Os pais de Niko se foram na segunda-feira.
O pai de Félix sairia na quarta-feira do hospital.
Mas ainda era terça, talvez três horas, talvez quatro, Félix estava em casa, havia organizado na parte da manhã mais alguma papelada do restaurante. A última visita a seu pai apenas reafirmava o que ele já sabia - seu pai não aceitava. Precisava seguir em frente. Precisava ter forças pra cuidar do seu pai e proteger seu Carneirinho. Sim, protegê-lo.

“Ainda que ele diga que conseguirá suportar as ofensas do papi, foram por causa delas que eu vejo no que me transformei – há horas em que penso...será que a rainha do hot-dog tinha razão, talvez se ela tivesse ficado comigo, eu não haveria me transformado nisso...Haveria alguma maneira de não ser o que sou? Até agora não sei como o Niko me suporta, mais que isso, não sei como ele vê algo de bom dentro de mim e é exatamente isso uma das coisas que me faz precisar tanto dele”
Um sorriso tênue iluminava o quarto.

“Eu sou um fraco, não devia ter envolvido o Niko nisso...não,não...não deveria deixar o Niko chegar perto do meu pai...mas o carneirinho com os dois filhotes precisa de algo que eu não sei se consigo oferecer..mas cada vez que tento explicar isso pra ele, lá vem ele no meu ouvido com aquele blablablá romântico. Eu Félix Khoury, romântico? Também quem inventou eu levar flores pra ele? Devia ter feito uma promessa e virado um hermitão cuidando de papi soberano...Eu não sei”

Três batidas na porta.

– Filho, com licença, posso entrar?
– Claro mami, nem precisava bater... Ops, precisava sim, não é? - Ambos riem, Pilar jurou que nunca mais entraria no quarto do filho sem bater. Sabe-se lá o que poderia ver.
Enfim ela havia conseguido tempo para conversar com o filho...
– Querido, eu juro que estou tentando te entender, ajudar você com o Niko. Acredita que eu até li a respeito?
– Leu o quê mami? Ai meu deus!
– Filho eu andei lendo sobre pessoas como você que estão assumindo sua sexualidade... –e Pilar tentava entrar no universo do filho da maneira mais delicada possível.
– Mami eu não acredito!?
Não, não iria funcionar daquela maneira ela pensava.

– Eu vou tentar diferente...o Niko e você... você e o Niko...Deus do céu, eu não sei dizer quanto tempo vocês estão juntos...tem uma data?
– Mami eu lá tenho cara pra marcar data de aniversário de namoro? – As sobrancelhas de Félix mostravam toda a força da ironia naquelas palavras.
– Então tudo que eu falei até agora com você a respeito daquele rapaz, bom, eu estava errada? Ele é algo assim tipo o Anjinho? Na primeira vez que eu falei com o Niko sobre você, ele falou algo tão bonito...ele disse companheiro...Desculpe estava enganada então. Seus passos eram para sair do quarto.

– Mami, eu não admito que a senhora questione o que o Niko é pra mim! – E ele se levanta bruscamente com aquele olhar determinado de um velho Félix que a todo tempo ele tentava enterrar.

– E você admite o quê, Félix? Eu conversei um pouco com o Niko, por favor meu filho, não faça gato e sapato desse menino. - A voz de Pilar foi firme o suficiente para que seu filho recuasse o tom de ameaça...
– Como assim, mami?
E Pilar resumiu o último mês de Félix, ela tinha razão, apesar de todo o apoio dela, ele não conseguia se firmar, naquele dia mais importante que era dizer ao César quem o Niko era, ele simplesmente havia falhado e quando resolveu o trazer para a casa, ele veio como um escondido, alguém que não era pra ser visto pra evitar comentários. Para Pilar aquilo não era muito diferente do que acontecia com o Anjinho...
– Félix, diz pra sua mãe, por quê você não quis ficar com o Anjinho? Não seria tudo muito mais fácil, ele já estava acostumado com esse seu estilo?
– Mami, não diga isso.
– Então me diz filho, o que você quer com o Niko? Seu pai vai sair do hospital amanhã e eu não quero ficar me descabelando sem saber como você quer tratar o Niko na frente do seu pai que até onde nós dois já sabemos morará nessa casa pelo tempo que for necessário.
– Mami, o Carneirinho não tem nada, nada em comum com o Anjinho. – Félix pôs as mãos sobre o rosto, mas sua mãe vem ao seu encontro para deixar sua face livre para que ele continue falando. – Mami, eu gosto do Niko, mas quando eu digo gostar é algo daqui – a mão paira sobre o peito – eu nem sabia como era bom estar com alguém, acordar com alguém. E veja só agora...mas quando eu penso no papi... – e ele se vira procurando algum apoio onde se sentar novamente.

– Quando eu penso no papi eu travo Mami, eu já imaginei tantas maneiras dos dois poderem conviver em paz...mas se o papi não me aceitou até hoje como ele vai aceitar o Niko comigo...?
– Filho, eu ainda não escutei a resposta que eu vim buscar. Por que você não quis ficar com o Anjinho? O que você quer com o Niko?
– Eu nunca gostei do Anjinho mami. Era um passatempo. Eu expliquei pra senhora que precisava de uma ajuda para dar um rumo novo na vida dele e me desligar de vez desse passado. As passagens, o dinheiro, a Espanha eu devo tudo a senhora.
– E o Niko, Félix?
– Mami, o Carneirinho é quem me guia hoje, eu entraria em parafuso se ele caísse em si da pessoa horrível que eu sou e me deixasse. Eu já tentei afastá-lo, mas já entendi que ele gosta de mim assim com eu sou. Eu sei o que a senhora quer como resposta...
– E? – Pilar estava decidida a colocar Félix na parede, talvez ele precisasse daquilo, talvez não, mas já não havia mais tempo... César sairia amanhã.

– Mami, a resposta que você quer ouvir eu ainda não estou pronto nem pra dizer pro Niko, eu quero ser capaz de dizer pra ele do jeito que eu acho que ele precisa ouvir...porém...com o papi saindo do hospital eu não sei como vai ser...talvez eu me aproximar mais do Carneirinho, mais do que já estamos envolvidos vá trazer dor e sofrimento.

– Filho, se seu pai falar pra você se afastar do Niko; o que você vai fazer? Levá-lo com as crianças pra algum flat e voltar com a Edith...?
– Não mami, não. A senhora já deveria saber disso! Eu jamais voltarei a ter aquela vida. Nem salgando a santa ceia! – O tom de voz dele beirava a raiva e a decepção. Grande parte da vida dele havia sido uma grande mentira que não o levou para nenhum lugar.

– Eu sei, mas ouvir isso de você faz toda a diferença pra mim... e você não concorda que faz um bem infinito falar isso também?
– A senhora não existe e é por isso que é minha mami poderosa – uma ponta de sorriso era esboçada... – talvez só a senhora e o Niko pra me conhecerem tão bem.
–Querido, você ama esse rapaz ou está nesse caminho?
– Ah mami... – os olhos dele estavam marejados... – eu preciso dizer isso pra ele um dia primeiro...no dia que eu estiver pronto pra corresponder tudo que ele espera de alguém. Eu olho pra trás e vejo o quanto já mudei por ele e quanto ainda preciso evoluir.
– Eu vou te ajudar com seu pai, vamos dar um jeito, ok? Só preciso da sua palavra que você vai ser forte, pois os próximos dias não serão fáceis, pra ninguém. Preciso que você esteja ao lado dele como ele vai precisar. Seu pai ainda será uma incógnita.
– É uma promessa, Mami. A senhora tem a palavra de Félix Khoury. Eu não vou errar como já errei a pouco tempo com o Carneirinho. E além da palavra, a senhora acabou de ganhar um abraço dessa criatura aqui também em sinal de agradecimento. – O abraço foi tão forte que Pilar brincou que perderia o fôlego...
– Filho, não transforme seu pai em um fardo. Todos podem e vão te ajudar.
– Sim mami, eu sei. E eu sei que depois dessa conversa, eu preciso ver o Niko. Acho que vou lá jantar com ele, tudo bem?
– Claro querido, agora eu tenho a sua palavra que ele é importanta pra você...de verdade...
– Errr, mami, acho que eu vou pedir pra dormir na casa dele, tudo bem? – O pedido saiu ruborizado.
– Fééélix!
– Melhor avisar, não é? - O sorriso transparecia todas as intenções dele.