Dias Mortos

25: Os verdadeiros dias mortos



Tudo parecia menos assustador se assim posso dizer, a atmosfera sombria parecia menos densa que eu conseguia sentir, que algo no fundo da minha alma reconhecia esse lugar e agora que minhas memórias estavam de volta, eu tinha certeza de onde era meu verdadeiro lar.

E isso não soava nem um pouco horrível.

– Como vou fazer para tirar Kizzy do meu lugar! -exclamei com raiva, enquanto entravamos na escuridão do mausoléu, de volta para a cinzenta Egerver. Casper pareceu sorrir, enquanto passava seus braços sobre minha cintura, uma forma de dizer que tudo ficaria bem, mesmo que eu achasse que não.

– Temos primeiramente que entrar em sua fortaleza, isso não é coisa muito fácil -disse ele, enquanto saímos para o cemitério e uma lua esbranquiçada nos dava boa noite.

Eu sabia onde era a fortaleza, nada mais era que uma torre de pedras escuras cercada por arame afiados e árvores de folhas prateadas. Eu conhecia cada passagem secreta do grande salão ornamentado com rosas e uma fonte de vinho tinto, parecido com sangue, mas vai saber o que Kizzy fez com minha casa. Assenti com um sorriso cansado, enquanto sentia meus olhos arderem com a falta de sono.

– É tão bom ter minha idêntica...minha memória de volta -disse sentindo que eu poderia flutuar sobre o chão.

Casper sorriu também parecendo aliviado, deixando toda sua escuridão de lado por um momento, focando seus belos olhos apenas em mim.

– Estou feliz em saber que aceita ser quem é, não sabe o quão ruim foi ficar todos esses anos vendo-a sofrer e não poder fazer nada a não ser contemplar sua desgraça.

Lhe apertei em meus braços, talvez ele tenha sofrido ainda mais do que eu, enquanto ficávamos ali, na parcial escuridão apenas ouvindo os batimentos do coração um do outro, eu sorri para mim mesma.

– Daremos um jeito, eu terei o prazer de quebrar o pescoço de Kizzy -disse com amargura, me lembrando do que ela fez a Penélope, isso fazia meus dedos formigarem.

Casper sorriu, enquanto arcava uma sobrancelha para mim.

– Sentia falta desse seu desejo assassino, mesmo que o trabalho sujo sempre ficasse por minha conta -rolo os olhos, enquanto ele sorria, então deixou seus olhos escurecerem -Sabe, foram tempos horríveis trabalhar para Kizzy.

Foi minha vez de fazer uma careta.

– Você o trabalhou para aquele verme?

– Entenda que ela tinha poder sobre você, caso não fizesse o que ela mandava, a mesma poderia facilmente lhe arrancar a cabeça e talvez cumprir sua ameaça.

Senti meus olhos aos poucos se arregalarem, enquanto prestava atenção a cada palavra.

– Que ameaça seria essa?

– Arrancar minhas asas -quando ele disse isso, senti algo como triste e ao mesmo tempo um desejo louco por sangue se apoderar de mim, acho que ele sentiu a mudança pois segurou meu rosto em suas mãos e tentou sorrir -Hey, ainda as tenho não precisa fazer essa cara de assassina, não combina muito com seu rosto.

Tentei sorrir, mas acho que não deu muito certo. Ela tinha ido longe, muito longe e isso lhe traria mais um pouco de dor.

Eu estava mais do que preparada para enfrenta-la.


Enquanto caminhávamos de volta para a mansão vitoriana de Penélope, eu lhe perguntei o porque de me quase atacar ou me atormentar tanto, quando me viu pela primeira vez em Egerver.

Ele apenas sorriu para si mesmo.

– Você estava caminhando pela fronteira, se Kizzy soubesse disso ela não iria deixar barato e bem as distorções de mente...pensei que talvez conseguisse fazer você se lembrar de algo.

Tentei fingir uma careta de indignação, mas acabei rindo. Era bom saber que ele estava de uma maneira estranha, tentando me ajudar.

Quando chegamos até a mansão de Penélope senti meus olhos pinicarem, por culpa de Kizzy ela tinha perdido sua memória e seu filho, por isso que gostava tanto de Julian. Suspirei fundo, enquanto via a escuridão assombrosa da casa me sorrir.

– Quando iremos tramar contra Kizzy? -perguntei por fim me virando em sua direção, Casper nem mesmo pareceu pensar.

– Temos de ter permissão dos Inviskin, mas não se preocupe, você terá o que lhe foi roubado -ele chegou mais perto, selando nossos lábios em um rápido, porém singelo e ardente beijo, então piscou se afastando -Terá tudo, minha querida Lilith.

Então ele não era mais nada que uma sombra em meio as outras que parecia camuflar as casas. Sorri para mim mesma, enquanto subia os degraus, eu me sentia tão bobona que nem mesmo parecia que as vezes um sentimento de arrancar os olhos de Kizzy estava ali, mas estava, vivo e mais do que nunca sedento.

Me arrastei pelos cômodos bagunçados, subindo em silêncio pelas escadas e notando algo singular no corredor. Não havia sonhos, coisa estranha pois sempre Julian ou até mesmo Penélope parecia as vezes querer me arrastar para dentro de suas memórias. Tentei dar de ombros e voltar para meu quarto, mas o sentimento de que algo estava errado era mais desesperador do que qualquer coisa.

Abri a porta do quarto pertencente a Julian, mas estava vazio. Sua cama estava desfeita, com a janela aberta, fazendo as cortinas brancas dançarem como fantasmas raivosos. Notei que seu gato em estado “hipnotizado” estava jogado no canto, ele nunca andava sem ele.

Fiz uma careta, enquanto deixava a porta aberta e batia na porta de Penélope .Nada. Sem nem mesmo permissão entrei, estranhando o vazio do cômodo todo decorado em estilo vitoriano, com fotos de Penélope sorridentes pela parede de pintura dourada. Caminhei para mais próximo, onde uma moldura prata prendia uma nota no jornal.

“Cantora de ópera, se isola em casa depois de desaparecimento do filho”

Ela sabia que tinha um filho? Ou ela estava esperando ele apenas voltar....Engoli em seco, enquanto sentia a atmosfera ficar pesada e o perigo eminente se aproximar. Desci as escadas em pulos, quase tropeçando em meus próprios pés, enquanto via que as velas estavam todas acesas.

– Penélope! -gritei seguindo para a cozinha, mas ali nada havia. Voltei para sala com um medo crescente se espalhando por todo meu peito -Julian! Onde vocês se meteram!

Alguma coisa estava atrás de mim, senti o frio fazer meus dedos tremerem levemente e quando me virei, meus olhos se arregalaram e minha boca se partiu em um grito mudo de raiva e desespero contido. Estava ali na parede, escrito em sangue ainda quente:

Está chegando a hora, pena que não estará viva para ver o final.

Então os sinos badalaram me fazendo pular sobre meus pés, a gritaria e cheiro de coisas queimadas chegaram até meu nariz, por um momento deixando minha cabeça entorpecida. Tropecei até a janela, olhando para onde os moradores de Egerver saiam correndo de suas casas, enquanto seres altos e muito magros, com presas brilhantes lhe atacavam, parecendo sugar tudo que havia dentro deles.

O relógio de onde os sinos badalavam, marcavam exatamente meia-noite. Me afastei com horror, sentindo minha boca ficar seca, enquanto os gritos e o cheiro da morte me rodeavam.

Então era isso, a lua azul havia começado e dessa vez não era nenhuma distorção de mente.