôndegas ainda por cima!

—Eu certamente não planejei isso –disse Johnny, na defensiva.

—Tem certeza? A gente sabe que você curte comer –provocou John. Milagrosamente, ele parecia estar de bom humor.

—Pelo menos um de nós está aceitando bem a coisa toda. Eu estou com tremedeira até agora. –disse Bianca, ainda procurando se acalmar.

—Hey... desculpe pelo susto. –pediu Johnny, sentido. -Não foi minha intenção.

—Eu sei... A estrada estava tranqüila demais. É obvio que o sono bateria na porta. –disse Bianca, suspirando, compreensiva. -Eu que não devia ter cochilado... se estivesse acordada, você e eu provavelmente estaríamos conversando até agora e nada disso teria acontecido...

—Nah, quer saber? Eu que não devia ter bebido aquele coquetel –disse John, aproveitando a maré para se desculpar também.

Johnny e Bianca olharam para ele.

—E não devia mesmo! –bronquearam, aborrecidos.

John encarou-os com perplexidade.

—O que!? Mas... –antes que prosseguisse com as defesas, indignado, a dupla começou a dar risada da cara dele. Aborrecido, John ligou o carro. –Ooora... Vocês dois estão de cumplicidade contra mim!

—Que é isso, John? É só impressão sua –Bianca deu-lhe um abraço, que pareceu apaziguar as coisas e animá-lo um pouco, depois virou-se para o outro, no banco de trás, e lançou-lhe uma piscadela cúmplice.

—Tudo bem então... Lá vamos nós... Votando à estrada! –anunciou John, renovado. Começou a esterçar a roda do carro e sair do acostamento...

PLOFT –o carro todo sacolejou.

—Epa! Alerta de problema! –disse Johnny, no banco de trás; as mãos erguidas.

—Mais o que foi isso? –perguntou John, atrapalhado ao volante.

—Vou arriscar um palpite e dizer que o pneu traseiro furou –argumentou Bianca, franzindo o nariz.

John afundou-se no banco do motorista.

—Aaaaaaah. Por que comigo? –resmungou.

***

Depois de enfrentar um grande engarrafamento, gritos, confusão, risadas, uma pausa na lanchonete à beira da estrada para comer bolo, um passageiro enjoado, outro bêbado, um motorista dorminhoco, uma quase batida na estrada, e ainda por cima, um pneu furado –que o 10º Doutor consertou sem levantar suspeitas, usando sua chave sônica –era quase surpreendente imaginar que teriam conseguido chegar ainda naquele dia, na casa da praia. Mas foi exatamente o que aconteceu.

Eram exatamente quatro e meia quando eles chegaram à praia.

—Uau –disse Johnny, parando ao lado de Bianca, que estava parada ao lado de John, na calçada da rua de cima, com visão direta para a praia e o mar.

—É lindo não é? –Bianca sorriu para eles. –Eu sempre gostei daqui.

—Posso entender o motivo –John olhou para ela. Um sorriso amável no rosto. Então vislumbrou um sapato sendo atirado longe. Depois outro. Intrigado, espichou a cabeça para além de Bianca, que copiou seu movimento, em seqüência. –Johnny, você tá...

—Tirando a roupa? –completou Bianca. Os olhos bem fincados nele.

—Eu quero dar um pulinho no mar.

—O que!? Você ficou doido? A gente tem que ir pra casa de praia da Bianca buscar os enfeites!

—É só molhar os pés. Pular umas ondinhas. Vai ser rapidinho...

—Mas você está saindo completamente fora do esquema! O nosso plano não era esse! –exclamou John, indignado. Então Bianca começou a tirar a blusa, pegando-o de surpresa. –Epa! É o que? Agora vai todo mundo nadar? Mas... Mas...

Bianca pôs a mão em seu ombro.

—Você nos trouxe aqui em segurança, John. Relaxa um pouco. Nós temos tempo.

—R-relaxar? –encarou sua versão futura, descalço, dobrando a barra da calça acima dos joelhos. –Acho que vocês dois são melhores nisso do que eu.

—Que nada! –Bianca balançou a cabeça, duvidando muito. -Tenho certeza que aí dentro de você existe um cara espontâneo que topa se divertir entre amigos e aproveitar um pouco a vida –e estendeu a mão para ele. -E... caso não consiga trazer esse lado a tona, eu te ensino como se faz.

Sem relutância alguma, John segurou sua mão, porém, despir-se, e ficar apenas com as roupas de baixo diante de uma praia cheia de gente, era uma coisa bem diferente que ele preferia não ter que fazer.

—Pra começar, você precisa reduzir o número de roupas –anunciou, ao que ele fez uma careta. –Não pretende entrar no mar vestindo terno e gravata né? –a jovem riu, fazendo-o corar de leve.

—Gravata até pode –emendou Johnny. –Eu não me separo da minha e dos meus suspensórios por nada no mundo, mas acho que você podia se livrar do tênis, paletó e arregaçar as calças.

—Lá vem o palpiteiro número um –John retrucou, contudo, não parecia bravo. Na verdade, tinha um sorriso divertido no rosto. –Tá bem. Eu vou fazer isso.

—É assim que se fala! –comemorou Bianca, esperançosa; Ele tirou os all stars e a parte de cima do terno, ficando apenas de camisa (as mangas compridas arregaçadas), gravata vermelha e calças azuis, erguidas até o joelho.

—Pronto. Que tal assim?

—Muito melhor! –aprovou Bianca, batendo palmas. Em alguma parte da praia, tocava Vento Ventania, do Biquíni Cavadão; Ironicamente, a garota estava de biquíni (viera com as peças por debaixo da roupa comum, o que dava a entender que ela mesma contara antecipadamente com a possibilidade de dar um pulinho no mar, quando chegassem lá). Estendeu novamente uma das mãos para John, e depois fez o mesmo com a outra, para Johnny. Ambos seguraram-nas. Por uma fração de segundos, o trio trocou olharem cúmplices, cheios de expectativa, então desataram a correr pela areia, e gritar, de mãos dadas, rumo ao mar.

Chegaram à água, fazendo folia. Pularam ondinhas, brincaram de pega-pega na areia e espirraram água uns nos outros, rindo a beça;

***

A tarde passou voando. Eram seis horas, quando Bianca destrancou a porta da casa na praia e abriu-a, adentrando no ambiente escurecido, com um leve aroma de mofo, que toda casa fechada acumula. John e Johnny entraram logo atrás dela. Bianca acendeu as luzes e indicou o sofá para eles se sentarem. Por um momento, os três respiraram fundo, recuperando o fôlego.

—Se quiserem usar o banheiro, fiquem a vontade. Eu vou procurar pelas caixas dos enfeites. –comunicou Bianca, acenando para eles e sumindo através da passagem do corredor.

John e Johnny ficaram sozinhos na sala.

—Hey –o 11º Doutor chamou o 10º, que olhou para ele. –Você acha que estamos muito encrencados?

—Como assim? –perguntou o 10º, inclinando o corpo para frente, no sofá.

—Bom, você e eu estamos juntos. Isso não devia acontecer, não é mesmo? A gente até se esbarrou lá no mar e não aconteceu nadinha. Nenhum tipo de choque. Paradoxo. Nem nada do tipo.

—Acha que é um evento isolado? Algo que nem o tempo, nem as leis primordiais do universo são capazes de manipular?

—Eu acho... que tem alguma coisa muito estranha nessa história toda. Não faço idéia do que seja, mas certamente tem.

—Imagino que possa ser um evento surpresa. Uma coisa que não estava prevista para acontecer. Isso provavelmente alterou a forma como o universo compreende nossas regenerações e o contado entre elas. Pelo menos temporariamente.

—Uau. Você pensou nisso tudo agora ou já vem matutando essa idéia há algum tempo?

—Eu acho que tive uma espécie de revelação naquela hora que fui atingido por uma bola de vôlei e caí na areia. Os grãos de poeira se ergueram com o movimento brusco e a minha ficha caiu. Algo assim, pelo visto.

—Impressionante –aplaudiu Johnny. –Mas... e quanto à Bianca? Acha que ela é normal?

—Eu a escaneei hoje cedo, na casa dela, antes de você aparecer. Ela é completamente humana, sem traços de anomalia ou alterações possíveis no DNA.

—Estranho. Por que então estamos com ela? Por que fomos atraídos assim do nada para a sua vida?

—Eu não sei. Talvez seja importante, de alguma forma que desconhecemos.

—Algo que não envolva explosões, correria e armadilhas, você quer dizer?

—Exatamente.

Escutaram então um barulho. Ambos se levantaram de prontidão.

—Bianca? Está tudo bem aí?

Não houve resposta.

11º e 10º se entreolharam.

E saíram correndo para as entranhas da casa.

—BIANCA!

Biancaaaa!

—Oi? –Bianca tirou os fones de ouvido, encarando-os com certa preocupação; as sobrancelhas erguidas. –Tudo bem, meninos?

—A gente que pergunta!

—Ouvimos um barulho vindo daqui... Você está bem?

—Estou sim. Eu sem querer esbarrei naquela placa de metal e ela caiu. –explicou, indicando a causa do ruído. Os Doutores suspiraram.

—Menos mal –John caminhou até ela, tocando seu ombro. –Ficamos felizes que esteja bem.

Johnny abaixou-se para apanhar a placa de metal.

—Placa feia... Nos deu um susto e tanto! –ele colocou-a de volta sob uma mesa. O movimento o fez esbarrar em um lençol, perto dali, que escorregou do lugar, revelando um bonito teclado eletrônico roxo.

—Olha só! Tem um instrumento aqui! –disse, animado. –Eu adoro instrumentos musicais!

—É meu –disse Bianca, um pouco retraída. –Fazia tempo que eu não o via.

—Você toca piano? –perguntou John, interessado.

—Eu tocava. Até que parei, um dia.

—Sério? –perguntou, ao que o outro limpava alguns resquícios de pó que caíram sob o instrumento quando o pano escorregou. –E por que decidiu parar? Não se identificou com ele?

—Ao contrário, eu me identifiquei muito. Costumava treinar diariamente, sempre perfeccionista, determinada a tirar o som perfeito. Então o ensino médio acabou, e de repente eu fui atirada no escuro. Arremessada no desconhecido, rumo a algo novo que eu não sabia o que era. Todos me diziam que eu precisava escolher uma profissão estável. Algo que desse dinheiro, e que me fizesse sentir realizada. Um propósito pelo que lutar. Foi quando percebi que não queria me tornar musicista em tempo integral.

—E você abandonou a música para sempre. –completou Johnny, adivinhando o final na história, pelo estado em que o instrumento se encontrava.

—Mas você não precisava ter abandonado isso por completo. Poderia ter escolhido deixá-lo assumir a posição de seu hobbie favorito. –sugeriu John.

—É que... eu fiquei frustrada demais na época. Não conseguia mais olhar para ele. Eu me sentia como se o tivesse traído. Então... ele veio parar aqui.

—Você tentou esquecê-lo, mas foi em vão –declarou John, como se lesse a verdade nos olhos dela. –Posso ver isso claramente. De outra forma, você não estaria chorando agora.

Bianca limpou o rosto, percebendo uma lágrima silenciosa escorrer por sua bochecha. Os olhos brilhantes, marejados.

—Eu nem sei porque escolhi esse caminho... Eu gostava tanto de tocar...

John pegou sua mão, delicadamente, guiando-a até o instrumento e depositando-a sobre ele.

—Nunca é tarde para recomeçar.

Bianca fechou os olhos, chorando em silêncio e pressionando as costas da mão livre contra os lábios. Os dois rapazes sorriram para ela e a abraçaram.

—A pior parte é que eu ainda não me encontrei de verdade –desabafou Bianca. –Abandonei o Lionel, para encontrar minha verdadeira vocação, e acabei me perdendo mais ainda pelo caminho...

—Quem é Lionel? –perguntou Johnny, curioso.

—É o teclado. –esclareceu Bianca, secando o rosto. –É o nome que eu dei pra ele.

Johnny sorriu para ela de modo caloroso.

—Ei... Não se sinta assim. Vocações não são fáceis de encontrar, assim como propósitos. Mesmo assim, o seu está aí fora em algum lugar... só esperando para ser descoberto por você! Confie em mim; Quanto ao Lionel, tenho certeza que te dará uma segunda chance. Ele parece ser gente boa. Digo, instrumento.

Bianca deu risada, ao que John apontou para o teclado.

—Posso levá-lo para a sala? Já vi que ele vai voltar com agente pra sua cidade...

—Vocês dois já me conhecem tão bem... –riu, assentindo para o amigo, que saiu do aposento levando o instrumento consigo, embaixo do braço; Johnny então esfregou as mãos.

—Ok. Agora vamos procurar seus enfeites de festa e cair na estrada!

—Tá legal. Com sorte pegaremos o retorno livre de trânsito, e chegaremos em casa ainda em tempo para um chocolate quente com biscoitos. Daí cama, e amanhã bem cedinho, vou à casa da minha avó, decorar o quintal para a festa de sábado.

—Pode contar conosco para essa etapa do plano também. –garantiu Johnny. -Viemos até aqui com você... Não faria sentido abandonar a coisa toda pela metade.

—Awn... Você é um amor—Bianca dizia, enquanto remexia nas caixas fechadas e cobertas. –Ah! Achei! Deve ser essa daqui.

—Legal! Então, vamos abrir para ver...

O 10º Doutor estava na sala, ajeitando o instrumento no sofá. Ao observá-lo atentamente agora, com as mãos nos bolsos da calça, pegou-se pensando que Bianca provavelmente daria uma excelente companheira para as viagens na TARDIS. Foi em meio à sua reflexão, que ouviu um grito e se pôs a correr novamente para as entranhas da casa.

—O que foi? O que foi? –entrou todo afobado, o peito ofegante.

—Não estão aqui! –Bianca andava de um lado para o outro, desesperada, com o telefone na orelha. –Não estão aqui! Não estão aqui!

—O que não está?

—Os enfeites –esclareceu Johnny, apoiado na mesa. –Nós abrimos todas as caixas e não encontramos nadinha.

—Alô? Vovó? –Bianca dizia, trêmula, ao telefone. –As caixas dos enfeites que enviaram para a casa da praia sumiram... O que? ESTÃO AÍ!? –exclamou indignada. John e Johnny encararam-se. –Tá bem. Obrigada vovó –completamente estarrecida, Bianca desligou o celular, voltando-se para os rapazes. –Estavam na cidade esse tempo todo... Eu não acredito que ninguém me avisou disso! Eu tinha absolta certeza de que os enfeites tinham sido enviados pra cá –baixou os ombros, chateada. –Desculpem meninos... Eu fiz vocês me trazerem até aqui pra nada.

—Como pra nada? A gente se divertiu pra caramba juntos! –interpôs Johnny.

—É. E você alcançou seu segundo principal objetivo: Johnny e eu não estamos mais discutindo. –observou John, lançando um olhar amigável para o companheiro. –Você conseguiu fazer a gente se entender e isso não foi pouca coisa.

—É. De certo deu um trabalhão, mas funcionou, veja só! –Johnny agitou as mãos, animadamente, encaminhando-se para o outro e passando o braço em volta de seu pescoço. –Viu? A gente virou amigos.

Bianca abriu um sorriso diante da cena. Aquilo confortou-a um pouco. Pelo menos conseguira concluir uma parte da lista.

—Bom, você aproximou a gente e também vai recomeçar com o Lionel. Acho que temos conquistas suficientes para um dia só. –comentou John, sorrindo. Ambos abriram os braços para ela e Bianca, sorrindo também, correu para junto deles.

—Eu adoro vocês dois, sabiam? –disse, contente.

—A gente também te adora.

Então se separaram do abraço, e Bianca pareceu ficar um pouquinho ansiosa...

—Bom, agora não resta muito que fazer. Já está escurecendo e é melhor irmos pra casa. Pena que viemos de tão longe pra não encontrar os enfeites... Estamos fadados a perder um tempão na estrada, tudo de novo.

John e Johnny entreolharam-se.

—Bom... Acho que tá na hora de esclarecer umas coisas.

—Disse tudo.

—Esclarecer que coisas? –Bianca perguntou, franzindo levemente a testa.

—Quem nós somos de verdade –começou John.

—E também, o que isto faz –prosseguiu Johnny, tirando a chave sônica do bolso e mostrando-a aos presentes.

***

A TARDIS materializou-se no quintal amplo da casa da avó de Bianca e Guto. Era de dia. Talvez umas oito ou nove da manhã...

A porta da caixa azul se abriu e três figuras animadas saíram de dentro dela, falando alto e rindo. A essa altura, os dois rapazes já haviam revelado sua verdadeira identidade à Bianca –ou seja, apresentaram-se como dois Senhores do Tempo chamados Doutor, que eram a mesma pessoa, em pontos diferentes de sua vida; Falaram resumidamente sobre as funções de uma chave sônica, apenas para introduzir seu próximo truque, que, de forma geral, consistia em usar uma das freqüências para atrair a TARDIS para a casa da praia, de modo que seu transporte de volta à cidade seria bem mais rápido, do que com o carro –que deixaram na garagem (Guto ia ter que esperar um pouquinho para tê-lo de volta).

Explicações dadas, todos estavam entendidos agora, e Bianca parecia mais entusiasmada do que nunca, com os amigos alienígenas.

—Planeta Terra. Casa da vovó. Sexta feira. Oito da manhã; Eu não disse que chegaríamos a tempo? A TARDIS nunca decepciona! –anunciou o 11º Doutor, orgulhoso de seu trabalho com os controles.

—Bom, às vezes ela erra o caminho. Mas costuma ser intencional. –esclareceu o 10º, com ar intelectual.

—Pois é, as coisas melhoraram bastante depois que você deixou de bater nela com aquele martelinho irritante!—rebateu o 11º, com seu jeitão desinibido e mãos que não paravam quietas um só instante; Com ar de riso, o 10º apenas balançou a cabeça.

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—Meu Deus, eu mal consigo acreditar em meus olhos... –dizia Bianca, encantada. -Essa é mesmo a casa da vovó! Nós conseguimos! Voltamos pra cidade ainda em tempo de organizar tudo!

—Sim, porque hoje ainda é sexta feita de manhã, e a festa só será sábado à noite. -11º cruzou os braços, satisfeito.

—Exatamente. Eu não costumo fazer isso, mas dessa vez a gente se superou... Toca aqui xará! –o 10º Doutor ergueu a mão espontaneamente para o outro. A palma do 11º já ia colidir com a dele, pretendendo fazer um toque comemorativo, quando inesperadamente Bianca soltou um muxoxo.

Os dois congelaram na pose.

—O que foi?

—Vish, não me parece coisa boa.

Bianca voltou-se para eles, indicando algo na tela do celular.

—Hoje não é sexta feira. É SÁBADO de manhã!

—O QUE!? -10º e 11º baixaram as mãos, boquiabertos.

—Mas eu não entendo...

—Fizemos tudo direitinho...

—Ao menos que você tenha errado a ordem dos botões de novo.

—EU NÃO!

—Ei! Ei! Pára! Já chega de brigas e surtos! –gritou Bianca, parecendo mais surtada que os dois juntos. –A gente precisa de um plano. É só isso. Um plano de emergência... –dizia, passando o celular nervosamente de uma mão para a outra. –Ahá! Eu já sei! –olhou pra eles com aquele brilho lunático de quem tem uma idéia nada comum. –Vamos entrar na TARDIS e fazer ela aterrissar um dia antes de hoje. Pronto! Problema resolvido.

—Só que não é tão simples assim –negou 10º. –Você viu como é viajar na TARDIS... Não há precisão exata entre as datas que digitamos no painel e o momento em que a TARDIS aterrissa. Pelo que sabemos, podemos acabar tanto indo parar na sexta feira de manhã, quanto no domingo, ou numa versão paralela desse mesmo sábado...

—As possibilidades são infindáveis –articulou 11º, ajudando a sustentar a argumentação do outro. –Não podemos arriscar.

Bianca levou alguns segundos para assimilar aquilo.

—Tudo bem. –começou a andar pelo quintal. -Tá legal... então teremos que nos virar com o que temos. Ok. Podemos fazer isso... –refletiu, conscientizado-se da corrida que teriam que dar para conseguirem finalizar tudo dentro do prazo estipulado. –Tá certo. Nós temos só algumas horas para conseguir organizar tudo. Vocês me ajudam?

—Mais é claro! –toparam de imediato, em uníssono.

—É só nos dizer do que precisa.

—Legal. Doutor John –apontou para o 10º. –Preciso que você vá ao sótão da casa da minha avó e procure pelas caixas dos enfeites. Faz algum tempo que ninguém mexe nelas, então suponho que ainda devam ter as etiquetas que eu colei anos atrás, para identificá-las. Elas são laranjas, com desenhos nas bordas, e no centro deve estar escrito “Decorações para Festas / Comemorações”.

—Deixa comigo! –como se pretendesse correr uma maratona, o 10º Doutor disparou para dentro da casa.

—Doutor Johnny –ela voltou-se para o 11º. –Você vai me ajudar a limpar o quintal. Precisamos deixar tudo limpo e organizado para poder colocar os enfeites.

—Sim chefe! –ele bateu continência e ambos correram para a lavanderia, em busca de instrumentos de limpeza.

Demorou algum tempo, mas finalmente o quintal estava limpo. Durante o processo, a avó de Bianca apareceu, no meio do mutirão de limpeza e ofereceu-se para preparar um lanchinho para eles comerem, assim que terminassem tudo.

Já estavam tomando café e comendo um pedaço de bauru, quando o 10º Doutor surgiu no ressinto –a cara suja e as roupas também. Trazia três caixas empoeiradas consigo, e quando Bianca correu para ampará-lo, o rapaz espirrou, devido ao pó excessivo.

Ai, a nossa rinite... -11º levou as mãos à cabeça, inquieto pela situação de seu antigo eu.

—Aqui está, meu jovem. Coma um pãozinho. Vai fazer você se sentir melhor –disse a avó da Bianca, oferecendo-lhe um bauru. A senhorinha fora tão gentil, doce e educada, que ele não teve como recusar; Por fim, levantou-se e rumou para dentro de casa, voltando-se uma última vez para a neta. –Vou entrar, Bibi. Se precisar de mim, é só chamar. Eu estarei na sala vendo novela.

—Obrigada por tudo, vovó! –Bianca sorriu, meiga.

—Caramba Bia, a sua avó é uma mulher incrível –disse o 10º Doutor, quando os três ficaram novamente sozinhos. –Eu gostei muito dela!

—É. Ela faz baurus excelentes! –ressaltou o 11º Doutor, fazendo Bianca rir.

—É uma das especialidades dela: ser amável e cozinhar bem.

—Tá legal -10º colocou sua xícara de café vazia, de volta na mesa. –Mãos à obra pessoal, que nós ainda temos que deixar esse quintal tinindo para a festa de hoje à noite...

—A propósito, festa de quem mesmo? –perguntou 11º, eventualmente.

—Meu tio está de volta à cidade. Guto e eu gostamos muito dele e resolvemos fazer uma festa surpresa para recebê-lo.

—Ah, isso é uma iniciativa muito legal da parte de vocês.

—Valeu.

10º de repente franziu o cenho.

—Curioso... Sabe, eu fui procurar o Guto essa manhã, para saber mais dessa festa. Aparentemente eu fui convidado, contudo, achei muito estranho e resolvi investigar. Afinal, eu não sei se conheço seu tio...

—Ah, é sério? –Bianca parecia tão surpresa quanto eles. –Que coisa mais estranha...

—É. Comigo foi algo parecido. Meu telefone tocou, mas eu estava longe da sala de controles e não consegui chegar a tempo de atender. Por isso rastreei o sinal da ligação, com a finalidade de descobrir quem havia me ligado, e acabei vindo parar na sua casa. –esclareceu 11º, para ela.

A essa altura, Bianca começava a juntar os pontos.

—A agenda! –exclamou, de repente.

—Que agenda? -10º franziu as sobrancelhas.

—Fogo –disse 11º, soando desconexo e deixando todo mundo confuso.

—Que? Não. Não. É uma agenda de telefones. –interpôs Bianca.

—Não, eu disse FOGO! Tá pegando FOGO na caixa dos enfeites! –gritou, exasperando, levantando da cadeira e correndo em direção as caixas, que já estavam bastante carbonizadas.

—O que? NÃO! –Bianca cobriu a boca com as mãos, perplexa. Enquanto isso, o 10º Doutor correu para ajudar o 11º a apagar o fogo.

As chamas foram contidas, mas já era tarde demais. As três caixas estavam pretas de tão queimadas, e dentro... bem, se houvera enfeites algum dia, certamente não existiam mais, ou então estavam irreconhecíveis demais para poderem ser aproveitados.

Bianca estava em choque. Quando o 10º Doutor veio falar com ela, na tentativa de acalmá-la, ela mal escutou o que ele disse.

—Foi um cigarro que causou o incêndio –disse o 11º Doutor. Eu achei essa bituca na cena do crime. Alguém deve ter deixado cair perto das caixas de papelão e o fogo tomou conta.

—Minha avó fuma –revelou Bianca, finalmente recuperando a fala, porém, não se sentindo nem um pouco melhor. –Ela deve ter deixado cair quando passou por aí e voltou a entrar em casa... –suspirou, baixando os ombros e esfregando os olhos. –Meu Deeeeeus... Tá dando tudo errado!

—Calma Bia, a gente pode dar um jeito.

—É. Vamos lá! Nada tira o ânimo do Super Trio Organizador de Festas! -11º tentou soar animado diante do caos, mas Bianca não estava no clima para isso.

—Quer saber... Deixa quieto. –se afastou, desanimada. –Eu vou tomar um banho pra tentar esquecer a catástrofe do dia de hoje. –comunicou, retirando-se em seguida.

—Pera aí... Bia! -11º tentou alcançá-la, mas 10º o impediu.

—Melhor dar um tempo pra ela refrescar a cabeça.

—Mas... A... –o 11º Doutor estava inquieto. –Ela não pode ficar triste assim. Não pode! Precisamos ajudá-la de algum jeito.

—Eu topo fazer alguma coisa para animá-la, mas precisaria ser algo bom o suficiente... –começou, para depois parar para refletir; um sorriso torto brotando no rosto.

—Conheço esse olhar. Você teve uma idéia, não teve?

—Ah, eu tive sim.

—Eu também –tirou a chave sônica do bolso. -Está pensando o mesmo que eu?

O outro copiou o movimento, mostrando sua própria chave de fenda.

Sem dúvida estou.

***

Bianca espantara parte da decepção, ao lavar o cabelo. Quando saiu do chuveiro, não somente estava se sentindo melhor, como também perdoara a avó por ter deixado o cigarro causar o pequeno incêndio.

Fazer o que? Acontecera. Ela poderia escolher ficar se remoendo a noite toda, e culpar a avó pelo infeliz desfecho dos enfeites, ou então esquecer tudo e seguir em frente. Afinal, a pobre senhorinha não fizera de propósito e, de um jeito ou de outro, Bianca ainda tinha uma festa para dar.

A jovem secou o cabelo loiro e escovou-o rapidamente. Colocou uma roupa leve, de calor –uma jardineira jeans e uma blusa branca, por baixo –e desceu as escadas, rumo ao andar de baixo.

Passou pela sala e cumprimentou a avó normalmente, como se nada tivesse acontecido – a pobrezinha de fato nem percebera o que fizera. Bianca achou melhor deixar as coisas como estavam.

Com certa agilidade nos passos, atravessou a cozinha, rumo ao quintal, chamando pelos meninos.

—Oie...? Doutores? –uma certa inquietude bateu-lhe à porta, quando, por um momento, imaginou que eles pudessem ter ido embora, chateados com seu último discurso derrotista. –Doutores! –ela chamou com mais força, agora correndo para fora de casa.

Bianca quase derrapou ao chegar ao quintal, esperando encontrar tudo vazio e silencioso, porém, quando colocou os pés lá, encontrou tudo iluminado por pequenos globos de luz –presos às paredes –que giravam, brilhando e formando mosaicos coloridos de luz néon. Havia enfeites pendurados por toda parte. A mesa de plástico, para os comes e bebes, havia sido posta num local estratégico. Cadeiras estavam dispostas aqui e ali e uma enorme pista de dança quadriculada, como a do filme de John Travolta –Os Embalos de Sábado à Noite –fora inexplicavelmente instalada no chão. Ao canto, um rádio estava ligado, tocando uma música da discoteca.

—Meu. Deus. –Bianca segurou-se ao batente da porta. –Eu devo estar sonhando...

—Não está –disse uma voz. Logo seu dono apareceu, por detrás de uma parede da casa. –Eu posso garantir.

—E eu também –o outro surgiu logo em seguida, vindo de outra parte do quintal. Bianca imediatamente abriu um sorrido imenso, de orelha a orelha e desatou a correr para dar um abraço enorme naqueles dois Doutores. Começou pelo 10º, que estava mais perto, depois foi a vez do 11º.

—Isso é incrível! Como foi que fizeram tudo isso?

—Mágica de Senhores do Tempo –brincou o 11º Doutor, indicando a chave sônica. –Nunca falha.

—Nunca mesmo. –garantiu o 10º, animado. Bianca riu, completamente encantada com tudo aquilo.

—Vocês dois não existem. –suspirou, após fitá-los. –Muito obrigada por tudo, viu? Desculpe o modo como me expressei mais cedo. Eu não pretendia desistir da festa.

—A gente sabe.

—Meu Deus! Olha só pra isso... Não. Definitivamente não entendo. Como foi que adivinharam que o tema da festa era discoteca?

—A gente tem nossos meios. –disseram, misteriosos.

—Deixa eu adivinhar... Vocês pegaram a TARDIS e foram me perguntar no passado?

—Não. A gente entrou na casa e encontrou seu esquema da festa, sob o balcão. Você é realmente muito boa em fazer decorações de eventos. –elogiou 10º.

—Ah, que é isso... Vocês que fizeram um verdadeiro milagre aqui fora. A festa que eu tinha planejado não teria chegado aos pés dessa...

—Bom, mas também você não tinha os meios adequados para isso. Ia improvisar com as coisas que tem, e nós dois temos absolta certeza de que teria ficado tão incrível quanto.

Awn—Bianca aproximou-se dos dois e deu um beijo em cada um, na bochecha. –Obrigada meninos.

—Não tem de que, Bia.

—Eu não quero me gabar, mas aquela pista de dança ali é a mesma que o próprio John Travolta pisou em Os Embalos de Sábado à Noite. Eu peguei a TARDIS, dei um pulinho na época em que estavam gravando o filme, e peguei emprestado.—confidenciou 11º, num tom maroto.

—Mentiraaa! Ai carambaaa! É sério? –Bianca estava pasma.

—Não. Na verdade é uma similar que eles tinham no set de filmagem, caso a original desse problema. Eu tentei desparafusar aquela coisa do chão, mas ela não queria sair!

Depois de uma breve risada do trio, em conjunto, Bianca lembrou que deveria mostrar algo a eles. Rapidamente, conduziu-os para dentro da cozinha e tirou, de dentro de uma das malas de viagem, a agenda que pertencia ao tio.

—Aqui –disse, estendendo para eles verem. –Era dessa agenda que eu falava, antes do incêndio começar. Eu estava para dizer que havia um número em especial, que eu disquei algumas vezes e ninguém atendeu. Teria alguma chance remota de pertencer a vocês? –indicou-lhes a notinha onde estava escrito: “Tel Vórtice Temporal”.

—Ih, é o telefone da TARDIS –confirmou o 11º Doutor.

—Deixa eu ver –o 10º pegou o papel em sua mão, para checar. –É sim. Esse é o nosso telefone. E tem mais, olha só... Essa letra é do seu tio? Ele parece nos conhecer...

—Parece mesmo. Ele escreveu uma baita observação aí em baixo –indicou Bianca.

Pau pra toda obra—leu o 11º, olhando para o 10º. –Isso é bastante intrigante.

—Espera aí –o 10º trazia no rosto, a expressão de quem percebeu um detalhe importante. –Você disse que ligou para esse número algumas vezes, e de repente nós dois estamos aqui. Juntos. Duas versões de nós, reunidas no mesmo quintal. O que me leva à pergunta de um milhão de dólares...

Quantas vezes você ligou pra esse número?—indagou o 11º, tirando as palavras da boca do 10º.

Antes que Bianca pudesse responder, a campainha tocou. Da sala de estar, sua avó chamou, pedindo para que atendesse a porta. Seguindo o rumo das coisas, Bianca correu com os dois Doutores até a porta da frente da casa e abriu-a, revelando Guto, seu irmão, que chegava acompanhado de mais três pessoas. Uma mulher e dois homens. A moça era loira, com os cabelos curtinhos, sobretudo cinza e uma blusa com um arco-íris. Um dos homens tinha pouquíssimo cabelo e usava uma jaqueta de couro, enquanto o outro era grisalho, tinha sobrancelhas grossas expressivas e um casaco vinho. Todos seguravam pacotes nas mãos –provavelmente os comes e bebes e alguns CDS, que Guto ficara de trazer para a festa.

—Oi Guto! –Bianca sorriu, cumprimentando o irmão.

—Oi Bia! –ele a abraçou. –Por onde andou? A Vovó falou que você ligou pra ela na quinta feira à noite... Depois não tivemos mais notícias suas.

—Ah, isso é porque a gente estendeu a viagem, e passamos por alguns lugares pelo caminho, procurando uns itens sugestivos para compor a nova decoração da festa –inventou Bianca. –Não é mesmo, rapazes? Meninos...? –Bianca voltou-se para seus dois Doutores e deparou-se com duas faces pálidas, perplexas, estancadas no lugar, como se tivessem visto um fantasma. –Está tudo bem com vocês...? –foi aí que ela percebeu que os três acompanhantes de Guto esboçavam a mesma expressão no rosto e rigidez corporal; Não passou muito, a garota finalmente entendeu o significado da pergunta que o Doutor lhe fizera antes da campainha tocar.

Quantas vezes você ligou pra esse número?”—ele dissera.

“Cinco”, ela ia responder. E agora haviam cinco pessoas se encarando de modo nada discreto –exatamente do mesmo jeito que o 10º e o 11º fizeram na quinta de manhã, quando se viram pela primeira vez; Dadas as circunstâncias, e o histórico incomum do Doutor, isso só podia significar uma coisa...

Bianca boquiabriu-se.

Ai. Meu. Deus.

***

A festa estava no ápice. Praticamente todos os convidados haviam chegado, a música e a comida estavam ótimas e a incrível pista de dança era o assunto da noite; Passado aquele primeiro momento de choque e incompreensão, os cinco Doutores agora seguiam muito mais descontraídos do que quando se encontraram. Estavam até interagindo, fazendo coisas juntos, rindo e conversando.

Naquele momento, 11º e 13ª faziam um dueto no Karaokê, cantado juntos a música *Ottawan – D. I. S. C. O; Enquanto isso, o 12º Doutor esbanjava seu talento para jogar videogame com sua guitarra e óculos escuros. Já o 9º e o 10º dançavam na pista de dança e conversavam com as pessoas ao redor.

Lovers On The Sun do David Guetta, tocava alto nas caixas de som; Bianca estava num canto da festa, com um copo de refrigerante em mãos, apreciando sua obra prima. Ela jamais teria conseguido fazer tudo aquilo sem ajuda dos Doutores, e eles alegavam que haviam se baseado no projeto original dela –o que a deixara nada menos que orgulhosa.

—Se divertindo bastante? –perguntou alguém, juntando-se a ela. Bianca virou a cabeça e sorriu. Era o 11º Doutor.

—Pode crer. Cara, essa festa tá um arraso!

—E tudo graças ao seu projeto –o Doutor fez questão de destacar, fazendo-a sorrir ainda mais. –Sabe Bia, acho que você devia considerar trabalhar com eventos... Pode ser algo que você vai gostar realmente de fazer. Um... “propósito pelo que lutar”. –ressaltou.

—É. Talvez. –ela assentiu. –Devo admitir que existe essa possibilidade...

—Pensa com carinho nisso –ele sorriu, comendo um docinho. –Pode ser a vocação que você estava procurando.

—Tem razão. Vou ficar atenta aos sinais –piscou para ele. –Prometo.

—Boa menina –sorriu, bem próximo dela. –Hã... Viu, será que pode me passar um daqueles brigadeiros bem ali? Eu não consigo alcançar...

—Ah, tá bem –ela se inclinou para pegar dois. Quando voltou-se para o rapaz, seus rostos estavam tão próximos que ela não resistiu em lhe dar um beijo –desta vez na boca.

Por mais que pego de surpresa, o rapaz retribuiu, meio desajeitado. Quando se separaram, um sorriu para o outro. Aquele momento mágico se estendeu por mais alguns segundos, até que tiveram a atenção atraída para alguém que se aproximava da dupla.

Opa, dá licençaaa... Oi gente! Tem um docinho aí pra mim? –disse o 10º, descontraído, vividamente contagiado pelo ritmo da música, que irrompia ao fundo. –Bianca, essa festa está sendo épica! Definitivamente a melhor...

—Tudo porque fazemos uma boa parceria de três. –riu. –Super Trio Organizador de Festas!

—Yes! Esses somos nós! –festejou o 11º Doutor.

—Sabe, eu estava agora mesmo agradecendo ao Johnny, por tudo que tem feito por mim nos últimos dias. Será que posso te agradecer também, John? –perguntou Bianca, de modo amistoso.

—É claro que pode. –aceitou de imediato, sem desconfiar de nada.

—Beleza –Bianca sorriu largo, então puxou-o pela gravata e lhe deu um beijo inesperado, do mesmo jeito que fizera com o 11º.

Assim como o outro, o 10º foi pego totalmente de surpresa, mas também não resistiu ao beijo, logo assumindo o controle e retribuindo-o de bom grado. Quando se separaram, a garota sorriu largo e puxou os dois para um abraço forte.

—Isso foi para agradecer tudo que fizeram por nós hoje. E o que fizeram por mim na quinta feira... pelos... momentos inesquecíveis que tivemos juntos... e também, por todas as coisas que continuam fazendo, até mesmo agora. –se separaram, para que ela pudesse olhá-los nos olhos. -Vocês dois deram um novo sentido à minha vida. Muito, muito obrigada por isso.

—Nós que agradecemos por ter nos reunido assim, de uma forma tão inesperada, que nem mesmo o universo teve tempo de intervir.

O comentário fez os três rirem.

Foi então que o portão da frente da casa rangeu, anunciando a chegada de alguém: o dono da festa surpresa –o tio de Bianca e Guto –finalmente chegara!

Assim que adentrou no quintal, aos fundos da casa, as pessoas se voltaram para ele e gritaram SURPRESA!; O homem abriu um sorriso largo, que certamente era o mesmo herdado por Bianca e Guto.

—Caramba! Essa festa é pra mim? Por que ninguém me avisou que eu ia ganhar uma festa surpresa? Eu teria trazido meu chapéu especial! –brincou, fazendo todos rirem. –Ah, mas eu tenho um bom palpite de quem organizou tudo isso... –então olhou para os sobrinhos. –Rará! Seus danadinhos! Venham aqui me dar um abraço!

—TIO!! –Bianca e Guto correram para lhe dar um forte abraço, enquanto os Doutores arqueavam as sobrancelhas.

—Eu tô vendo coisas ou aquele é o Jack Harkness? –indagou o 11º Doutor.

—Olha... Se você está vendo coisas, então eu também estou. –argumentou o 10º.

—Nossa... Que loucura né? –riu o 11º. -De repente as observações naquele bilhetinho com o telefone da TARDIS fazem muito mais sentido agora...

—É verdade. Vindo do Jack, aquilo foi até simplório demais. –disse, ao que os dois riram do comentário.

—Ará! Vocês dois! –Jack apontou para a dupla de Doutores, que deixaram as caras surpresas de lado e foram cumprimentá-lo. –Eu sabia que estavam envolvidos nisso...

—Pois é, mas foi a Bianca que nos achou, então o crédito é todo dela.

—Ah, essa garota sempre me surpreende! Ela e o irmão tem o sangue dos Harkness correndo nas veias.

—E o bom humor também, não podemos esquecer –observou o 9º Doutor, se aproximando para fazer parte da reunião. Jack o abraçou forte. –E falando em surpresa... Essa aqui foi de longe a maior de todas. Nunca vi ninguém juntar tantas versões de nós no mesmo salão de festas.

—E na mesma época –completou o 12º Doutor, chegando com a 13ª, para conversarem com eles.

—Isso é tão empolgante! –disse a Doutora. –Só espero que os paradoxos se resolvam sozinhos, e que, no fim da noite, quando formos embora, a gente não se esqueça do que rolou aqui: Esse encontrão improvável de Doutores...

—É. Algo me diz que a gente vai esquecer de um jeito ou de outro, afinal, nem você sabia que estaríamos aqui hoje, e ao que tudo indica, você é a versão mais recente de nós, presente nesse quintal. –observou o 12º Doutor.

—É, bom, talvez o tempo seja reescrito... Mas enfim, de que isso importa agora? Temos uma noite inteira para curtir! –relembrou a Doutora. -Vamos fazer com que seja inesquecível.

—Já está sendo, pode crer –disse Jack, abraçado com os sobrinhos. Bianca e Guto Harkness sorriram, extremamente orgulhosos de seu trabalho em equipe.

***

Uma semana se passou desde a festa surpresa, e novamente seu tio teve que voltar para o trabalho na Agência Torchwood. Os pais de Bianca e Guto voltaram da viagem a negócios e a casa não ficou mais tão silenciosa.

Naquela noite, Bianca foi se deitar cedo, e ficou pensando nos Doutores e nas aventuras que tiveram juntos, durante a viagem para à praia. Um sorriso involuntário aqui e ali, brotava em sua face de tempos em tempos, conforme ela lembrava de alguma cena engraçada envolvendo os dois.

Por fim, seu olhar nostálgico recaiu sob um volume escuro em seu quarto: Lionel, seu teclado, que graças à John e Johnny Smith, voltara a fazer parte de sua vida.

FIM

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.