Cap. 66

– Que horas são? Sabe que eu perdi a noção...

– É a idade, não se preocupe, eu vou cuidar bem de você...

A piada infame não foi o suficiente para tirar os olhos agradecidos de Félix de seu Carneirinho, ele só queria ficar mais um pouquinho naquela cama descansando abraçado, devia ser alguma praga do Egito para que os dias mais frios fossem aqueles que tivessem que sair da cama por qualquer motivo.

– Félix...

– Já sei, já sei, precisa ir fazer alguma coisa no restaurante?

– Por que quando eu acho que você está melhorando você renasce feito uma fênix pra dar uma bicada? Olha o jeito que você fala do Gean, ele é nosso ganha pão, incluindo o seu! Ou vai esquecer que você é meu funcionário?

Por um segundo o moreno pensou em inúmeras réplicas e trépicas, mas de quê adiantaria?

– Adiantaria que ao invés de você ficar belo e formoso me admirando nessa cama, você poderia ao menos um dia me perguntar se eu preciso de alguma ajuda além das contas do restaurante?

– Pelas contas do rosário, você vai me demitir?

– Não Félix, mas não há como tocar um restaurante sem que o sushi man apareça pra cortar peixe...Você não quer dar aumento pro Edgar, reclama que eu contratei um auxiliar por um valor muito alto e o que você faz?

Ajeitando as sombrancelhas ele nem precisou responder, ele reclamava e muito.

– Por que você não me ajuda a procurar um lugar para começar o segundo restaurante? Eu não faço a minima idéia onde seria o melhor lugar...Será melhor tentar um lugar novo num desses shoppings que estão sendo construídos ou na rua....Poxa, eu não sei, pronto, falei! Eu nem tenho roupa pra ir na cerimônia esse final de semana e se depender de você eu não saio desse quarto pelo resto da minha vida.

– E tem mais...Eu não vou morar na sua mãe....Eu tenho casa! Eu preciso trabalhar...Eu não nasci pra virar madame....

“Pelas contas do rosário, ele está tendo um chilique – será que é efeito por eu dizer o quanto gostava dele? Melhor não sair falando toda hora isso...Eu aqui achando que teríamos um dia tranquilo com esse inverno lá fora...”

– E você vai ficar aí calado me olhando com esse sorriso de canto? Fala alguma coisa!

– Acabou Carneirinho?

– Acabou Carneirinho!? Daqui a pouco você vai falar que é só mudarmos pro Rio de Janeiro que tudo vai se resolver...Angra dos Reis? Vai dizer que vou vender essa casa pra comprar aquele paraíso particular...Vai dizer...

Campainha ao longe.

– Niko, aproveitando que você parou pra escutar a campainha....Respira...Respira de novo

Nicolas incrédulo parou de falar na expectativa do que Félix iria dizer, afinal até onde ele sabia seu amado não fazia aulas de meditação.

– Depois de tantos anos trabalhando em hospital a gente desenvolve várias técnicas pra fazer as pessoas geniosas ficarem quietas....

– Diga Félix...Diga...

– Esse final de semana resolvemos seus pais e sua premiação.. Junho vai começar e os preparativos pra morarmos juntos, com meu pai, eu espero...Daí mudança e também precisamos pensar na escola pro Jayminho e empregados, mudança....Não é tão complicado assim...

– Félix, pra quem chegou aqui praticamente descabelado eu acho que seu problema é falta de dormir. Voc~e tem noção do que é sair de um lugar para outro? Você nunca nem se mudou da casa da sua mãe! Você, você...Está vendo, já até perdi o fio do que estava falando....

– Não criatura, eu não tenho culpa...É que eu que penso muito rápido...

Nicolas engoliu o ar para não falar nada e resolveu que era melhor sair do quarto, quem sabe assim ele não levantava?

– Geniosa mesmo...Deixa eu olhar o que falta nesse guarda-roupa aqui...Ele é tão desligado que nem se lembra das roupas que tem, só sabe andar com aquele terno azul...Mas ele fica tão lindo de azul...

Nicolas acabou por desistir de dialogar com Félix...ele tinha tanta coisa para arrumar que decidiu começar por um café na cozinha.

– Seu Nicolas....

– Oi Adriana, está tudo bem com os meninos? Mal brinquei com o Fabrício hoje....

– Sim, está. Chegou um telegrama pro senhor...

– Outro? Sim, obrigado. Por favor deixe na mesa de jantar que eu já olho...

Félix já havia decidido que Nicolas só precisava de uma gravata nova para o evento, nada melhor que um terno preto para tais ocasiões. Como ele poderia ter tanta roupa e sempre aparecer com aquele terno azul claro.

– Deixe-me ver o que é isso? Deve ser alguma coisa da premiação, aqui...Abrir...

“Niko. Se eu ligasse você não me atenderia...Estou muito orgulhoso de você pelo seu sucesso! Estarei torcendo. Eron.”

– Poxa, que simpático...Por que será que ele disse que eu não atenderia? Qualquer hora ligo para agradecer

– Agradecer o quê Carneirinho?

– Nada...Errr...Esse convite pra premiação...

– Que papel é esse?

– Que papel? Preciso sair...Você pode ficar e dormir se quiser mais um pouco, a Adriana não precisa ir no meu quarto agora.

– Nicolas Corona, o que tem nesse papel que vc está segurando? Você não me engana...E não faz essa carinha de quem vai gritar Féééélix....

– Eu já disse que é um convite pra premiação...Tá bom, não é. Não é nada importante...De verdade, não é nada importante.

– Se não é importante, deixa eu ver?

– É desnecessário....Será que eu posso ter um pouquinho de privacidade?

– Se você quisesse privacidade não ia querer me levar num evento coberto pela imprensa nesse final de semana. Imagina essas revistas de fofoca “Herdeiro do São Magno é visto com sushi man”.

Nicolas riu, quem sabe ao menos ele não esquecia isso em troca da sua vaidade:

– Eu acho que a manchete seria algo do tipo “Chef revelação do ano é ovacionado no seu discurso de agradecimento.”.

– Há há há – Todo mundo conhece Félix Khoury...O papel Nicolas, vai dizer que temos segredos agora?

– Não se faça de vítima, Félix!

Nicolas sabia que aquilo não era uma briga, era somente mais uma daquelas cenas fruto da possessividade de seu moreno, ele não ia desistir o dia todo e pelo resto de suas vidas se não visse o maldito telegrama. Quem sabe ele não haveria de ter crescido o suficiente pra entender que era só um telegrama de parabéns e nada mais. Há quanto tempo eles já estavam juntos? Desde janeiro e outro dia mesmo o Anjinho ainda havia ligado para lhe parabenizar pelo aniversário. Mais que isso, Félix em um ano completaria quarenta anos. Sim, não haveria problema.

– Nicolas Corona ou você me mostra esse papel agora ou não respondo por mim.

– A curiosidade matou o gato...gato Félix...estou confiando em você....

Com um sorriso vitorioso nos lábios ele arranca o papel das mãos de Niko que tinha um sorriso de canto daqueles especialmente envaidecidos pois ele adorava aquele jeitinho enciumado dele.

– Eu não admito aquela lacraia fura-olho furta cor...

– Félix, é lacraia do olho furta cor...

– Eu não admito você me corrigir! Eu não admito ele te escrevendo, mandando recadinhos...Mas espera um minuto...Você não ia me contar?! Estava tentando me fazer esquecer esse papel...!!!

– Tá vendo, já vai começar com mais uma briga...Eu disse que era algo desnecessário...

– Não vem com esse papinho...esses olhinhos azuis querendo me acalmar...Eu já disse que não admit...

Nicolas mais ágil e já cansado de tantas reclamações lhe interrompeu com um longo beijo, desses que nem devem ser descritos afinal, quanto tempo ele iria demorar para entender que não importaria o que o Eron fizesse...