Niko ficara na sala, uma, duas horas, quem sabia; mas lembrava de sua mãe o chamando pra dormir no quarto o puxando pelo braço...:

– Filho, vai pro seu quarto...você está tão cansado, olha pra você.

– Ah mãe, você me conhece, não fiquei bem com essa conversa sua e do Félix, não era assim que eu tinha imaginado vocês se conhecerem. – Niko seguia para o quarto abraçado a sua mãe, era o único conforto que tinha naquele momento.

Já no quarto, sua mãe percebia que eles precisavam conversar, para d. Lúcia estava claro o sofrimento do filho e o mais estranho é que ela também imaginava que Félix não estivesse bem. Era díficil pra ela entender aquilo tudo, mesmo aceitando a homossexualidade do filho, ver aquele sofrimento todo e por alguém capaz de jogar a própria sobrinha fora:

– Filho, eu não sei muito bem o que te dizer...se eu conto pro seu pai tudo isso você sabe que será um ponto final, ou ele ou a gente...mas contar tudo isso pro seu pai a essa altura da vida pode gerar mais sofrimento em você...

– Mamãe, deixa eu...

Ela pousou suavemente a mãe sobre Niko pedindo para continuar falando, ele segurou aquela mãe que confiava tanto e a deixou continuar.

– Eu sei o que você vai dizer, filho, está escrito nos seus olhos. Eu não conheço nada desse rapaz pra ter certeza que ele não vai magoar você ou meus netos...Ah, eles são tão lindos...Não vejo a hora deles irem em casa passar as férias...eu gostava tanto do Eron, achava que ele era a pessoa perfeita pra você: responsável, formado, advogado, estável e veja o que ele te fez, te traiu dentro dessa casa e quase roubou seu filho...Aí entra esse Félix, ele não tinha nenhum motivo pra te ajudar e no meio de tantas coisas erradas escolheu fazer o certo pra você, por você. – A mãe de Niko senta-se ao lado dele, mira a porta e continua:

– Agora eu me pergunto, será que não é certo dar-lhe uma chance? Se até a mãe dele o aceitou de volta?...Niko, deixa eu continuar, que menino mais afobado...eu confesso que estava procurando algum momento oportuno para interrogá-lo, na verdade vocês dois. E pra minha surpresa ele veio me contar tudo e eu não vi nele nenhum hipótese que ele sabia que eu já sabia.

– Meu filho, ele fala de você de um jeito, quando ele te olha...nossa é tão bonito, sabe quem ele me lembrou? Seu pai...- ela sorri... – os olhos apaixonados de seu pai por mim, a voz dele até muda para falar de você, ele me disse que nem sabia explicar o que sentia por você, mas não se permitiria que você omitisse algo a respeito dele...eu achei aquela frase tão sincera, eu nunca vi o Eron falando de você daquela maneira e eu acabei me acostumando com aquilo, em achar que deveria ser daquela maneira que dois homens se amavam. Eu estava errada. Eu vejo isso agora.

– Eu quero separar as coisas aqui, o que ele fez de errado, foi feito. Não é de mim que ele precisa de um perdão, o que posso dizer agora é que não sou eu quem deve julgá-lo até por que se você sabe de tudo isso e ainda quer ficar com ele, não há o que eu possa dizer pra mudar isso. Mas há a segunda parte, aquela que me tocou; filho, como ele gosta de você, ele não meu falou tudo aquilo pra tranquilizar a consciência dele, ele me falou pra saber que eu sei com quem meu filho está... por que ele queria ser aprovado por mim, pela sua família. Ele deve ter sofrido muito com o peso da culpa.

Niko tentava segurar as lágrimas, de uma certa maneira a sua mãe lhe dava a confirmação que Félix realmente gostava dele, era tanta instabilidade em uma pessoa só que ele vivia na corda bamba entre acreditar que ele gostava dele ou se ele havia virado o novo passatempo dele. Mas ele nunca questionava isso, porque pra ele o mais importante era que ele gostava muito daquele homem.

– Hoje em dia é tudo tão rápido, tão passageiro, e aquele rapaz estava preocupado comigo e seu pai. Ele até me disse que não estava contando pro seu pai porque percebia que seu pai não estava bem de saúde. Eu gosto dele meu filho, algo me diz que eu posso confiar nele e seus olhos me pedem isso agora, não é? – Ela sorri para o filho. – Eu preciso conversar com ele de novo...Eu sei que se eu contar pra seu pai ou me opor a vocês te farei a pessoa mais infeliz do mundo e nenhuma mãe deseja isso ao próprio filho. Amanhã peça pra ele vir aqui conversar novamente, quero conversar mais com ele, acho que vai o ajudar também. Pelo que entendi só o filho dele e a mãe o aceitaram nessa nova fase, mas o pai doente o rejeita...

Niko abraçou a mãe sem pensar, agradecendo a confiança, ele sabia que não estava errado em relação a Félix, não podia estar. Era insano, mas não se imaginava mais sem a presença dele por perto, era como se eles já estivessem juntos muito antes daquela primeira noite.

A mãe de Niko pediu ainda pra que o filho dormisse, sexta ainda seria um dia puxado e ele precisava estar animado para seu aniversário no sábado.

Enquanto isso Félix se afastava mais e mais da cidade de São Paulo.

“O amor é um fogo que arde sem se ver,

É ferida que dói e não se sen...”

– Eu devo ter salgado o mar morto pra ligar o rádio e tocar essa música... – Félix desliga o rádio com raiva, não queria pensar em Niko mas não havia como fugir disso.

Bem que a Márcia falou que eu sou burro, sou mesmo...que eu tinha na cabeça...se a mami poderosa me perdoou eu precisei ficar meses vendendo cachorro quente pra ela me perdoar, imagina a mãe do Niko – vai me mandar de barco pro Japão pra eu aprender a fazer sushi de tubarão...mas será que tem sushi de tubarão?”

“Tomara que eu consiga chegar em Angra, da última vez que fui pra lá nem deu tempo de levar o Niko na casa da praia, ah...ele iria gostar tanto daquele lugar...pena que não vai dar tempo de irmos naquela casa...ia ser muito diferente agora...eu leavaria alguém que me faz feliz lá...bom fazia...porque agora ele vai desaparecer...minha família aceitou, mas outras pessoas, ninguém engole isso tão fácil...deixa eu ligar o rádio de novo pra espantar o sono...naquele dia que fui com o Carneirinho pra Angra não lembrava da viagem ser tão cansativa...”

Oh no, did I get too close? (“Oh, não, cheguei muito perto?”

Oh, did I almost see what's really on the inside? (“Oh, quase vi o que está lá no fundo?”)

All your insecurities (“Todas suas inseguranças”)

All the dirty laundry (“Toda sua roupa suja”)

Never made me blink one time (“Nunca me fez piscar alguma vez”)

Unconditional, unconditionally (“Incondicionalmente, incondicionalmente”)

I will love you unconditio… (“Eu te amarei incondicio...”)

Mais uma vez o rádio é silenciado...

Não, eu não joguei sal no mar morto, eu matei os peixes primeiro...cada música que me aparece, seria como Niko conversando comigo, seria muito melhor se eu não entendesse essa aí cantando...desliga, desliga...vamos em silêncio...acho que agi de cabeça quente...mas como eu vou permitir o meu pai tratando mal o Niko? Eu posso aguentar... eu posso ficar chateado...mas o Niko não, não tem como...imagina ele indo com as crianças em casa e meu pai gritar com ele na frente do Jaiminho – B I C H A!!!! E não adianta explicar pro Niko isso que ele vai ter alguma resposta otimista – ele devia era vendar livro de auto-ajuda... criatura otimista...O Jaimnho com o tempo iria odiar a gente...quem iria gostar de ver o pai ser maltratado...Ou o contrário, daqui um tempo os pais do Niko sabendo de tudo por alguém que não fosse eu...imagina a decepção...eles iriam renegar o filho até”

Mais e mais quilômetros, Félix começava a descer a serra para o litoral, já era madrugada mas ele não parava nem para um café...

“Eu nem sei o que estou indo procurar em Angra, talvez seja paz, a mami vai me matar quando descobrir que estou indo pro Rio de Janeiro, ela precisa de mim pra cuidar do papi soberano...mas o papi como sempre só pensa na Paloma..Chega disso Félix! Ele não gosta de você e não vai gostar. Ninguém gosta de você!”

“O Niko gosta...como será que ele está? Queria tanto ouvir a voz dele, por um minuto que fosse...ainda vamos precisar conversar, ele vai dizer isso quando eu voltar pra São Paulo...preciso de uns dias sozinho...será que a Paloma e a Mami poderosa conseguem dar conta do papi?”

Litoral enfim...mas ainda haviia muito a percorrer para chegar em Angra...

Que idéia de Jerico... ainda falta Paraty inteira para chegar em Angra...será que eu lembro onde é a casa ainda? Nem sei quanto tempo pra chegar lá...Eu devia era não ter ido embora de Angra naquele dia e falado pra Niko ficar comigo...quanto tempo perdido...eu sai da casa dele tão bravo depois de chegarmos de Angra...na verdade queria ter aceito o convite pra dormir lá...na verdade eu sempre quis dormir lá, desde a primeira vez que ele me convidou...mas aquele mantra de não chegar perto do seu melhor amigo é tão forte e tão verdadeiro...olha só...agora eu perdi tudo...perdi o Niko – homem e amigo”

Divisa de munícipio – Paraty/Angra dos Reis

Finalmente, espero que a Maria, a caseira, ainda acorde cedo...será que ela lembrará de mim...preciso dormir...preciso esquecer...talvez se eu tivesse pagado pelos meus atos minha consciência seria estaria mais tranquila agora...”

Ao chegar, o relógio do carro apontava 5:57h, o dia já amanhecia, um semblante triste sai do carro para interfonar...

– Maria, bom dia, aqui é o Félix, pode abrir o portão por favor?”

Já dentro da casa tentando evitar a surpresa dos caseiros, Félix pediu para dormir em algum dos quartos... estava exausto... e sem nenhuma vontade de dormir...era um vazio tão grande ...

Por fim se viu deitado em uma cama mirando o mar...

Enquanto isso em São Paulo, o dia amanhecia, Jaiminho foi mais uma vez atrasado pra escola e Niko dava as últimas explicações para Adriana, resolvera fazer uma surpresa e ir visitar Félix na casa de Pilar, imaginava que a mami poderosa não se incomodaria com uma visita tão cedo.

– D. Pilar, é o Niko – era uma das empregadas que chegava a mesa do café da manhã.

– Ai menina, nem precisava vir anunciar pede pra ele vir aqui tomar café comigo. Mas o o que será que aconteceu?

– Oi Pilar, desculpe o horário, queria fazer uma surpresa ao Félix, será que ele demora pra descer?

– Meu filho, você já deve conhecer o Félix, deve estar desmaiado dormindo, ele ao invés de acordar cedo pra fazer as contas do seu restaurante, fica fazendo isso até de madrugada, vai entender? Você não quer ir lá?

Niko sorriu meio sem jeito.

– Que é isso Niko, claro que você pode ir lá acordá-lo.

Ele subiu as escadas eufórico, queria abraçar seu amado e dizer que tudo ficaria bem, que sua mãe estava confiando no futuro dos dois pois viu que eles se amavam...de verdade...eles só precisavam conversar mais...

Mas ao abrir a porta do quarto, a cama não havia sido desfeita.

– D. Pilar, o Félix não está no quarto! O carro dele está aqui?

– Maciel, pode me ajudar a ver isso? - Pilar tentava disfarçar o espanto.

Quando Maciel volta, sua expressão não nega. O carro de Félix não estava em casa e ninguém fazia idéia do que havia acontecido.

Finalmente Félix havia dormido com a visão do mar...