Dias

único


Quando o vi pela primeira vez foi na estação de trem, era noite e fazia muito frio, as paredes de cimento tinham as luzes projetadas que saíam dos vagões. Ele me viu, pareceu-me frustrado por não ser o único e voltou a subir a escada do pedágio. Sua imagem ficou na minha mente e passei a inventar histórias, uma delas era de que aquele rapaz loiro e de sobrancelhas enroladas iria saltar em frente de um trem, mas mudou de ideia depois de me ver.

Pensamento horripilante e não tinha como pensar diferente porque com o pouco que lhe vi, notei seus olhos azuis sem vida alguma.

A segunda vez que o veria seria numa festa a céu aberto com um pessoal que tinha uma vida muito diferente da minha. Ao contrário deles que podiam beber em volta de uma fogueira, eu precisava correr atrás de dinheiro se quisesse ter ao menos algo para comer.

Nesse encontro soube que seu nome era Sanji e assim como eu, ele ficava na sua como se sua alma se separasse do corpo e vagasse por aí. Ele tinha uma bebida em mãos e aparentava que não estava a fim de abrir o lacre para beber.

— Não vai beber? — Perguntei depois de juntar muita coragem para ir até ele. Por mais que fosse triste, era um rapaz bem bonito.

Seus olhos azuis piscaram e ele se levantou do canto que arrumou para ficar longe de todos da festa. Pensando agora, acho que fui o único que notei sua presença até aquele momento.

— Seu cabelo é verde de verdade?

Inesperadamente, Sanji ficou intrigado com o meu cabelo.

— Claro que não!! — Exclamei achando que era óbvio que não. — Eu pintei, pô! Ninguém nasce com cabelo verde.

— Ah, pensei que se fosse natural justificaria o motivo de ele ser assim, mas pelo visto é por vontade própria que estraga o cabelo.

O tom da sua voz foi o mais debochado e nojento que já havia escutado na vida. Aquele rapaz frágil que encontrei na estação pronto para se matar estava me provando um verdadeiro pé no saco. — Hum... talvez para você seja possível nascer alguém com cabelo verde quando tem essa mutação horrível aí nas suas sobrancelhas.

Nós saímos na porrada e tiveram que nos separar, mas depois de me encher com aqueles filhinhos de papai, resolvi deixar a festa. Eu só não esperava que Sanji pediria carona a mim e agarraria tão firme minha cintura enquanto andávamos de moto.

Perguntei onde era sua casa e ele não me respondeu, apenas apertou mais firme minha cintura. Naquela altura, agradecia por estar de capacete, porque tenho a certeza de que até as pontas das minhas orelhas estavam rubras. Por mais que o sobrancelhudo fosse um sem educação, ele era bonito.

Talvez meu pau já estivesse duro e nem havia notado.

Pensava por que resolveu subir na minha garupa, eu havia lhe xingado bastante durante a discussão e, bem, tudo indicava que ele havia me achado também bonito. Mas só fui saber quando parei na praia e nos sentamos na areia para observar o mar. Os postes da orla ajudavam na iluminação, assim como também as manchas distantes de carros, prédios, semáforos ao redor da praia. O horizonte era o mar com ondas batendo forte.

— Você me assustou quando me perguntou se iria beber ou não a lata de cerveja. — Disse ele, de repente.

Eu pisquei os olhos. — Ah, eu tenho uma voz grave, me perdoe, não queria te assustar.

Depois que passei pela puberdade, tenho o hábito de assustar as pessoas quando as abordo do nada com alguma pergunta.

Sanji riu. — É bem profunda mesmo, mas não foi esse o motivo.

— Então, qual foi?

— Eu estava com a mente longe quando você chegou perto e me assustei em ver que era o mesmo rapaz da estação...

— Ah, é verdade. Eu cheguei perto mesmo pensando que você não fosse me reconhecer...

— E, então, aquele pessoal era um porre e quando vi que você estava indo embora, resolvi pegar carona.

— Ham... só por causa disso???

Ele não me achou bonito?

— Ah, não é motivo o suficiente? Você achou o que? Que eu me apaixonei por você? — Meu rosto ficou rubro e Sanji começou a gargalhar — Mal te conheço...

Eu fiz um bico, mas suavizei minha expressão logo. — Você rindo assim é menos insuportável... me diga, sobrancelhas, por que estava triste? Ou só estava mesmo achando a festa um porre?

— "Sobrancelhas"? — Ele me pareceu bravo, mas responder minha pergunta lhe pareceu mais importante do que discutir comigo. — Eu acho que tenho apatia, tudo tá meio sem graça... — Ele parou e eu pensei em dizer algo, mas ele retomou a falar. — Bem, estou mesmo mentindo... o motivo é mesmo outro... eu acho que subi na sua moto porque pensei em fazer algo doido...

— E não há nada mais doido do que subir na moto de um desconhecido que lhe xingou de tudo que é nome.

Ele riu. — Eu gosto de pensar que subi na moto do único cara que veio falar comigo numa festa idiota.

— É, olhando por esse ângulo... — Nós rimos. — só me tire mais uma dúvida...

— Hum...

— O que fazia na estação aquela noite?

— Ah, eu sempre fiquei pensando se te ofendi naquela noite, porque eu saí assim que te vi como se você fosse um ladrão...

— Nossa, isso nem passou pela minha cabeça.

— O que passou na sua cabeça?

Eu desviei o olhar com a mão na nuca, pigarreei. — Você estava com um olhar muito triste, não sabia ainda que era apático, dai pensei que você fosse saltar em frente de um trem.

Sanji demorou mais que o habitual para me responder. — Eu ia mesmo fazer isso... lembro que olhei ao redor e pensei que, como não tinha ninguém, era o momento perfeito, mas você surgiu...

Embora eu já imaginasse que o motivo era esse, ainda assim senti um calafrio e um pensamento surgiu na minha cabeça: eu precisava ver Sanji nos demais dias.

— Sobrancelh-

— Meu nome é Sanji.

Pisquei os olhos por não termos nos apresentado ainda. — Eu sou Zoro.

— O que queria me dizer?

— Será que posso te ver todos os dias?

— Como se fossemos namorados?

Eu ri. — Pode ser, topa? Me parece uma loucura maior do que a de andar na moto de um desconhecido que lhe xingou de tudo que é nome.

— E justamente o que veio falar comigo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.