Capítulo único.

Ela disse que tudo aquilo era culpa dele. Ela disse e ele ficou pensando se realmente era. Ele nunca foi apto a questão da autoculpa, mas ele se questionava se havia sido realmente sua culpa. E se foi? Se fosse sua culpa de fato ele pediria desculpas de joelhos se preciso fosse. Ele se humilharia aos pés daquela menina mulher que tanto havia o conquistado. Ele nunca, nunca mesmo quis causar qualquer dano a ela, se ele causou algum prejuízo não fora de sua vontade. Naquele momento ele só queria ter explicado a ela que ele não sabia de todos os detalhes daquela história. Ele só queria ter dito a ela que ela não era o monstro que se achava ser, não chegava nem perto de algo como um monstro. Ela era apenas uma menina. Uma menina que crescera em meio a mentiras e em meio a uma farsa muito maior que ninguém fazia ideia que fosse possível. Ele queria ter se explicado, queria ter se desculpado, mas ele não o fez. Não porque Tsumugu havia o impelido, mas porque ele sabia que não era daquilo que ela verdadeiramente precisava. Ryuuko era uma menina de atitudes, atos. Ela era de agir e não de especular, ela não era de planejar. Ela simplesmente não precisava perder o tempo dela com explicações que ele supostamente daria. Ela não precisava disso. Ela já não precisava mais dele. E isso o magoava um pouco, bem lá no fundo do ser. Porque ele sabia que não seria mais procurado e ele sabia que não seria de alguma utilidade para ela. A única coisa que ele poderia fazer era protegê-la de modo distante. E assim ele o faria. Ele poderia encontrar o pai dela e afirmar, de cabeça erguida, que havia feito sua parte e que a havia protegido, de sua forma. Ryuuko não precisaria dele. Ela tinha uma vida inteira para viver. Ela ainda tinha muito o que aproveitar. Enquanto ele não tinha mais nada a perder.

Ele havia dedicado boa parte de sua vida àquela organização. Ele havia dedicado toda uma vida, toda a sua juventude, para fazer algo útil na vida, para proteger o mundo que o havia permitido ficar. Dedicou suas horas a uma causa nobre. Certo que talvez ele fosse exagerado e talvez até um pouco exibicionista, mas ele acreditava naquilo pelo o que ele lutava e protegia. E depois de um tempo sua missão fora a de guiar aquela menina para algo ainda maior, algo que ele nem mesmo sabia o que era. E não saber havia sido o fim de qualquer esperança para ele. Ela agora o culpava por toda a mentira e por tudo o que acontecera a ela. Mal sabia ela que ele preferia ter morrido ao vê-la em um estado tão vulnerável e tão sofrido. Ele queria tirar a escuridão e a tristeza dela. Ele aceitaria até mesmo engolir o passado. Mas ela não precisava daquilo. Ela precisava enfrentar e precisava superar. Mikisugi sabia disso. E fora por isso que ele não se pronunciou. Engoliu as desculpas e a deixou ir. Porque um dia ele se orgulharia perante o pai dela. E então ele pediria perdão de joelhos por ter se apaixonado por ela.

Ele apenas seguiria em frente, sozinho como sempre fora. E carregaria consigo aquele sentimento incompleto e pesado. Aquele sentimento que o feria de alguma forma desconhecida por ele até então. Mas ela já não precisaria mais dele. Porque ele não era para ela e ela merecia algo muito melhor e mais digno. E porque ele já se considerava velho demais para aquele amor. E aquela menina não merecia isso. Ela merecia a juventude dela, com todas as alegrias e plenitudes. Um dia talvez ela houvesse percebido que ele havia tentado chamar sua atenção. Porque ele era assim e ele não conseguia dizer. Ele só não queria viver com a culpa de ter roubado a liberdade dela. E ele desejava que ela fosse completamente livre, sem o peso das memórias e das mentiras. O fardo de uma vida é muito pesado. Ele até aceitaria carregar metade do dela, mas ela não precisava disso.