John Hamish Watson era um soldado.

Viu coisas que ninguém deveria ver. Sentiu o que ninguém deveria sentir. Fez coisas que ninguém deveria ser obrigado a fazer.

Segurou uma arma em suas mãos – mãos que deveriam ser feitas pra curar. –, viu o medo e o desespero nos olhos de todas as pessoas a quem apontara sua arma, e ouviu a frase "Faço tudo o que quiser" por pessoas que tinham medo demais de morrer. Sabia, melhor do que muitas pessoas, que essa frase é sempre sincera em momentos que se pode sentir a morte se aproximando.

Tinha esse poder na arma em suas mãos. Tinha o poder de ditar as regras desse jogo, mas ele não queria jogar. Não queria ter esse poder. Não queria ter que segurar aquela arma.

O campo de batalha era cruel e ele sentia o medo de quem ficava do outro lado da linha tênue entre uma vida e outra. O mesmo medo que refletia em seus olhos quando escutava um tiro muito perto, ou o grito de um companheiro ferido. Ele tinha que tirar vidas quando o que mais queria era salvá-las.

Havia sempre sangue, areia e suor. Paredes pareciam ser derrubadas em suas costas e o peso de tantas mortes parecia o sufocar a cada noite naquele país estranho. Por que tinham que matar tantas pessoas? Por que tinha que fazer aquilo?

Sabia, no momento em que levara aquele tiro no ombro, que havia perdido todo o controle. O sol ofuscava sua visão e ficou aliviado com a possibilidade de morrer e deixar tudo aquilo pra trás. Mas ele não morreu. Foi obrigado a voltar ao seu país com aquela sombra do que havia se tornado.

Havia perdido uma parte do que já fora naquele campo de batalha. Uma parte de si fora arrancada sem que pudesse fazer nada. Com ele apenas voltaram cicatrizes, pesadelos, manchas de sangue invisíveis, gritos e barulhos de tiros que apenas ele ouvia.

A madrugada virara sua conselheira e pior inimiga. Tinha medo de dormir e voltar para aquele lugar. Tinha medo de voltar a ser o que era quando estava ali, e mesmo assim sua pistola continuava em sua gaveta. Porque aquele homem já fazia parte do que era. A guerra fazia parte de quem ele era agora.

Podia não ser mais um soldado. Podia não estar mais naquele lugar, mas ele nunca poderia esquecer. Nunca poderia se livrar daquilo que havia se tornado.

John Hamish Watson nunca poderia deixar de ser um soldado em sua alma.