Dia de Chuva

carinho despercebido


O dia estava nublado. Estranhamente, era nesses dias em que gostava de sumir do rastro dos outros da caçada e se esconder em algum lugar para apreciar o tempo.

Não fazia diferença, para si, se choveria ou não. Gostava da água, e banhos de chuva faziam parte da sua vida desde tão cedo que, realmente, pararam de ser um incômodo.

Então, mesmo que fosse o final da tarde e o vento já começasse a soprar mais forte, arrepiando seus braços, gostava de ficar ali.

Até porque, todos precisavam de seus momentos reflexivos. E Asin, em específico, precisava deles sem qualquer tipo de companhia.

— Não vai mais treinar?

A pergunta repentina o fez abrir os olhos e tensionar a postura. A posição de Lótus em que estava por pouco não se desmanchou, e já tinha uma resposta ácida na ponta da língua, até virar o rosto e encontrar quem havia ido perturbar seu momento de paz.

— Ah, é você — murmurou, respirando fundo.

Lire franziu minimamente as sobrancelhas, estranhando a situação.

— Vai pegar um resfriado se ficar aqui fora, Asin. Se não quiser treinar, pelo menos fique dentro do prédio.

— Não precisa se preocupar comigo — ergueu os olhos para o céu, que ficava mais acinzentado a cada momento. Realmente, iria chover, e certamente seria uma chuva forte. — Aliás, como me achou aqui?

Reparou como Lire hesitou por um momento antes de dar mais um passo em sua direção e também olhar para o céu.

— Eu venho aqui quando quero silêncio… — a elfa respondeu, e o que seria uma resposta serena e tranquila para qualquer outra pessoa do grupo, para si era apenas um murmúrio contrariado, como se ela não estivesse confortável de se abrir para ele.

O que, sem dúvidas, era muito estranho, já que Lire costumava ser uma das únicas que Asin evitava incomodar.

— Sem gracinhas hoje? — ela inquiriu, e não pode deixar de soltar um riso soprado, vendo quando ela estremeceu com uma rajada de vento mais forte

— Eu até poderia, mas qual a graça de te provocar? Se a nossa liderzinha me ver perto de você, já solta os cachorros para me atacar

Lire fechou a expressão, assumindo a que ela geralmente usava para repreender Arme ou Elesis quando as duas passavam dos limites. Asin pressentiu a bronca antes mesmo da elfa falar.

“Não fale dela desse jeito”.

— Não fale da Elesis desse jeito, Asin.

Não deixou de dar uma risada cretina, apenas porque era mais fácil daquele jeito. Tirar as defesas? Nunca.

— Que seja — deu de ombros, e viu Lire estremecer outra vez.

Mais alguns minutos e começaria a chover.

— Não vai sair daqui se eu não for com você, não é?

— Temos coisas importantes para fazer amanhã, você não pode ficar doente agora.

Aquilo era uma resposta evasiva? Lire poderia muito bem apenas deixar que fizesse o que queria e depois deixar que Elesis gritasse consigo por ser irresponsável — coisa que, aliás, já havia acontecido vez ou outra por causa das chuvas, mesmo que Asin nunca tivesse adoecido por causa delas.

Por quê ela simplesmente não ia embora?

Mais uma rajada de vento, Lire abraçou a si mesma, tentando se aquecer. Asin encarou a cena por alguns segundos antes de bufar, impaciente, e se levantar. Alongou as costas com calma, aproveitando o vento frio que tanto gostava antes de olhar para a elfa com uma sobrancelha erguida, só então reparando na roupa simples e leve de treino que ela usava. Claro, era por isso que o vento a incomodava tanto.

Naquele ritmo, seria ela a ficar doente. Sorriu, o mesmo sorriso de olhos cerrados que dava quando queria convencer Jin a alguma coisa. Só o Iluminado caia nele, mas era bom ver as pessoas receosas de suas intenções.

— Vamos, Veterana Lire. — Chamou, estendendo o braço em um gesto cordial para acompanhá-la quando sentiu as gotas da garoa que começava a cair e se intensificaria em pouco tempo.

Se Lire não quisesse ficar doente e evitar preocupar Elesis e Arme, aquele seria o momento de voltar ao prédio.

— Por quê está sendo gentil? — Ela não aceitou sua oferta, empurrando seu braço com delicadeza. Lire também não era ríspida, era simplesmente curiosa, como se não entendesse o comportamento dele.

— Não sei do que está falando, Veterena Lire — começou a andar, deixando o tom malicioso mais acentuado na voz, mesmo que não tivesse razões reais para aquilo. — Alguma vez já fui mal educado com você?

— Comigo não, mas… — Ela desistiu de falar seja lá o que fosse falar. Ouviu ela bufando, resignada, antes de começar a andar.

Asin fechou os olhos por um momento, satisfeito e incomodado ao mesmo tempo. Lire não ficaria doente, então não teria nenhuma culpa sobre si, mas perderia um banho de chuva que estava querendo há semanas só para não ter que ouvir Elesis gritar consigo.

Aquilo era ser responsável? Não queria.

Um trovão ressoou no mesmo instante em que passaram pela porta do prédio, e Asin se virou a tempo de ver a chuva começar a cair, violenta, fazendo aquele cheiro de terra molhada que o guerreiro aprendeu a gostar subir e deixá-lo com vontade de ceder e apenas deitar na terra.

Lire pigarreou, chamando sua atenção, e abriu um sorriso cretino ao vê-la junto de Arme, que tinha os braços cruzados e a expressão emburrada. Ergueu os braços em sinal de rendição e correu até as escadas, subindo enquanto escutava Arme gritar um “ei! você tem tarefas para fazer”

Arme bufou, inflando as bochechas e prestes a gritar para repreender o moleque, quando Lire abriu um sorriso terno e negou com a cabeça.

— Deixe isso passar hoje, Arme. Não tem tanto a ser feito.

— Vai defender ele, Lire? — a maga reclamou, batendo um pé no chão, indignada. — Ele nunca faz nada! Será que a Lothos deixa a gente expulsar ele?

Lire riu, cobrindo a boca com as mãos e balançando a cabeça. Segurou um dos braços de Arme e a guiou pela casa até a cozinha.

— Você teria que lidar com Jin te perguntando sobre isso. Vem, deixe Asin quieto hoje. Vamos ajudar Ronan com o jantar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.