Dias Mortos

14: O poeta maldito e o poema do garoto morto


Adentramos em uma sala de madeira, com um antigo papel de parede escuro e uma candelabro de cristal acima de nossas cabeças. Havia uma mesa de carvalho antiga, empoeirada e cheia de papeis, logo atrás estava Sr.Priam.

– Olá garotas, o que posso fazer por vocês?

– Kizzy está um pouco deslocada, acho que necessita de alguém para conversar.

Ele retirou sua cartola e sorriu, Zora fez um gesto de positivo e nos deixou sozinhos. Sr. Priam pigarreou, enquanto esticava as mãos ossudas e cheias de anéis acima da mesa e me dava um olhar sonhador.

– Então Kizzy, o que posso fazer por você?

– Antes de vir para Egerver a chamado de Penélope, eu vivia em um sanatório, mas não tenho memórias antes disso. Quando cheguei aqui, coisas muito estranhas começaram acontecer, gostaria de saber se alguém já viu meu rosto nessa cidade, quem é Felícia ou até mesmo me ajudar a recuperar as minhas memórias.

Ele suspirou enquanto se levantada fazendo suas botas rangerem no chão polido de madeira, se serviu de uma taça de algo vermelho então se voltou para mim.

– Desculpe desaponta-la, mas nunca vi seu rosto por essas bandas e enquanto a Felícia bem, ela era uma dançarina da trupe. Algum tempo atrás, ela estava obcecada pelas turmas do norte, mexendo com o que não devia -seus olhos se sombrearem enquanto ele parecia voltar no tempo -Magia negra, Felícia era uma boa pessoa, mas desde que começou a ficar cutucando isso...ela se transformou em um monstro, capaz de tudo para conseguir o que queria.

Certa vez estávamos em uma apresentação, me lembro como se fosse ontem....tudo estava lotado, crianças, idosos...todos sorrindo esperando a grande Felícia Desmund se apresentar. Mas ela não apareceu, achamos-a enforcada em uma árvore na fronteira, com uma carta entre os dedos, ela dizia que amaldiçoava cada dia, cada pessoa que estava junto a ela nesses anos, principalmente sua família.

Então ouve um incêndio, nesse mesmo circo...disso não me lembro muito bem, só sei que metade dos que estavam aqui morreram sufocados e queimados, dizendo que isso se tratava da maldição da garota...talvez fosse, mas também podia ser investida dos povos do norte, naquele tempo estávamos em rixa. Essa por fim é a história de Felícia, seduzida pelos encantos da magia negra, ela se deixou levar....levando consigo todos aqueles que a queriam bem e matando o que não conseguiu arrastar para o submundo.

Felícia Desmund....Desmund....esse nome rodava na minha cabeça, queimando e gritando por qualquer lembrança, mas nada vinha além de um sopro frio do esquecimento. Mas ao menos era algo que eu poderia pesquisar.

– Obrigada e desculpe-me se lhe fiz reviver pensamentos ruins -disse enquanto me levantava e o deixava com um sorriso triste.

– Tudo bem jovem, isso é algo que não se pode esquecer.

Me sentia mal, um sentimento estranho de perda e pena das pessoas que estavam no circo aquela noite. Caminhei sem destino pelos corredores do circo, sabendo que algum lugar teria de chegar. Mas onde meus pés me levaram, me causarem surpresa e espanto.

Era algo parecido com um gabinete, com uma porta entre aberta com apenas uma luminária pendendo do lado de fora. Estiquei minha cabeça para dentro do lugar escuro, que tinha cheiro de muitas coisas antigas e cera de vela, não conseguia ver o que tinha do lado de dentro, apenas sabia que me deixava curiosa.

– Mocinha, irás entrar ou ficará espionando do lado de fora-me sobressaltei, retirando rapidamente o rosto da porta para encarar o homem...diga-se velhinho logo atrás de mim. Ele tinha uma longa barba branca, olhos fundos cinzentos e uma pele pálida flácida de encontro a vela que trazia junto ao rosto.

– Me desculpe Sr. não era minha...

– Tudo bem, poucas pessoas vem me visitar...entre -estranhei de primeira, mas quem sabe ele poderia me dar respostas. O segui para seu gabinete, enquanto a porta se fechava em silêncio atrás de mim, agora com um pouco mais de luz eu conseguia ver melhor o lugar.

Se parecia com uma caverna rochosa, cheia de livros empilhados, uma mesa com cadernos de couro, tinteira e pergaminhos que iam da mesa ao chão. Havia muitas velas em pontos estratégicos, que deixavam uma ambientação quase agradável.

– O lugar é bem...criativo -disse, enquanto ele arrastava seu manto até uma cadeira simples de madeira, e esticava os braços acima da mesa me mostrando uma pedra para me sentar.

– Sim...sim, cavernas são estimulantes de criatividade.

– Então, o que o Sr. é? -perguntei, enquanto ele escrevia alguma coisa, o mesmo por um tempo não respondeu, então olhou para o nada.

– Sou o poeta, o Sr. dos contos e do imaginário -então voltou seus olhos para mim -Alguns me chamam de maldito.

– Sou apenas...Kizzy.

– Sei quem você é -na hora em que ele falou isso, quase saltei da pedra, tentei não parecer surpresa, mas acho que não deu muito certo.

– Sabe! Por favor, me diga o que sabe!

– Não! -sua voz era rouca e firme -Isso é a sua jornada, terá de percorrê-la sozinha a única coisa que posso lhe dizer é que seu nome está na profecia.

Eu estava tão confusa e o Sr. a minha frente não me ajudava em nada.

– Que profecia?

– Além da morte -sussurrou em um suspirou baixo, então pareceu procurar algo em meio a seus papéis antigos -Leve isso com você, são dois poemas e quero que leve um deles ao cemitério, no túmulo da garota Felícia.

Peguei de suas mãos tremulas, me levantando e lhe fazendo uma leve careta.

– Porque? Alias, conheceu Felícia?

– Hó sim, ela era uma grande aprendiz de escritora, pena que ficou louca...gostaria que levasse ao seu túmulo, apenas como uma mensagem para que sua alma permaneça em paz.

– E o outro?

– Esse é do porque me chamarem de maldito, é sobre um garotinho inocente que fora engolido pelas sombras, acho que irá descobrir algumas coisas nele.

Assenti em positivo, enquanto ele voltava para seu mundo antigo. Sai para fora, olhando com interesse para as duas folhas, a primeira tinha um titulo chamado: Dias Mortos

Lembra-se daqueles dias, negros eram as nuvens

Onde cantava para todos, que lhe olhavam com admiração

Dançando no êxtase dos dias mortos

Querendo, chamando toda atenção

Bela dama de negro, que agora baila sobre túmulos

Cantando no sepulcro eterno sua solidão

Procurando um modo de reverter o que foi feito

Queimando em raiva, clamando por redenção

Mas jamais será perdoada

Até que os sinos enfim badalem a hora tão aclamada

Vingança sede sua alma, inquieta e mal amada...

Eu me sentia transportada para o tempo de Felícia, sentindo toda sua infelicidade por um garota que nem mesmo conhecia. Então peguei o outro papel, olhando as letras borradas e mesmo assim me abalaram.

Sua inocência não fora perdoada

Jovem alma, delicada e pacata

Todos choram sua perda

Ele fora um belo sacrifício

Hó garoto morto! Agora jaz intocado

Banhado nas lagrimas de sua jovial mãe

Tudo parece por fim acabado

Emoldurado em poesia, para jamais ser esquecido

Talvez ele sorria para as estrelas

Brincando e cantando....

Chorando por si mesmo a balada do garoto morto

Para sempre agora, adormecido.

Então eu estava chorando, lagrimas quente rolavam pelo meu rosto enquanto abracei as folhas contra mim. Eu sentia e sabia, existia toda uma ligação nas duas histórias, no meio disso tudo uma profecia em que eu era talvez a chave mestra.

Mas a onde era afinal o meu papel?