James

Nossos passos ecoavam pela floresta estranhamente silenciosa.

Enquanto arrastava a garota comigo, senti que um peso foi deixado para trás, junto àquela mansão. Mesmo que as consequências custassem à vida de minha irmã caçula (que nada compreendia por sinal), sabia que um dia receberia a razão por minhas escolhas.

– A Ashley! – Caroline Miller tentava se soltar, choramingando em desespero. – James! Temos que voltar! Ela ainda está lá!

Ignorei-a completamente, e permaneci decidido, como se ela não tivesse falado.

Eu sentia a dor em minha cabeça crescer conforme fugíamos, mas não reclamei por um instante sequer. Quando alcançamos nosso objetivo final, Caroline já não mais chorava, embora seus olhos estivessem inchados e vermelhos.

Tentei dormir naquela noite, mas foi completamente impossível. Encarava o teto, imaginando se minha irmã sobrevivera. E se tivesse tido alguma chance, algum dia me perdoaria?

(...)

Seu corpo sem vida jazia em meus braços. Os olhos claros apagados, e as cartas em suas mãos.

O mundo de mágicas tinha acabado para a talentosa Caroline Miller.

(...)

Desperto com um pulo, olhando ao redor, piscando repetidas vezes. Uma onda de dor alcança minha cabeça, e levo minha mão à têmpora direita, respirando fundo.

Calma, James. Foi apenas um sonho.

É, ok. Não foi bem um sonho e sim um pequeno conjunto de lembranças. Algo que, por sinal, eu não tinha há muito tempo.

Quando olho para cima, percebo que Ashley me encara com surpresa (ou seria hesitação?), aparentemente melhor do que estava na noite anterior. Uma onda discreta de alívio percorre meu íntimo.

– Você dormiu aí? – questiona, com as mãos unidas atrás de suas costas, e alternando o peso entre seus pés calçados com as botas de salto alto.

Esfrego os olhos, e deixo o frio chão do corredor da Ala Hospitalar, para me colocar de pé.

– Eles não me deixaram entrar – falo, referindo-me aos filhos da mãedos agentes da S.H.I.E.L.D. – Desconfiam de mim. – solto uma risada irônica, enquanto estendo os braços para o alto, me espreguiçando. Ashley mantém os olhos fixos em mim. – Aliás, que horas são?

Ela suspira, praticamente ignorando minha questão. Cruza os braços sobre o peito, e pelo seu nervosismo, já imagino o que está prestes a fazer.

– Obrigada.

Olho ao redor, fingindo estar mais interessado no movimento da base do que no agradecimento dela.

Sinceramente, eu não queria receber isso. Este “obrigada”, só serve para me lembrar daquela mansão pegando fogo, e anos depois, de Caroline morta em meus braços. Perdi duas pessoas importantes na minha vida, e nada pude fazer.

– Não faça mais isso. – digo, tornando a massagear minhas têmporas, incomodado com a dor de cabeça.

– Não fazer o quê?

Suspiro, buscando paciência, mantendo as pálpebras cerradas.

– Não me agradeça. – explico, abrindo os olhos finalmente. Ashley me encara com perplexidade. – Se você soubesse o que está para acontecer, não me agradeceria ainda.

– O que quer dizer? – Ela me detém, assim que faço menção de passar por ela. – O que você está aprontando, James? Além de querer a mente da Aurora em uma bandeja?

Liberto-me gentilmente de seu aperto em meu braço. Seguro sua mão entre a minha por um breve instante, encarando-a nos olhos.

– Não sou eu agora. – falo, com sinceridade. Minha irmã franze o cenho. – Esse ataque em você, não foi à toa. Sinto que é só o início de algo pior.

– E suponho que não vai dizer suas hipóteses – Ela diz, com certa ironia.

Dou de ombros.

– Você está certa. – concordo, começando a caminhar pelo corredor, deixando-a para trás.

A dor de cabeça ainda não passou, e a desconfiança de que algo vai acontecer me deixa em alerta. Certamente que quem quer que esteja convocando os vilões, irá cometer suas atrocidades assim que estivermos com a guarda mais baixa.

Logo após o ataque à Ashley ontem, fiz minhas pesquisas (ouvindo algumas conversas de alguns agentes, graças as minhas habilidades) e descobri que Fury mandou a Viúva Negra, a Feiticeira Escarlate e o Mercúrio para Miami. Aparentemente, Stanley Jefferson estava por lá, vendendo drogas e realizando tráfico de armas, e seria uma oportunidade perfeita para interrogá-lo.

Não sei se deu certo, mas vou continuar de olho. É bom que alguém da equipe saiba de tudo ao menos (embora não esteja oficialmente dentro dessa Iniciativa).

Viro um dos corredores, e preso em meus pensamentos, quase colido com a garota que vinha na direção contrária. Por sorte, a seguro antes que caia.

– James – o gracioso sorriso de Aurora serve para limpar minha mente na mesma hora.

Solto-a, retomando a posição inicial. Um sorriso de canto percorre meus lábios.

– Aurora – digo, me apoiando na parede. – Aonde vai com tanta pressa?

Ela arqueia uma das sobrancelhas, em desafio.

– Virou meu marido por acaso? – revira os olhos, passando por mim. Trato de segui-la, me divertindo. – Desde quando lhe devo satisfações, Turner?

Puxo seu braço, virando-a totalmente, e fazendo seu corpo colidir ao meu. Ela mantém a mesma expressão desafiadora, o que me faz rir.

– É melhor não começar a se fazer de difícil – falo, sem deixar de encará-la.

– Não estou me fazendo de difícil – Diz, tocando meus ombros com as pontas dos dedos. – Você quem não sabe jogar.

E com uma rapidez surpreendente, se liberta de meu enlace e dá a volta ao meu corpo, com o auxílio de sua elasticidade. Surge em minha frente mais uma vez.

– Fury está te chamando – me avisa, com o tom de voz autoritário.

Ela sabe acabar com um clima. Reviro os olhos, cruzando os braços.

– Para quê?

– Vem comigo – É tudo que diz me dando as costas e começando a caminhar.

Lá se vão os meus planos de tentar amenizar essa maldita dor de cabeça. Indignado, começo a caminhar em seu encalço.

– Já sabe que Clarissa entrou para o time?

Incrédulo, encaro-a.

– Agora sei...

Atravessamos alguns corredores, antes de chegarmos à sala de treinamento usada pelos integrantes do time.

– Só falta você, Turner – Paramos em frente à porta que demarca nosso objetivo. Aurora me fita com seus olhos azuis, repletos de uma calmaria (quase) inabalável.

A porta corre, encerrando qualquer diálogo nosso. Ela entra na sala, primeiro e em seguida a acompanho.

Todos estão reunidos em torno de Simon Walker, que permanece sentado em uma cadeira reclinável, aparentemente tenso.

– Se ele faz parte do time de futebol americano... – Ashley (que por sinal não me avisou nada sobre essa reunião), franze o cenho, mantendo as mãos na cintura. – É óbvio que tem algum poder relacionado à força.

– Que ainda não foi despertado – conclui Maria Hill, mantendo sua postura de agente séria, que sorri apenas uma vez a cada século. – Talvez, ele já tenha utilizado este poder em alguma ocasião, mas não consegue se recordar.

Clarissa Wayne, que até então não demonstrou estar presente, ri com desdém.

– Ele não parece ter um poder útil.

Dylan, um tanto distante da morena, demonstra seu desejo de perder a vida.

– Você quem não tem um poder útil, Wayne. – Alfineta. – Só sabe usar armas, nada demais.

Suspiro, prevendo que o fato de Clarissa ter sido solta vai gerar incontáveis problemas. Antes que ela responda à altura ou estoure os miolos do Allen, Aurora trata de apaziguar a situação.

– Que tal darem um tempo? Não podem ficar no mesmo ambiente sem iniciarem uma guerra?

E a resposta foi um duplo, claro e sonoro...

– Não!

Simon recebe as atenções ao soltar um muxoxo de impaciência.

– Vocês estão me deixando ainda pior.

Maria Hill e Fury discutem sobre o Walker ao fundo da sala, e eu permaneço aqui, sem entender qual será meu papel nessa história.

– Seria legal se você pudesse controlar a terra – comenta Zack, pensativo, encarando Simon como se ele fosse um rato de laboratório. – Mas eu não entendo esse lance de poder adormecido. Eu controlo raios desde os meus dez anos. – Encara Ashley. – E você, Ash?

Ela pensa por um instante, antes de falar. Evito seu olhar, apenas ouvindo sua resposta.

– Logo depois que meus pais morreram – diz, naturalmente.

Trocamos um olhar, antes que a conversa prossiga para longe de nós.

– E você, Stella? – Simon questiona, me fazendo perceber que é a primeira vez em que nos encontramos todos reunidos, conversando banalidades.

E no mesmo tempo que isso é estranho, chega a ser engraçado.

– Desde que eu nasci – Em seguida, sorriri com alguma lembrança. – Foi engraçada a vez em que eu estava com a minha irmã mais velha, e ela praticamente me jogou no meio da avenida. Todos os carros pararam, e eles estavam a uma velocidade considerada alta... Minha mãe quase matou a Courtney com uma surra, e eu ganhei um sorvete de flocos depois disso... – Faz uma expressão sonhadora, o que nos faz rir, mesmo que de maneira contida.

A tímida Sophia, se pronuncia, dando o ar de sua graça. Suspeito que ela viva usando seu poder de invisibilidade, pois são raras às vezes em que as vejo.

– Você não deve se preocupar Simon – diz Sophia, corando ao receber a maioria das atenções. – Quero dizer... Talvez seu poder se manifeste logo, logo. Como a agente Hill mesma disse, você pode ter utilizado essa habilidade e não se recorda... – Tudo isso sai em um tom de voz baixo, enquanto a loira mantém a cabeça baixa.

Simon une as sobrancelhas, pensativo. Começo a entender meu trabalho aqui, afinal.

– Pode ter sofrido algum trauma – concluo, e todos me encaram. Prossigo, sem perder a linha de raciocínio. – E dessa forma, o cérebro praticamente exterminou a lembrança. – Encaro Ashley, que reflete a respeito. Uma ideia repentina passa por minha cabeça. – Se a Ashley e eu tentarmos reconstituir essa lembrança, é provável que você consiga despertar este poder.

Minha irmã parece atordoada com a sugestão levantada por mim.

– E-Eu? – pergunta confusa. – Mas eu nem estou no seu nível...

– Você pode acessar as lembranças sem detonar o cérebro dele – explico, com certo sarcasmo.

A careta é inevitável no semblante do Simon.

– Que animador... – murmuro.

– Apenas as mais recentes – enfatiza Ashley, me encarando desconfiada. – Não sei se será útil.

– Já é o suficiente – falo, tirando as cartas do baralho do meu bolso. – Posso criar uma lembrança com base em algumas emoções dele. É algo demorado – acrescento para os demais. – Duas a três horas no mínimo.

Fury se aproxima de nós, lembrando-me de sua presença, juntamente com Maria Hill.

– É bom que estejam sabendo trabalhar em equipe. Ainda não estão muito entrosados, mas... – Fita cada um de nós, com mínimo sorriso. – Em breve estarão prontos.

Dylan arqueia uma das sobrancelhas.

– Ainda teremos treinamento?

Maria Hill se aproxima.

– Sim. Mas não será aqui. Levaremos vocês para a base fixa – anuncia. – E depois, vamos liberá-los para retornarem a sua rotina, tendo em mente que ainda estão em serviço.

Fury volta seu olho bom para Ashley e eu.

– Boa sorte aos dois. – E lado a lado com sua fiel companheira, deixa a sala de treinamento.

Em seguida, os demais fazem o mesmo, um a um deixando a sala de treinamento. Instantes depois, estamos completamente sozinhos, com um Simon ansioso à nossa frente.

Sem esforço, Ashley utiliza seu poder em Simon, mandando-o dormir. Não deixo de pensar que com o decorrer dos anos, ela deve ter treinado bastante para ampliar suas habilidades.

Assim como eu, Ashley pode persuadir (uma ou várias pessoas de uma vez), invadir mentes, e rastreá-las. A única diferença entre nossas habilidades, é que sou alguns níveis, mais poderoso que ela. Posso criar ilusões, descobrir o maior medo do meu oponente e torná-lo real em sua cabeça, além do meu rastreamento ser mais minucioso.

E claro, ainda tenho mentes femininas que tornam meus poderes mais avançados, e me dão alguns meses de sobrevivência sem precisar enlouquecer outras mulheres.

Balanço a cabeça, lembrando a razão pela qual tenho de fazer isso. Automaticamente, Aurora me vem à cabeça. Ela não será apenas mais uma vítima qualquer. Ela será o meu porto seguro.

Ashley inicia o processo, e fecha os olhos na intenção de se concentrar.

Eu não me arrependo de tudo que fiz, mas ao mesmo tempo não me orgulho inteiramente.

Agora que estou (tecnicamente) participando dos Destruidores, pretendo resolver as pendências com minha irmã antes que seja tarde demais.