Sentada naquele banco na estação de trem, eu comecei a ter pensamentos estranhos. Comecei a achar estranho o jeito como a gente guarda as lembranças. Nós costumamos sempre á lembrar apenas as coisas ruins e acabamos esquecendo as coisas boas. Eu, por exemplo, só conseguia me lembrar das coisas ruins. Por um momento me senti culpada por isso, resolvi então lembrar tudo de bom que já havia acontecido comigo. Todas as minhas lembranças boas incluíam a minha mãe, afinal de contas, eu nunca á esqueci nem por um dia, porque ela era a minha mãe e eu era á sua filha e ela me amou o quanto pode. Realmente é preciso ter um coração enorme e para me dar o tipo de amor que recebi dela. Foi aí que eu finalmente percebi que nunca iria me conformar com o fato dela estar presa, eu tinha a certeza absoluta de que jamais iria ser feliz novamente sem ela na minha vida. Eu lembrava tão claramente de quando ela penteava os meus cabelos toda noite, me dava um beijinho e sempre se assegurava de que eu realmente estava bem coberta antes de sair do meu quarto e ir dormir. Acho que foi por isso que chorei tanto quando cortarão meu cabelo, era simplesmente uma parte da minha vida sendo cortada, era como se fosse uma despedida. Lembro-me também que era bem pequena... Tão pequena que nem via a borda da mesa, me lembro de como me sentia enorme quando pulava dos degraus da escada. Também me lembro de como costumava me sentir sozinha, a minha mãe dizia que era tudo besteira, que eu estava “trancada num mundo perfeito”, mas eu não conseguia ver muita graça nas coisas da minha sala. Eu só conseguia pensar que poderia estar fazendo tantas coisas emocionantes em vez de ficar sentada no chão da sala colorindo o meu futuro.
Uma lagrima involuntária escorreu meu rosto, eu á sequei e afastei aqueles pensamentos.
Olhei em volta e percebi que já era de noite, o movimento da estação era bem menor. A estação fecharia logo e eu não fazia ideia de para onde ir. Uma ideia maluca me passou pela mente. Eu me levantei daquele banco e corri para o banheiro feminino. Sim, eu teria que passar a noite escondida lá.
Realmente não estava nos meus planos dormir no chão imundo do banheiro feminino da estação de trem, mas eu já havia passado tanta coisa que já nem me importava mais com o quão ruim a situação parecesse estar. Naquela noite eu consegui dormir. Não necessariamente bem, nem confortavelmente, mas dormi. E o mais importante: Eu sonhei. Foi um sono bem rápido, acho que dormi por umas três horas, mas foi o suficiente para um pequeno sonho que mudaria tudo. Sonhei que estava caminhando por uma rua, parei na frente de um portão preto e li as palavras pintadas em letras elegantes: Colégio Mr. Greg Jones.
Quando acordei ainda estava escuro. Saí do banheiro e comecei a andar pela estação. A estação estava vazia, escura e sombria, meus passos ecoavam dando um ar extremamente assustador, mas não senti medo, depois de tanto tempo trancada no escuro já não sentia mais medo de nada. Eu sentei em um banco qualquer e contei o dinheiro que ainda me restava. Realmente era pouco, muito pouco, daria para sobreviver por mais uns dois dias. Eu precisava roubar novamente. Senti-me suja com aquele pensamento, mas era necessário. Lembrei-me da Senhora que havia me vendido as passagens de trem e então comecei a procurar uma daquelas cabines de bilhetes. Tive que rodar á estação quase toda para achar uma. Quando achei não perdi tempo, abri a minha mochila, peguei a arma e atirei uma vez contra o vidro que se estilhaçou num estrondo. Pulei uma das janelas quebradas tomando cuidado para não me cortar, peguei todo o dinheiro e saí. Para o meu azar cortei a palma da minha mão enquanto pulava para sair, foi apenas um corte superficial, mas mesmo assim ardeu. Coloquei o dinheiro na mochila e voltei para o banheiro. No banheiro, lavei a minha mão cortada e aproveitei para me limpar novamente, pois já estava suja de novo. Saí do banheiro e comecei a procurar uma saída. A estação parecia um labirinto, então não foi uma tarefa fácil. Depois de muito procurar achei uma janela, tratei logo de quebra-la com um tiro. Guardei a arma e pulei aquela janela, foi meio difícil pular a janela com a minha mão machucada, mas eu consegui.
Lá fora comecei a andar perdidamente palas ruas escuras. Eu não conhecia aquela cidade, não tinha ninguém na rua para me ajudar, eu estava realmente muito perdida e para o meu azar uns caras estranhos estavam na esquina da estação de trem. Eles pareciam drogados ou sei lá.
– Olhem só. O que uma garotinha bonitinha faz na rua sozinha uma hora dessas? – Perguntou um deles pra mim.
– Não é da sua conta, idiota! – Eu disse já procurando o zíper da minha mochila.
– Você pensa que está falando com quem? – Um cara grandalhão começou a vir em minha direção.
– Se afaste, eu estou avisando! – Eu disse já com a arma na mão. O cara hesitou por um momento, mas não parou.
– O que você pensa que vai fazer com isso? – Ele disse debochado. – Me dá essa arma antes que você se machuque garota!
– É você que vai se machucar, otário! – Eu disse o ameaçando.
– Vamos ensinar uma lição pra essa vadia galera! – O cara disse e os outros homens começaram a se levantar.
Eu comecei a ficar apavorada, eu não sabia o que fazer, eles não se intimidavam com a minha arma... Então eu nem pensei direito quando apertei aquele gatilho.
– AI MEU DEUS, O QUE ESSA PUTA LOUCA FEZ? – Gritou um dos caras olhando para o chão.
Eu olhei para o chão e vi o que eu tinha feito. Eu matei o cara, ele estava sangrando muito naquele chão frio da rua.
Eu entrei em pânico, não conseguia nem me mover. A essa altura todos os caras já tinham desaparecido, eles correram e deixaram o “amigo” deles lá morto no chão. Eu sabia que tinha que correr também ou iria ser pega. E ir presa por assassinato e roubo não estava na minha lista, não escapei de uma prisão pra ir para outra!
– Me perdoe... – Eu murmulhei fechando os olhos. – Eu não sei o que... – Não consegui terminar, pois comecei a ouvir sirenes ao longe. – Eu tenho que ir! – Disse e comecei a correr.
O barulho de sirenes era ensurdecedor, estava cada vez mais perto. Parei em uma esquina escura e guardei a arma, ela estava um pouco suja de sangue assim como as minhas roupas, mas eu não tinha tempo. Eu tinha que me esconder rápido. Comecei a correr e a procurar qualquer lugar para entrar só enquanto os policiais patrulhavam a área. Com certeza eles iriam achar o corpo e já começariam as rondas á procura de suspeitos.
Não conseguia achar nenhuma brecha para entrar, estava tudo trancado e escuro, então nem pensei duas vezes antes de pular dentro de um bueiro. O cheiro era insuportável e tinha ratos para todo lado. A minha sorte é que a “água” só batia até os meus tornozelos, molhava o meu All Star branco inteiro, depois eu iria ter que trocar.
Os pés estavam batendo forte lá em cima, eu ouvia o barulho das botas de couro dos policiais ecoando pelo esgoto inteiro. Aquilo tudo era meio assustador de mais, eu tive que parar para colocar os pensamentos em ordem e não surtar dentro daquele esgoto.
– O que foi que eu fiz... – Eu sussurrei para mim mesma.
A cena começou a passar na minha cabeça. Eu estava lá novamente com aquela arma na minha mão atirando naquele cara, tudo bem que ele não era uma das melhores pessoas do mundo, mas mesmo assim me sentia extremamente destroçada pelo que eu fiz. Eu imaginei a cara da mãe dele quando soubesse que o filho tinha sido assassinado, imaginei também os portões do paraíso se fechando para mim por eu ter infringido dois dos dez mandamentos divinos.
Isso com certeza não era o que a minha mãe queria para mim. O que será que ela diria quando soubesse que a sua princesinha agora era uma assassina e uma ladra? Minha mãe iria ficar decepcionada quando descobrisse no que eu tinha me transformado, mas agora não tinha mais volta, não tinha outro jeito. Eu teria que roubar e matar gente para sobreviver, porque o mundo pode ser bem cruel com uma garota perdida, eu ia ter que ser cruel também. A vida é assim, é matar ou morrer, eu teria que jogar conforme o jogo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.