Selina Wayne

“Já passei por todos os tipos de situação na droga da minha vida. Cresci sem qualquer perspectiva, em um maldito orfanato com crianças ingênuas e tristes. Desenvolver habilidades nas ruas foi o primeiro passo de um pesadelo que eu viveria continuamente todos os dias.

Roubar... Matar... Até me prostituir em troca de informações. Conheci o lado pior da humanidade, e não pude deixar de pensar que estava alcançando o fundo do poço junto delas.

Comecei a gostar de gatos. Eles eram como eu: solitários, astutos, mas no fundo meigos e fofos, necessitando de algum tipo de carinho.

Fiz inúmeros inimigos e destruí vidas inocentes apenas pelo prazer de pegar em uma joia de infinitos quilates. Quadros de Picasso, Portinari e artistas que nunca vi eram pendurados todos os dias nas paredes imundas do meu pequeno apartamento em Gotham com o pretexto de que no fundo eu tinha sensibilidade para arte: a arte de vender e conseguir dinheiro.

Dinheiro gasto em sapatos, roupas caras, relógios e salões de beleza. O luxo virava completamente minha cabeça e eu sentia que a cidade pertencia a mim por completo.

E isso atraiu a atenção do famoso Batman. Eu virei o mundo dele de cabeça para baixo, e consequentemente ele acabou com o meu. Desenvolvemos algum tipo de... Relação odiosa baseada em sexo que logo se transformou em amor. Afinal, a linha do amor e do ódio é terrivelmente tênue.

Foram dois ou três anos assim, até que repentinamente o Batman saiu de circulação e me vi completamente só.

Resolvi roubar a casa de Bruce Wayne para clarear a mente e esquecer os infortúnios do amor. Quem já havia conseguido entrar lá na vida? A sensação de perigo e a adrenalina circulando em minhas veias valiam mais a pena que todos os prêmios até então adquiridos, e certamente me fariam esquecer o herói das Trevas por quem eu tinha me apaixonado.

Bruce Wayne estava enfurnado em casa como um velho patético sem perspectiva. Ele não tinha ido às empresas ou sido visto em eventos beneficentes. Algo tinha acontecido para ele ter ficado daquele jeito...

Então um dia qualquer estavam homenageando um riquinho que ajudou a cidade dentro dos jardins Wayne. Consegui me disfarçar de servente e me misturei com os empregados. Acabei sendo mandada pelo Alfred a levar a janta do sr.Wayne em seu quarto... Quer oportunidade melhor para limpar os cofres dele? Alfred tinha me dado o assado na bandeja e eu soube aproveitar.

Subi para o quarto dele, deixei a bandeja com a janta em cima da mesa de mármore e meus olhos bateram em um quadro preso à parede. Homens ricos costumam gostar de arte, mas homens ricos tem tendência a gostarem de esconder seus bens atrás da arte.

Descobri o cofre e facilmente o abri. Peguei um colar de diamantes tão lindo que meu coração palpitou de amor à primeira vista... No entanto, o sr.Wayne me viu e atirou uma maldita flecha. Tentei me passar por boa moça em desespero, mas claro que ele não cairia nessa. Bruce era inteligente, embora estivesse fraco e mal cuidado. Algum tipo de depressão talvez?

Pulei a janela depois de derrubá-lo. Todo o fingimento foi para o espaço e mostrei quem realmente era: habilidosa, voraz e muito inteligente.

Fugi, sentindo que tinha o mundo nas mãos mesmo tendo noção de que não tinha. Além das joias eu havia roubado as digitais do sr.Wayne. Eu estava sendo... Manipulada.

Vender as digitais dele e ficar com as joias. A minha vida estava sendo ameaçada por alguém bem mais poderoso do que eu pensava.

Encontrei o comprador... Dei as digitais... Não recebi o dinheiro... Matei ele e os seus agentes, e depois me passei por uma vítima de tudo quando os policiais chegaram.

Tornei a fugir.

Então eu comecei com enjoos atrás de enjoos. Vomitar não fazia o meu estilo, e percebi que havia algo de muito errado comigo. Fiz o teste de farmácia e descobri que estava grávida. Fantástico! Grávida de um herói de merda que havia sumido e eu nem ao menos sabia sua identidade! Parabéns, Selina Kyle!

Encontrei Bruce Wayne em outro evento. Ele parecia tão... Sedutor. Estava recuperado do que quer que tinha tido, e não podia negar que de fato era atraente. No entanto, eu não podia me enganar. Homens podem destruir o mundo de qualquer mulher em menos de dois segundos como eu já havia aprendido.

Dei pistas do que estava acontecendo na cidade. Eu estava disposta a fugir de Gotham City. Deixar aquela cidade em troca da minha vida. Eu não devia nada a ninguém. Nada! E eu poderia criar aquele filho que carregava no ventre sozinha e em paz.

Então o perigo tornou a aparecer. Mais forte. Mais intenso. E tinha nome: Bane. Eu nunca pensei que fosse temer tanto alguém como temi aquele cara. Ele tinha poder. Não era como um riquinho cheio de agentes que eu enfrentava. Não era como o Coringa que eu poderia rir e enganar. Não era como o Charada que eu solucionava as pegadinhas ou jogava montes de dinheiro e tudo estaria bem. Bane era um maldito parasita!

O preço tinha aumentado: entregar o Batman e viver em paz. Fugir para longe.

O Cavaleiro das Trevas tinha voltado às ruas e eu estava fascinada com a possibilidade de contar a ele a verdade. Talvez... Ele assumisse não? Assumisse o meu... O nosso filho. Mas diante da proposta de Bane, eu desisti.

Consegui atrair o Batman para o esgoto onde supostamente ele pegaria Bane: mas foi Bane quem o pegou.

E o destruiu... E assisti a tudo sem poder fazer nada.

Sai de lá acreditando que era o fim. O Cavaleiro das Trevas estava morto. Bruce Wayne havia desaparecido... Então interliguei tudo. Os dois eram um só. Eu tinha matado duas pessoas importantes para Gotham de uma vez. Eu tinha matado o pai do meu filho.

Fiz minhas malas. Deixei a espelunca que chamava de casa, só que a polícia conseguiu me pegar... Conseguiu me jogar em uma droga de cela.

Eu não vi esperança mais. Estava com dois meses de gravidez e a barriga começava a aparecer. A cidade caia, as pessoas estavam morrendo. Bane estava no controle e utilizou de exército o mais apropriado: prisioneiros.

A prisão de Gotham foi detonada e consegui escapar. Fiquei seis malditos meses presa, ou seja, já estava no oitavo mês. E eu não sei como não perdi meu filho, já que lá dentro sofri o pão que o diabo amassou.

As ruas da cidade viraram um completo banho de sangue no dia da minha soltura, e nunca imaginei que poderia detestar tanto o caos como naquele dia. Vi pessoas conhecidas morrerem. Vi crianças chorarem pela perda dos pais.

Ajudei um moleque de rua por acaso, surpresa por sentir algo além de ganância. A culpa me corroia pouco a pouco, e eu acreditei que tinha destruído tudo. Aquilo tudo era minha culpa!

Então Bruce Wayne ressurgiu das sombras, e me encontrou novamente. Ele sempre me encontrava... Naquele momento eu pude ver que ele era minha esperança. Eu poderia confiar nele. Eu estaria disposta a mudar por ele.

Contei a verdade. Contei sobre meu filho. Bruce pareceu confuso e ao mesmo tempo feliz. Ele queria construir sua família novamente. E aquela era sua esperança.

Propus que fugíssemos. Que deixássemos tudo e criássemos nosso filho longe dali. Mas ele não quis. E naquele dia percebi que o espírito de lealdade do Batman poderia ser maior do que qualquer coisa. Ele recusou minha oferta de fuga e permaneceu na cidade. Ele sentia obrigação em salvar Gotham City.

Eu sabia muito bem tudo que o famoso Bruce Wayne tinha passado ali. A morte dos pais na infância e a solidão tinham-no moldado para ser o que é. Contudo, não poderia imaginar que ele havia se tornado um herói também.

Eu o vi levar uma bomba nuclear em sua nave sem piloto automático. Chorei. Mais intensamente do que nunca em minha vida por trás da janela dentro de casa.

A bomba detonou e tive a certeza de que ele havia morrido. Naquela mesma hora, a bolsa estourou e entrei em trabalho de parto. Não havia ninguém em casa, e comecei a gritar na esperança de que viesse uma ajuda.

E veio. Uma senhora apareceu, como um anjo ou o que quer que fosse. Desmaiei no instante seguinte.

Acordei ouvindo choros de criança, mas depois o silêncio. A mulher me disse que não era apenas um menino, e sim um casal. No entanto, ambos haviam morrido.

Aquilo foi um baque para mim. Sem o amor da minha vida e sem filhos. Eu não fazia ideia se seria uma boa mãe, mas carregar no meu ventre por oito meses uma perspectiva de mudança me fez amar sem conhecer.

Gotham começou a se reconstituir. Eu estava tão... Amargurada que não tive chance de fugir para outro lugar. Não pensei nisso. Imaginei que aquela cidade vazia combinava perfeitamente com minha alma.

Até que uma noite qualquer após um roubo para clarear a mente e alegrar a noite, ele tornou a me encontrar. E eu nunca estive tão feliz nos braços do Bruce.

Fomos embora para Paris. Casamos depois de um ano de adaptação em uma vida comum. Ele me consolou pela perda dos filhos, só que um leve instinto me dizia que aquele choro não era um sonho. Eu realmente havia escutado o choro de um dos meus filhos, e tinha certeza que ele estava vivo.

Passaram-se catorze anos e retornamos para Gotham City sem que ninguém soubesse. O melhor era todos acreditarem que Bruce Wayne estava morto, e que Selina Kyle não existia mais. O que de fato era verdade. Eu era a sra.Wayne, sem roubos, sem sangue nas mãos. Apenas a sra.Wayne, uma mulher íntegra e feliz.

Alfred comandava a Wayne Corporation e tudo estava bem. Entretanto, o pensamento de que meu filho estava vivo ainda permeava minha mente.

Foi então que Charlie nos encontrou. Começou com algumas conversas online, e ele veio até nós um dia.

E revelou que tinha uma irmã: Clarissa.

Mas antes que pudéssemos marcar um novo encontro, nossa casa foi invadida e nos levaram. Bruce lutou com todas as forças, contudo nossos inimigos foram mais fortes e conseguiram o que queriam.

Felizmente nós tínhamos um frasco de soro que ia contra os sedativos que colocaram em nós na nave. Eu consegui usar um pouco um dia, e foi quando falei com você em sonho. A vadia da Caroline mantinha o controle das nossas mentes, e certamente quis brincar comigo ou me torturar pela minha desobediência levando-me até você. Só que eu estava tão determinada a vê-la, a ao menos ver seu rosto, que não me importei com a dor da rejeição ou qualquer coisa que pudesse ser feita.

Eu tive um propósito novo quando a vi.

Charlie foi aprisionado conosco, e imaginei que você seria a única chance de sobrevivermos. Bruce tinha tentado escapar uma vez com o soro que ainda tinha, mas Caroline o capturou novamente antes mesmo dele sair da sala.

Minha única esperança era você. Todos os dias. Eu sabia que você tinha desenvolvido um ódio imenso por mim e seu pai, mas eu ainda esperava que isso mudasse.

E hoje eu vi que mudou. Sei que seu coração está pesado. Sei que é confuso, que você nunca conviveu conosco e deve imaginar que a abandonamos, mas Clarissa, o mundo possui farsas e mentiras. Eu não sabia que você estava viva. Alguém quis criar um ódio em você para usar isso!”

Clarissa me encara, e consigo reconhecer suas semelhanças comigo na cor do seu cabelo e seu tom de voz firme.

— Sinto muito pelo que você passou — Ela diz desviando o olhar. Está hesitante, mas sei que está prestes a chorar e envergonhada por isso. — Mas eu não posso retribuir isso. Eu... Eu não consigo. É tarde demais para qualquer mudança em mim.

Seguro sua mão com firmeza, e Clarissa evita me encarar. De fato ela está chorando, e tenta de todas as maneiras desviar o olhar de mim.

— Eu acredito em você. Sou sua mãe. Da mesma maneira que eu mudei, sei que você é capaz... Filha.

Clarissa permanece com o rosto virado e em silêncio contínuo. Suspiro, querendo acariciar seu rosto, mas hesitando em fazê-lo.

— Seu pai, eu e seu irmão estamos aqui — acrescento, piscando repetidas vezes na tentativa de controlar as lágrimas. — Para o que você precisar.

Ela continua em silêncio. Sei que ela precisa de espaço para aceitar tudo isso, assim como eu precisei anos atrás.