Parado ali, ele se lembrava das últimas palavras ditas...Que o amava mas precisava respirar...Que não fosse embora, já era tarde, que ficasse no quarto de hóspedes...Que o deixasse respirar. Espaço.

Ele precisava de alguns minutos, como explicar isso pra alguém que tem urgência de tudo? Se para Félix não era fácil, como esperar que fosse diferente com ele? Após o banho as idéias estavam um pouco mais claras...ele não queria terminar a noite daquela maneira. Suas últimas palavras foram ríspidas, não era assim que se dizia que amava alguém para que essa pessoa acreditasse, não eram as palavras e sim as atitudes que poderiam ajudar o seu amor a superar tudo que estaria por vir.

No quarto de hóspedes, Félix se lembrava de outras vezes que se sentiu daquele jeito, na infância, na adolescência, era o mesmo choro, era o mesmo desespero igual ao ser expulso da casa de Pilar, de quando o pai disse que preferia que ele tivesse morrido; e agora Niko pedindo que ele saisse do quarto, doía, doía muito. Por que deveria ser sempre daquele jeito? Ele queria ter ido embora, mas não quis contrariar Niko, chamar um táxi nem pensar. Apenas agarrou um dos travesseiros e ficou deitado chorando enroscado em si, só se lembrava que precisava chorar até acalmar-se, nunca havia sido diferente, só ele sabia como sair daquilo.

"Eu não posso deixá-lo assim, isso é a única coisa que ele conheceu e ainda conhece...eu não sou igual aos outros, eu sei que ele precisa de ajuda...Eu não posso deixá-lo sozinho, ele não tem mais ninguém."

Niko abriu a porta na esperança de encontrá-lo dormindo, ao menos tomando banho, mas o que viu foi seu amor fragilizado, deitado, encolhido, desamparado.

Sua única reação foi salvá-lo daquele inferno:

– Félix, Félix, vem cá. – Ele chegou se aproximando, com aquela voz doce de um carneirinho como o morento tanto gostava.

Ele relutou, mas precisava do abraço, do carinho, ele sempre precisou de um abraço nessas horas. Ele nunca teve, mas agora apesar de tudo Niko estava lá oferecendo seu carinho pra tirá-lo daquele vazio:

– Shhhhh...

– Niko, eu sinto muito...

– Shhhhh, quando você se acalmar conversamos. Vamos ficar um pouco quietos agora. Vem cá...Você está frio, deixa eu te esquentar...Vamos ficar quietos...– E Niko o abraçou forte, nem que ele tentasse conseguiria sair dali, conforme Félix se acalmava Niko também ia relaxando aquele abraço.

Eles ficaram ali por um tempo, até que Niko o levou de volta para o seu quarto, o moreno ainda tentou negar-se a ir, mas foi amparado por Niko para voltarem.

– Félix, você precisa de um banho, vamos lá...

– Carneirinho, eu posso ficar aqui, nem roupa eu tenho, amanhã eu vou embora cedo, não se preocupe os meninos não vão me ver.

– Vem logo. – Niko sabia ser firme quando precisava, apesar de toda a segurança que ele aparentava ninguém poderia imaginar uma pessoa tão frágil por traz daquela típica acidez e arrogância.

Niko o sentou na poltrona e foi até o armário buscar uma caixa, era uma caixa branca, não havia nada de especial...ele a entregou a Félix e ficou esperando que ele a abrisse. Faltava coragem para o moreno fazer qualquer coisa.

– Eu comprei isso pra você, já estava cansado de emprestar meus pijamas e você ficar reclamando depois que estou acima do peso, que eles são enormes...Eu até emagraci esses dias, viu? ...Eu estava pensando qual seria o melhor momento de entregá-los, acho que hoje é um bom dia.

Félix apenas olhou e disse que eram lindos...Niko o levou até o banho pelo braço e disse que ele tomasse um banho rápido, ele esperou do lado de fora e quando Félix saiu ele já estava na porta o esperando:

– Vem cá, deixa eu ver? Sim, combinou com você. Deixa eu te dizer uma coisa?

– Sim carneirinho.

– Você não está mais sozinho, vem cá, agora eu já estou mais calmo. Desculpe se gritei – Niko queria puxar a conversa para a cozinha, tinha fome e definitivamente não queria dormir com fome e nem brigado com Félix.

Quando Félix sentou-se na cozinha e Niko começou a cozinhar já estavam próximos da uma da manhã.

– Eu vou te fazer uma sopa, que acha? Você gosta de sopa? Pela sua cara é fome... – e ele sorriu.

Félix não conseguia entender o que havia mudado, como ele conseguira mudar daquela raiva de quando o expulsou do quarto para aquela calma, não que ele fosse reclamar, afinal o que ele mais precisava era o afago daquele homem que tentava sorrir mesmo exausto de um dia tão horrível.

– Tenho duas sopas congeladas aqui, olha só? Quem disse que de vez em quando congelar as coisas não é bom? Assim podemos conversar enquanto elas descongelam.

Microondas, dez minutos.

– Félix, a minha mãe costumava me dizer que a gente nunca pode dormir sem fazer as pazes com quem amamos, não importasse o motivo tinhamos todos que fazer as pazes lá em casa. Eu lembrei disso hoje quando você saiu do quarto; bem, eu queria que você me desculpasse por ter falado com você daquela maneira...eu realmente fiquei chateado, mas se eu não me acalmasse e fosse falar com você eu iria acabar sendo como qualquer outra pessoa...err...como seu pai...você disse que ele não falou mais com você.

– Sim, ele não falou...Niko, sou sempre eu que tenho que pedir desculpas, você não fez nada. Na verdade você fez tudo, foi me buscar naquele quarto, conversar comigo, eu não sei se merecia sair dali, mas agora que estou aqui na cozinha com você eu não quero voltar a ficar daquela maneira...só eu sei como é horrível.

Niko busca as mãos de Félix sob a mesa para dizer que ele não estava sozinho, ele nunca mais ficaria sozinho.

– Eu não entendo como você pode estar preocupado se eu comi ou não, nem como eu ainda estou aqui nessa casa...Eu nem quis vir de carro com medo de você me expulsar assim que visse o carro.

– Eu só fui pego de surpresa Félix, eu sai da sua casa direto pro restaurante, trabalhei feito um maluco e quando chego aqui você já está me pedindo desculpas....você agiria diferente?

Félix olhou para cima como que pedindo ajuda a Santa Cruz pois ele definitivamente não era como Niko, ele se esforçava para imaginar que um dia poderia ter aquele coração, mas ele não tinha e Niko não passaria dos portões da mansão de sua mãe provavelmente.

O carneirinho apenas riu, ele disse que ainda estava magoado, que demoraria alguns dias para passar, mas que não seria isso que o iria afastar dele. Foram interrompidos pelo microondas, as sopas estavam prontas.

– Niko, eu rompi com meu pai hoje. Acho que ele nunca mais vai falar comigo, eu sempre lutei tanto para que ele me considerasse alguém...hoje eu sei que ele vai excluir todo e qualquer detalhe meu da vida dele.

Nessa hora, o loiro puxou a cadeira que ele estava para se sentar ao lado dele, ao invés de ficarem frente a frente naquela mesinha de cozinha.

– Sabe por quê eu puxei a cadeira, Félix?

– Pra comer minhas torradas? – Ele riu, meio sem graça da piada mais que óbvia.

– Eu não acredito que o senhor já virou uma Fênix renascida das cinzas...nem eram as torradas o motivo, mas quer saber? Passe tudo para cá....Seu bobo, eu quero ficar do seu lado...a gente vai dar um jeito com seu pai...

– Ele nunca gostou de mim, Niko...agora então?

– Já temos o nunca, se conseguimos mudar algo já será alguma coisa, não? – Ele tentava animá-lo, no fundo sabia que talvez fosse impossível que César algum dia pelo menos tratasse Félix dentro da normalidade, mas não queria deixar que ele desanimasse mais uma vez, agora já não tinham mais de quem esconder que estavam juntos. Um problema a menos.

– Você não existe Carneirinho...Aiiii...isso dói.

– Se dói é porque eu existo...a sopa está boa?

– Você não faz idéia de como eu estou melhor...Sabe, eu estava imaginando tantas coisas horríveis...sempre que eu ficava daquele jeito que você viu no outro dia acontecia algo horrível comigo e por causa do que acontecia eu acabava fazendo coisas mais horríveis, é um círculo...

– Hoje eu te tirei disso...mas quem te deixou daquele jeito foi eu hoje...desculpe. – os olhos azuis de Niko eram tudo para Félix...principalmente naquele momento.

– Niko, eu vim aqui porque eu posso suportar perder de vez meu pai, mas você não. Perder vocês dois no mesmo dia, nossa...eu não consigo nem imaginar... como uma criança que deseja tanto algo que sabe que nunca vai ter...eu nunca pensei que alguém fosse me amar um dia, e você, você disse isso hoje pro meu pai...Desculpe...eu queria ter a última palavra pra ele achar alguma coisa de mim...

– E funcionou? – Niko olhava com curiosidade, afinal ele não fazia idéia do que eles haviam conversado naquela tarde.

– Você me conhece, não é? Melhor virar essa página...Por hora ele acha que eu sou a sua namorada...E quer saber, melhor assim...Já que ele tem tanta curiosidade...Ei, não me olhe assim em sinal de desaprovação...Ainda preciso conversar com a mami poderosa...Se eu não conseguir cuidar mais do papi lá em casa talvez ela queira mandá-lo para uma casa de repouso, tão triste isso. Só que eu não quero falar disso agora...Eu queria te pedir uma coisa, se alguma outra vez eu te tratar como eu tratei hoje, não deixa eu continuar na sua vida, você merece coisa muito melhor...

– Eu te amo, Félix.

– Niko, eu nem sei o que dizer nessas horas, eu não tenho essa facilidade, eu...

– Eu te amo, Félix... – e ele olhava no fundo dos olhos do moreno pra continuar – e eu sei que aí dentro... – ele pegou a mão dele que se apertava junto ao peito dele como que em sinal de aflição – ai dentro tem alguém que vale a pena eu esperar. Deixa eu te ajudar...

– Você já me ajudou tanto, não faz nem idéia...

– Passa o dia aqui comigo amanhã, eu acabei de dar folga ao dono e ao gerente do Gian.

– Eu preciso voltar pra casa.

– Aqui é a sua casa, fica comigo amanhã...Depois eu te levo embora, mas por mim você ficava de vez.

– Obrigado Carneirinho. Mas eu preciso cuidar do meu pai. Ou conseguir alguém que cuide dele do jeito que ele precisa... – e ele abaixou a cabeça como que lembrando que a realizada não era nada fácil, só que dessa vez a mão de Niko estava lá para erguê-lo e ajudá-lo a seguir em frente.