Dias Mortos

3: O chamado para loucura



Era bom poder dormir, sem ter de ser puxada para os sonhos dos outros, eu me sentia de certa forma menos intrusa. Alguma coisa me balançava delicadamente, de primeira fiquei com medo de abrir os olhos e ver uma enfermeira de sorriso diabólico com uma seringa, mas era apenas Penélope, trajando um esvoaçante vestido se seda branco.



– Bom dia minha cara, levante-se, hoje temos um tour pela cidade -cocei meus olhos, sentindo todo meu corpo ainda estar dormente, ela sorriu de maneira delicada me entregando uma sacola de lona -Aqui estão algumas roupas, vejo que está apenas com as vestimentas do corpo.



– Obrigada -disse em surpresa -Estava mesmo precisando.


Ela desfilou pelo quarto, parecendo um fantasma que fumava. Então parou na porta com os olhos distantes e tristonhos.

– Gosto de cuidar dos outros.

Me levantei, abrindo as cortinas e deixando a claridade cinzenta da manhã adentrar no quarto. Havia um espelho de bordas douradas atrás da porta e levei um susto com minha aparência, não que ela fosse muito importante....mas mesmo assim eu tinha chegado mesmo no fundo do poço.

Meus cabelos estavam lisos e bagunçados, um loiro esbranquiçado que caia retos por minha costa fazendo meus olhos parecerem vidrados e sem brilho, eram pratas opacos e fazia meu rosto parecer pertencer a um fantasma ou alguma aparição. Eu não conseguia reconhecer a garota a minha frente.

Deprimente.

Tirei meu conjunto de moletom surrado e peguei o par de roupas limpas que Penélope tinha me dado, era uma calça folgada e blusa de algodão, me deixava com uma aparência mais viva devo comentar. Fiz um rabo de cavalo alto e segui para o corredor escuro, esperando não me perder em suas portas.

Desci as escadas e segui para o que parecia ser uma cozinha, mas a bagunça era tanta que se parecia mais com um depósito.

– Venha, coma alguma coisa e logo iremos leva-la para conhecer a cidade -me sentei, retirando da cadeira as penas e peguei o que parecia ser talvez uma torrada, mas apesar da aparência suspeita era bastante saborosa. Julian terminou por primeiro e logo jogou um casaco vermelho por cima da roupa preta de listras e foi nos esperar lá fora.

Ela parecia um cavalheiro mirim...que poderia lhe fazer gritar dias a fil....

– Aonde estamos indo? -perguntei curiosa, enquanto Penélope armava uma sombrinha de rendas, mesmo estando tempo nublado.

– Você precisa se localizar -então olhou para o jardim e suspirou -Olhe para isso Julian, estamos morando em uma mata.

– Mirion sumiu, ele que cuidava disso tudo -argumentou o garoto bagunçado os cabelos castanhos.

– Vi no jornal, que ele foi pego pelos garotos do norte...todos sabem, não se meta com magia negra, mas a curiosidade é mais forte.

Seguimos para o centro, onde os comércios estavam movimentados e as barracas na calçada parecim reluzentes mais do que ontem. Enquanto passávamos, não sei se Penélope estava chamando atenção ou seus olhos estavam focados em mim, mas de qualquer forma eu conseguia ouvir os sussurros

Paramos de frente para uma loja toda de vidro, com um mostruário de coisas bem interessantes. Ao entramos, o cheiro de incenso fez minha cabeça rodar por um milésimo de tempo, havia pentagramas, amuletos, filtros dos sonhos, taças de cristal e de ouro...tudo que eu não nunca pensei ter visto, mas mesmo assim sabia o que era.

– Madame Penélope, posso ajuda-la em alguma coisa? -perguntou um homem de idade já, ele usava um terno de veludo azul escuro e cartola, seus olhos foram para mim e ele sorriu, me obriguei a fazer o mesmo, notei que suas orelhas eram parecidas com as de um gato.

– Creio que sim, estava procurando algumas penas de corvos e um novo colar de ametista -o homem se iluminou e foi para os fundos da loja. Vendo minha careta confusa, Penélope sorriu enquanto mexia na arara de roupas fantasiosas -Necessito das penas para chã e o colar para uma magia leve.

– Caçadores de sonhos podem fazer magia?-perguntei sem saber dessa parte, ela assentiu enquanto segurava entre as mãos uma bola de cristal com algo flutuando dentro.

– Mas é claro, na verdade todos podem é só questão de saber onde está se metendo.

A deixei fazendo suas compras e fui procurar algo que me interessasse. Havia uma prateleira alta, com potes de vidro cheios de pequenas fadas que soltavam um brilho cintilante, era lindo de se ver e mesmo assim parecia cruel.

– Porque fazem isso com as pobres criaturas?-perguntei a Julian que estava perambulando por ali, olhando com interesse um amuleto grande em formato de lua.

– Apesar da aparência boa, elas são criaturas terríveis, por isso são melhores presas.

Cheguei mais perto, notando asas quase transparentes saírem de suas costa e quando mais ela as batia, mais pó colorido caia só seu redor. Ela virou seus olhos para mim e me mostrou seus dentes pontiagudos, certamente elas serviam mais como iluminarias.

– Então mocinha, se interessou por alguma coisa?-olhei para trás, onde o homem com orelhas de gato sorria para mim.

– É, ainda estou tentando achar algo -comentei, enquanto passava longe dos frascos de fadas. Ele subiu em um banquinho e puxou alguma coisa no meio de um monte de pedras fluorescentes.

– Isso -dizia ele descendo novamente e me entregando um colar, sua corrente era transparente e na ponta havia um pentagrama de cristal, que parecia refletir uma leve e suave luz azul -Eram usados em rituais wiccas por bruxas de magia branca, tem um ótimo poder de proteção.

Peguei o objeto, o sentindo formigar nas pontas do meu dedo. Eu conseguia sentir a magia fluindo dele, só estranhei do porque estar me mostrando.

– E para que o senhor acha que necessito?

– Dizem que sou um ótimo profeta e posso ver na sua aura jovem, você tem muitas sombras a cercando, se não souber se cuidar pode entrar em terríveis apuros.


Por fim sai da loja com um amuleto protetor, o coloquei no bolso da minha calça e ainda continuava senti-lo queimar minha pele. Segui Penélope e Julian um pouco atordoada, enquanto eles visitavam as barracas de flores que exalavam um perfume forte, e senti minhas sobrancelhas se arcando, quando perto de uma delas estava uma placa de “Radioativo”.



Então uma música me chamou atenção, era cantada por um coro de vozes e não conseguia entender o que eles estavam dizendo. Ao meu lado Julian ficou com os olhos arregalados de excitação e Penélope suspirou, enquanto um sorriso preenchia seus lábios brancos.



Antes que eu perguntasse o que estava havendo, um grupo de pessoas trajando roupas cheias de babados e listras nos cercaram. Eles cantavam e sorriam por trás de mascaras de verniz brancas, cheias de desenhos de lagrimas e sorrisos vermelhos. Eu me sentia em um sonho maluco, sendo cercada por uma bela melodia enquanto pessoas de olhares multicores pareciam flutuar a minha volta.


“ Você pode correr ou pode andar, mas onde estiver nos vamos lhe pegar” diziam soltando risadas altas e soltando piruetas, quando finalmente pareceram se cansar da minha falta de emoção, eles se espalharam pelas ruas, deixando os que passavam ali batendo palmas e outros de olhares brilhantes.

– É o circo, estão nos chamando para ver o espetáculo dessa noite -me contou Julian, enquanto tirava uma cartola da sua cabeça, que foi parar ali misteriosamente. Penélope estava sorrindo par nós, enquanto nos segurou pelos braços e nos fez dançar até sua mansão decadente.

– E claro que nós vamos, tenho minha apresentação para fazer e -ela agora olhava para mim, com o sorriso louco ainda em seu rosto -Um chamado em Egerver nunca se pode recusar.

Senti minha cabeça voltar a funcionar, como se tivesse ficado entorpecida por um tempo. Peguei o amuleto, encarando sua luz brilhante e depois ainda conseguido sentir a energia macabra, triste e estranhamente eufórica que aquelas pessoas pareciam fluir.

Era estranho, pois eu não conseguia exalar toda essa dose de emoção, era estranho pois por um momento, eu consegui me ver dançando fantasiada como uma noiva gótica no meio deles.

Mais estranho ainda, eu nunca tinha visto esse circo, não que me lembrasse, mas me sentia parte dele.