Dylan

As correntes me mantém preso em uma poltrona localizada em uma das salas de aula de NovaHead. A nostalgia é inevitável. Todos os momentos do grupo aqui... Todos os anos que convivemos juntos sem sabermos nosso destino.

A porta abre e Lexi aparece.

— Oi meu amor — um sorriso percorre os lábios dela enquanto ela acende a luz da sala.

Pisco repetidas vezes notando o relógio na parede. São duas da tarde. Faltam quatro horas...

— Lexi... Você está cometendo um grande erro — digo tentando manter a calma.

Ela revela um saco do McDonald’s.

— Trouxe o seu favorito! — Lexi começa a abrir o pacote e colocar os lanches e bebidas em cima da mesa dos professores.

— Lexi! — grito, chamando sua atenção. — Isso é ridículo! Por que quer me manter aqui?

Os olhos dela se tornam levemente alucinados conforme ela se agacha à minha frente.

— Eu vou proteger você meu amor. Depois que tudo acabar vai querer ficar comigo — Sua mão acaricia meu rosto insistentemente. — Sua mente vai clarear em breve.

Encaro-a com puro ódio, principalmente por todas as mentiras de anos. Ela é meia-irmã da Clarissa controla todos os vilões e ainda por cima foi à causadora principal da morte de James e Aurora.

Cerro meus punhos.

— Não vai dar nada certo entre nós. Nunca mais — cuspo em sua face, tentando fazê-la entender o nível de nojo que sinto por ela. — VOCÊ MENTIU PARA MIM!

— E a Clarissa não? — grita Lexi, limpando o rosto, enfurecida.

— Incrivelmente não. — respondo lembrando-me da Wayne. — Clarissa sempre... Mostrou quem era. Ao contrário de você.

Lexi continua me encarando, seus olhos semicerrados.

— Então está na hora de você esquecer aquela vadia — seu tom de voz muda completamente. — Você vai me amar, querendo ou não Dylan Allen.

Ela sai da sala batendo a porta, seus punhos cerrados e a fúria emanando de si. Suas palavras permeiam os meus pensamentos, e chego a engolir em seco agora, completamente sozinho.

Esquecer?

O som de passos chega aos meus ouvidos. Olho para a porta e a vejo ser escancarada. Josh Turner invade a sala a passos ágeis.

— Fazia tempo que não tinha a chance de apagar algumas lembranças — Ele fala com um sorriso amplo e um olhar chegando ao psicótico.

.Lexi se mantém de pé ao lado da porta, com os braços cruzados e um sorriso percorrendo seus lábios.

— Em breve você vai ficar bem, meu amor — sussurra a morena, e pisco repetidas vezes tentando afastar a dor.

Eu não quero esquecer Clarissa Wayne. Eu não posso.

Josh Turner senta-se à minha frente e suas mãos chegam às minhas têmporas. Uma pontada de dor percorre meu cérebro, chegando a todos os nervos do meu corpo. Sou forçado a fechar os olhos com a intensidade do incômodo.

Sou transportado para outro ambiente, completamente diferente e distante. O ar frio me atinge. Tudo ao meu redor parece um emaranhado de névoa, e a imagem transcorre diante de meus olhos bruscamente.

Reconheço de imediato aquele momento. Foi antes de nos tornarmos heróis. O Dylan com o cabelo mais curto e ainda menos experiente do que agora encara a Clarissa de cabelos ainda encaracolados e ar naturalmente rebelde.

— Então - minha voz saiu mais debochada do que o normal. – Você continua roubando coisas?

Clarissa cerrou os dentes, erguendo-se lentamente, como se pensasse em mil maneiras de me matar – o que, com certeza ela está fazendo.

— O que você tem a ver com isso?

Dou de ombros, enquanto caminho em sua direção.

— Eu sou o herói mais foda de Nova York e prendo todos os bandidos, sem falar que sou muito atraente. É, acho que o que você faz tem muito a ver comigo.

— Dá para devolver o cartão? – Sua voz mudou completamente, indicando a falta de interesse que ela possui.

— Éhhhhh... No – Sorri largamente ao vê-la bufar mais uma vez, com frustração. Ao menos tinha chance de me divertir com isso, antes de prendê-la.

— Sabe o trabalho que eu tive para conseguir isso? – Ela indicou o cartão que eu segurava.

— Ah sei – ironizei. – Mais de cem pessoas mortas, rastros inexistentes e ainda faz com que todos acreditem que foi um ataque por conta de uma dívida com drogas.

— Parte disso é verdade – disse Clarissa, ronronando. – O lance das drogas, pelo menos...

Antes que ela pudesse impedir, surgi às suas costas e segurei seus pulsos. Podia sentir o doce perfume de seus cabelos ruivos e a frieza de sua pele.

Respirei fundo e pensei na garota que realmente importava para mim: Lexi Riddle, minha namorada.

— No que você está metida agora? – questionei, tentando afastar os pensamentos nada certos em relação à Clarissa.

Ela tentava se soltar, mas apertei seus pulsos com mais força, fazendo-a bufar novamente, com clara irritação.

— Criei um novo tipo de veneno – respondeu ela, ofegante. Um sorriso perpassou seus lábios avermelhados, indicando o orgulho que possuía por cada merda que fazia.

Maluca.

Clarissa era a bandida mais doida, inteligente e assassina que tive o desprazer (ou prazer) de conhecer.

— Foi assim que matou Stanley Jefferson? - perguntei, afastando os cachos ruivos de sua pele cintilante.

— Você é esperto. - Murmurei, em tom aprovador. - Muito bom mesmo, Relâmpago "McQueen".

Soltei um palavrão, tentando não perder a paciência. Odiava quando Clarissa me chamava assim.

— Considere-se presa - disse, algemando suas mãos.

A garota riu, me deixando ainda mais irritado.

— Do que está rindo?

Clarissa descansou sua cabeça em meu peito e me encarou com seus olhos brilhando de maldade.

— Você não cansa desse jogo? – suspirou. - Você me prende e eu fujo. Simples.

— Não dessa vez – falei, com convicção. Sabia que a algemara de modo certo e Clarissa nunca vai escapar.

— Sabe o que eu sei? - sua voz mudou para um tom sedutor.

Senti nossa proximidade e de repente, esqueci-me de Lexi e do restante do mundo. Aproximei meu rosto do seu, querendo tocar seus lábios e senti-los de uma vez por todas.

— Que você quer me beijar – sussurrou por fim, acertando em cheio meus pensamentos.

Quando comecei a sentir a maciez de sua boca, Clarissa se afastou de súbito, sorrindo maliciosamente.

Balançou as mãos no ar e indicou as minhas. Ao baixar os olhos, percebi que estavam algemadas. Clarissa tirou algo do cinto e vi que era o cartão de crédito do tal Stanley.

Porcaria, ela me enganou.

— Que saudade de você, benzinho - Clarissa beijou o cartão e me encarou em seguida. - Você pensou mesmo que eu ia ficar com você?

Senti a raiva me consumir. Paguei de idiota, puta que a pariu!

— Agora você vai ficar preso ai por um bom tempo – concluiu Clarissa, pensativa. - E eu vou estourar esse lindo cartão de crédito.

Sorriu vitoriosa, como uma criança que acabara de ganhar um brinquedo. Fechei a cara, enquanto tento me soltar.

— Nos vemos na escola amanhã, Relâmpago "McQueen" - Clarissa mandou um beijo em minha direção e saltou de costas do prédio, sumindo do meu campo de visão.

A névoa encobre completamente meus olhos, diluindo a cena no momento que eu corria até o parapeito do prédio para buscar Clarissa com o olhar. Fui transportado para mais uma lembrança.

Estava na minha casa, e o dia acabava de amanhecer. Clarissa fuçava a geladeira e eu acabava de me aproximar. Fora depois de eu tê-la salvo das garras do Bane na casa da Stella.

— Sua geladeira não tem nada que preste — Clarissa comentou encostada no balcão enquanto devorava uma maçã.

Revirei os olhos.

— Pensei que já tivesse ido embora — comentei, pegando a garrafa com água mineral à porta da geladeira.

Clarissa deu de ombros.

— Simon ligou — Fugiu totalmente da questão anterior, desinteressada aparentemente. Franzi o cenho.

— O que ele queria? — Cruzei os braços, depositando a garrafa no balcão da pia.

— Está se sentindo importante e convocou a gente para uma reunião — Fez uma careta quase imperceptível para mim, e lembrei-me de seu pulso quebrado.

Era esquisito vê-la machucada. Às vezes pensava que ela fosse aquele típico vaso ruim que não quebrava, sem nem ao menos sentir dor! Naquele instante, percebi que a Wayne tinha algum traço de humanidade, mesmo que este fosse tão sutil (quase supérfluo).

— Como está seu pulso? — Perguntei, fingindo desinteresse.

Clarissa me encarou com um misto de desconfiança e incredulidade.

— No lugar dele — ironizou, claramente tirando uma com a minha cara. Revirei os olhos, ouvindo a risada (tão rara) dela. — Tão bonzinho — desdenhou, passando por mim. — Melhor se arrumar. O Walker não pareceu muito paciente ao telefone.

Arqueei as sobrancelhas.

— Fury está morto e você consegue ficar de bom-humor — Ponderei, e ela virou a cabeça em minha direção. — Está pensando em cair fora, não é?

Clarissa cruzou os braços, encarando-me com uma tranquilidade anormal.

— Será que você não percebe?— Meneou a cabeça negativamente. — Eles não precisam de nós. Precisam manter o controle sobre nós. Depois que essa merda acabar, continuaremos sendo vigiados assim como fomos até agora. Esse grupo tá rachado, Allen.

Novamente a névoa encobriu a lembrança no instante que Clary se afastava do eu antigo, tipicamente marrenta. A névoa diluiu em outro instante, que fazia parte daquele mesmo dia. O Dylan de outrora se encontrava agachado em frente ao carro, observando algo atentamente, enquanto Clarissa mantinha-se impaciente ao lado, suportando a chuva que caia pesadamente.

— Foi só um risquinho — Clarissa revirou os olhos, indignada com o passeio que fizemos em poucos segundos (graças a mim). — Você está fazendo tempestade em copo dágua.

Bufei.

— Duvido que diria isso se esse risquinho fosse na sua moto — Enfatizei, destravando as portas do carro.

A ruiva deu a volta no veículo, abrindo a porta do passageiro.

— Você tem razão quanto a isso — Encolheu os ombros.

Balancei a cabeça negativamente, mal contendo a risada.

O percurso até a casa da Sophia (onde foi marcado o encontro da cambada) foi em completo silêncio. Clarissa não estava disposta a fazer brincadeiras com a minha cara, e eu não quis encher a paciência dela.

A chuva continuava forte quando estacionei em frente à casa dos Thompson que ao contrário dos outros, ficava mais ao Sul de Nova York, próximo ao cemitério da cidade.

Agora entendei porque todos evitavam a Sophia. Mas mesmo com esse pequeno detalhe, não era justo excluí-la como as garotas do time de líderes de torcida faziam.

— Estou começando a odiar chuva. — Clarissa se irritou assim que deixamos o conforto do meu carro para enfrentar a tempestade gelada.

— Me diz o que você não odeia? — Perguntei retoricamente.

— Chocolate quente — Deu de ombros, obrigando-me a revirar os olhos.

A lembrança foi encoberta no momento que chegávamos à soleira da porta da casa da Sophia. E durante aquele mesmo dia, mais um momento surge diante de meus olhos. O vídeo com todas as verdades sobre o envolvimento de Stella com os Wayne tinha acabado de passar diante dos olhos dos Destruidores no porão da casa da Sophia.

E os pensamentos do antigo Dylan voltaram a ecoar em minha mente, como se eu vivesse novamente aquilo.

Quando Clarissa parecia mais perto de nós, algo a puxava de volta para sua própria escuridão, como uma eterna penitência.

Podia até mesmo vê-la naquele momento, caminhando vagarosamente até a porta, esperando que um de nós (qualquer um!) a convencesse de que Stella não quebrara sua confiança, e sim agira pelo seu bem, que nós deveríamos permanecer juntos mesmo sem sermos um bando de heróis legais.

Que ali era o seu lugar, e que mesmo com suas loucuras sanguinárias, aceitávamos ela do jeito que era.

Mas ninguém disse nada disso, pois sabiam que seria em vão. Em questão de dias estaríamos mortos.

Deixe-a ir,uma voz disse em minha cabeça.

Suspirei mais uma vez, antes de me levantar e... Correr.

Com toda minha velocidade cheguei ao hall de entrada e sai da casa. Clarissa já passara do meu carro, decidida a enfrentar aquela tempestade e a estrada lamacenta.

— Vai tentar me convencer?

Comecei a caminhar ao seu lado, sem me importar com a maldita chuva.

— Não. Eu vou conseguir. — Parei à sua frente, impedindo seu trajeto. — A Stella não traiu sua confiança, e o Charlie é o seu irmão! Sei que você se considera invencível e tudo mais, só que ninguém consegue ficar sem os pais por muito tempo.

— Eu não tenho pais...

— Tem sim, porque que eu saiba você é bonita e demoníaca demais para ter vindo de uma trouxinha amarrada em uma cegonha — Finalmente, Clary me encarou. — Você sabe que os Wayne estão em Las Vegas! Diferente de mim...

Parei de falar momentaneamente, medindo cuidadosamente minhas palavras. Clarissa meneou a cabeça negativamente.

— Você sabe o que vou fazer. E eu não ligo para o que vai acontecer, porque ninguém se importa quando precisei! Ninguém esteve comigo fazendo festinhas de aniversário, ou me ajudando com o dever de casa! Ninguém esteve comigo quando comecei a andar, a falar e a ler! Ninguém me deu presentes de Natal ou me ajudou com a minha fantasia de Halloween, porque eu nunca participei dessa merda!

Encarei-a completamente atônito. Clarissa desviou o olhar, mantendo os punhos cerrados.

— Você não entenderia — Ironizou ela, cruzando os braços.

— Eu nunca conheci minha mãe — Disse repentinamente, e de certa forma me senti um tolo. — Então, acho que te entendo sim.

O silêncio se interpôs entre nós. De repente, tudo pareceu evaporar ao nosso redor. A sensação da chuva gelada acabou quando em um rápido movimento estava diante dela.

Apenas agora...

Clarissa se retesou um pouco, completamente tensionada diante da minha proximidade. Meus dedos alcançaram a pele alva de sua face e quando ela me encarou com seus olhos negros, sabia o que queria fazer.

E sabia que era um caminho sem volta.

Meus lábios se aproximaram dos seus, necessitados e desejosos um do outro. Uma maneira sutil de escapar disso tudo, de cairmos na realidade de que somos tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais.

E não sei porquê estava fazendo aquilo, recordando as nossas claras demonstrações de ódio.

Parecia loucura, mas era como se tudo aquilo fizesse parte da minha rotina. Era como se a mínima sugestão de que Clarissa fosse embora tinha o poder de desmoronar algo dentro de mim.

A primeira sensação que tive quando finalmente quebrei nossa distância, era que a Clary estava tão nervosa quanto eu (mesmo que nunca admita). Ela relaxou depois de um tempo, suas mãos alcançando minha nuca e conseguindo o efeito desejado; fazer com que eu a abraçasse ainda mais forte.

Nossos lábios seguiram unificados em um beijo calmo e ao mesmo tempo sôfrego. Uma quentura acompanhada de um conforto inesperado me preencheram imediatamente.

Senti a ruiva se distanciar, como se tivesse acabado de levar um choque. Sua expressão é de atordoamento e confusão, mas não permiti que ela pensasse demais.

Minha mão chegou à sua cintura e a arrasto para junto de mim. Seu corpo bateu contra o meu peito e tratei de calá-la com um segundo beijo, ainda melhor do que o anterior.

Percebi então o que eu tentava esconder (o que nós dois tentávamos esconder). Que desde aquela noite no prédio quando a Clary explodiu o galpão do Stanley e me algemou, queríamos ter conseguido aquele momento como estávamos fazendo ali.

A segunda percepção que tive, era que Lexy nunca me fez sentir algo tão intenso. E as palavras do meu pai finalmente começaram a fazer sentido.

— Você queria isso tanto quanto eu — Ofeguei, fitando-a seriamente e... Deus, como os olhos dela são bonitos.

Abri os olhos. Meu coração bate desenfreadamente e a dor de cabeça é inevitável.

O que foi? — Lexi questiona com um tom irritado.

Josh parece atordoado.

— As emoções são muito fortes — diz ele com a voz enfraquecida.

— Inútil! Inútil! — esbraveja Lexi, reunindo energia em sua mão e lançando contra o homem.

Ele emite um urro de dor e cai no chão, inerte. Lexi ocupa o lugar de Josh Turner, tentando assumir uma expressão carinhosa e feliz diante de mim.

— Vou cuidar disso eu mesma — suas mãos alcançam minhas têmporas.

Uma carga mais forte de energia percorre meu cérebro, e dessa vez é impossível conter o grito de dor. Sinto algo ser retirado de mim pouco a pouco, estraçalhado em mil pedaços, diluído ao vento.

Não. Não. Eu não posso deixar. Não posso permitir...

— Não force! Esqueça ela! ESQUEÇA!

Não aguento toda a pressão em meus membros e mente, e acabo caindo na inconsciência, perdido entre o que é o real e o que é mera imaginação.