- Já disse que não quero nada! – dizia uma irritada Beatrice, de braços cruzados e sobrancelhas franzidas.

- Não se vive de nada, Beatrice! – dizia Sunny, empurrando a tigela de mingau de aveia com baunilha e amora para perto da menina mais nova. – qual é o seu problema?

- Não tem problema! Eu só não quero nada! – dizia a menina, cada vez mais irritada.

Sunny soltou um suspiro exasperado e se sentou na cadeira. Em seguida Klaus entrou na sala lendo um livro pequeno. Suas roupas estavam desarrumadas e somente parte da camisa estava dentro da calça, ele estava de meias e sem sapatos.

- Klaus! – disse Sunny, chamando a atenção do irmão. – Beatrice se recusa a comer!

- O que? Por quê? O mingau de Sunny é muito bom. – Klaus provou um pouco do conteúdo da tigela de Beatrice, pescando uma amora. – Aliás, vou querer um pouco também.

Beatrice olhou com fome a tigela, mas não deu o braço a torcer.

- Não vou comer. – disse ela – Helga disse que sou gorda.

Aquilo não era, em todo o caso, verdade. Beatrice era uma garotinha loira e rosada, com grandes olhos azuis e muita bochecha, onde habitavam duas covinhas. Ainda tinha um pouco de gordura infantil, afinal ela tinha não mais que oito anos, mas não podia ser chamada de gorda.

- Quem é essa Helga? – perguntou Klaus, um tanto surpreso.

- Helga é uma garota que tem aulas com a gente. Ela tem dez anos, como eu. – disse Sunny – não entendo porque ela te chamou de gorda, ela pareceu uma pessoa legal. Você não é gorda.

- Realmente, eu diria até que Beatrice anda magra demais. – disse Klaus com um sorriso – na idade dela Sunny era mais fofa, mesmo com tudo que passamos.

- Mesmo? – perguntou a pequena, parecia envergonhada.

- Mesmo, mesmo. – confirmou Sunny. – coma seu mingau, e coma tudo. Klaus, pare de comer as amoras de Beatrice! Vou fazer uma tigela pra você. E vista sapatos, sua camisa também está toda tora. Onde está Violet?

- Estou aqui! – disse Violet, entrando rápido na sala. – Sunny! Tive uma ideia durante a noite, fiz uma estufa na clarabóia! Peguei um panos negros que achei no sótão também e usei para fazer uns postes pra captar calor. Fiz umas prateleiras também, então você pode acomodar os vasos de seus temperos ou frutinhas.

- Violet de volta a ativa, isso é ótimo. – disse Klaus, roubando mais uma amora de Beatrice, que estava distraída.

- Realmente. – concordou Sunny.

- Isso é mingau? Ah, eu adoro amoras. Sunny, eu já disse que te amo?

- Violet, sente e coma. Me elogiar não vai aumentar sua porção. – respondeu Sunny.

- Ah. – Violet fez uma cara tão decepcionada que Beatrice soltou uma risadinha.

Eles terminaram o café e foram até a mansão, novamente de taxi. Foram recebidos pelo mordomo Humbert, que os saldou com um sorriso frágil e simpático. Alice não estava em lugar algum, então eles foram direto para as salas.

Naquele diz Klaus e Violet teriam aula de herbologia na estufa da mansão. Os Quagmire estavam lá, assim como Ella, Sirius e Marta. Sunny e Beatrice foram para a cozinha, onde encontraram seus colegas, inclusive Helga, uma garota alta e magra, com um nariz um tanto torto e um cabelo liso loiro-palha. Ela tinha uma expressão azeda e estava sempre acompanhada de Theodora, uma garota com cabelos negros indomáveis que mantinha sempre um capacete na cabeça.

- Hoje vamos estudarrrr como mandarrr mensagens via comida, crrrrianças. – disse a professora Cornélia, seu forte sotaque não era definido, mas parecia russo. Ela realmente parecia uma russa, com olhos claros demais e cabelo quase branco. Era bonita, sobretudo. – alguém aqui ter alguma exxxperiência com esses tipos de mensagem?

Sunny tinha, mas não se pronunciou. Ela aprendera que se destacar quase nunca era bom, ainda mais quando era por algo que você sabia fazer e os outros não. Talentos podem causar inveja, coisa que ela tentava evitar ao máximo.

- Eu sei, professora. – disse Helga, mais alto do que era preciso na cozinha onde se encontrava somente cinco pessoas. – esse era o talento da minha mãe. Ela era incrível, era chef de cozinha, preparava os melhores jantares da C.S.C. e passava as mensagens mais importantes e, é claro, ela é a minha mãe.

- Já entendermos, docinho. Seu mãe ser mesmo incrível, eu me lembrar. – disse Cornélia, fazendo um sinal como os de alguém que afasta uma mosca ou mosquito, esquecendo o assunto. – agorrra, vamos começarrr. Sempre que algo doce é serrrvido e vocês notar um pedra de sal na decoração do prato ou um pedaço de peixe na sua mouse doce é porrque o lugarr non é mais segurro ou que estão eu perrrrigo ou, no caso de vocês estar em uma missão, que algo sair errado.

Ela colocou um pequeno filé de salmão frito em cima do mouse de morango, junto com algumas folhas de hortelã. Aquilo passaria despercebido para qualquer um, pois o pedaço era pequeno demais, mas no caso de alguém que estivesse especialmente preocupado com a sobremesa e com as conseqüências da decoração dela aquilo era muito importante.

- Genial. – disse Sunny, analisando o pequeno doce. – como se indica que tudo deu certo?

- Que bom que você ficar interessada, docinho. – disse Cornélia, sorrindo para Sunny, que retribuiu. Beatrice ouvia tudo em silêncio. – quando algo der certo algo fedorrrento virrá junto com a sobrremesa, algo como arrrruda ou um pedaço de bacalhau crrru. Bacalhau ser fedorento.

- Mas não é fácil para os inimigos notar essas coisas? Quer dizer, ao seu lado há uma pessoa com um bacalhau na gelatina. É de desconfiar. – argumentou a pequena Beatrice.

- Realmente, querrida, mas vilões são todos convencidos demais para notar coisas assim, é o que eu achar. Pelo menos ate agora nem um deles notar nossas técnicas.

Elas estudaram mais alguns métodos de mandar mensagens via pratos e sobremesas. Sunny adorava tudo aquilo, iria treinar em casa com seus irmãos, mandando mensagens durante o chá da tarde. Beatrice absorvia conhecimento como uma esponja, ouvindo e decorando cada palavra que Cornélia dizia e falando muito pouco. Qual seria o talento da garotinha? Talvez ela tivesse uma memória perfeita, ou seria alguma outra coisa?

***

- Violet – disse Klaus, tirando o galo vermelho e espinhoso das mãos da irmã – isso é um espinheiro-do-diabo e você deveria procurar um espinheiro-de-bruxa. São parecidos, mas os espinhos do espinheiro-de-bruxa tem os espinhos com a ponta negra, e esse tem eles todos vermelhos.

- Ah, - disse Violet – tem razão. Você entende bem de plantas, pelo jeito.

- Eu li o livro que a professora nos deu para consulta, é por isso que eu sei. – disse ele, procurando entre os vasos mais altos o espinheiro que deveriam procurar – aqui está. Espinheiro-de-bruxa, pontas negras nos espinhos vermelhos. Serve como sonífero e uma única espetada faz você dormir por duas horas inteiras.

- Oh, que nerd. – disse Marta. Ela havia feito grupo com os Baudelira, já que a professora dividira a turma nos grupos de busca que queria. A garota tinha o mesmo cabelo loiro-palha de Helga, afinal as duas eram irmãs.

Klaus ficou um pouco envergonhado com o comentário e Violet ficou irritada, mas nem um dos dois disse algo. Eles haviam lidado com Carmelita Spats, um ser bem pior que Marta jamais seria.

- Vamos voltar – Violet puxou o irmão para perto da entrada, onde se encontravam os Quagmire e Ella, assim como Sirius. Isadora parecia estar se divertindo, mas Sirius parecia muito irritado. Quingley e Duncan estavam em uma conversa animada com Ella a respeito de alguma coisa. Duncan ainda mantinha a mão enfaixada.

Duncan ergueu os olhos para os irmãos Baudelaires quando eles chegaram, dando um sorriso.

- Voltaram rápido, a mal humorada deve ter espantado vocês. Marta, já te disse que você é muito agressiva. – disse ele, os olhos era acusadores, mas o sorriso continuava no rosto.

Marta não respondeu, ignorando ele de uma maneira elegante da maneira que só as pessoas mais arrogantes conseguem.

- Acharam o espinheiro? Era essa a planta de vocês, certo?– Perguntou Quingley, se aproximando se Violet.

- Sim, Klaus achou. – disse ela, pegando na mão dele.

- ótimo, porque vamos precisar dele.

- Mais uma missão? – perguntou Marta, surpreendendo os Baudelaires com sua animação.

- Sim, precisamos pegar um pacote em um baile. Alice já sabe, vamos colocar os serventes pra dormir e invadir o local, os espinhos serão necessários. – Disse Sirius, ele nunca chamava Alice de mãe.

- E quando vai ser isso?

- Essa noite ainda, Alice preparou vestidos para Violet, Marta e Isadora. As crianças não vão dessa vez. – disse Sirius, quebrando os espinhos do Espinheiro-de-bruxa e enrolando-os em um lenço. – mas acho que podemos usá-las na cozinha, todos sabem que as cozinhas são os melhores lugares para coletar informações durante festas. Além disso, coisas interessantes acontecem em festas.

Sirius disse a ultima parte olhando para Isadora, que corou um pouco. Duncan soltou um sorriso torto, mas Quingley fechou a cara. Ele era muito protetor com a irmã.

Duncan pigarreou.

- Porque as garotas não vão se arrumar então? E nós também. – disse ele, levantando e cutucando Marta nas costelas. A garota se contorceu e fez uma careta para ele. – temos uma festa pra ir.